sexta-feira,10 maio, 2024

Inteligência artificial e arquitetura: como a tecnologia impacta a profissão?

Separamos uma série de discussões acerca da inteligência artificial na área da Arquitetura e correlatas, como programas, desafios, auxílios e até mesmo como anda a regulamentação da tecnologia no Brasil

Com as novidades recentes no setor de tecnologia, especialmente após o boom do produto da Open AI, o ChatGPT, o mundo resolveu parar para discutir o impacto dessas novidades. Nas redes sociais e rodas de conversa sobre o assunto, o tópico principal é como as profissões sofreriam o choque e até mesmo se profissionais seriam substituídos.

Foi a partir desta crescente onda de ferramentas e usuários que organizações mundiais passaram a assinar pedidos aos governos e até mesmo criar manuais optativos de ética para o uso de IA na profissão que representassem, inclusive os conselhos de Arquitetura.

No Reino Unido, o Royal Institute of British Architects (RIBA), disse ao portal Deezen estar trabalhando com o governo para produzir guias de uso das tecnologias de inteligência artificial aos profissionais de arquitetura britânicos.

No mesmo material, o American Institute of Architects (AIA), dos Estados Unidos, explicitou estar acompanhando de perto as mudanças, preocupações e oportunidades das ferramentas para a profissão. O mesmo vale para o Australian Institute of Architects, do país homônimo, em documento direcionado ao governo, que pedia regulamentação das tecnologias na profissão.

Casa e Jardim buscou um parecer de profissionais especialistas no setor para quebrar alguns estigmas em relação à IA e esclarecer certas preocupações.

O que é Inteligência Artificial?

Ao contrário do que muitos pensam, a IA está presente para ser usada com uma ferramente de trabalho, e não substituir os profissionais — Foto: Freepik / DCStudio / CreativeCommons

Com o número vultoso de discussões, o conceito de inteligência artificial pode parecer óbvio, mas, no fim, não é. A ideia de um robô com “inteligência” não nasceu em 2020, nem pouco tempo antes disso.

Em resumo, o termo surgiu nos anos 1940. As máquinas capazes de realizar cálculos complexos, como aquela posteriormente usada por Alan Turing na Segunda Guerra Mundial, fazia parte deste modelo e era utilizada para decodificar mensagens do exército Alemão.

Quem explica isso é Glauco Arbix, sociólogo, professor titular do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), coordenador da área de Humanidades do Center for Artificial Intelligence-USP-Fapesp-IBM.

Segundo ele, as Inteligências Artificiais funcionam sob uma base de dados previamente cadastrada pelo seu “criador”, sendo capazes de interpretar informações dos mais diversos calibres, encontrar padrões complexos e, inclusive, criar.

O Ulises Design Studio cria projetos de design e arquitetura usando a inteligência artificial — Foto: Instagram / ulises.ai / Reprodução

É um fato que, com o tempo, a profissão de Arquitetura e Urbanismo foi transformada pela chegada de novas tecnologias. Enquanto antigamente os desenhos e cálculos se baseavam no papel e lápis, atualmente, existem programas, como o Building Information Modeling (BIM), que permitem centralizar várias áreas do projeto em um só lugar e até o AutoCAD, que facilita o desenho técnico em dimensões.

Por isso, vale ressaltar que a mudança na profissão através do desenvolvimento das máquinas não é nova, e deve continuar acontecendo com a chegada de novos modelos de inteligência artificial e até do que chegará após isso. Ainda assim, para cessar uma das maiores inquietações dos usuários, Glauco garante: até hoje, não nasceu nenhuma IA que pudesse competir com a inteligência humana.

Portanto, até então, a preocupação é muito mais sobre quem usa e como estas tecnologias estão sendo inseridas no fluxo de trabalho.

Um exemplo são as ferramentas geradoras de imagens, onde, se cadastradas sob um banco de dados muito generalizado, podem gerar um produto para um arquiteto e até mesmo um designer com “assinaturas” de outros profissionais, visto que a máquina não tem potencial criativo para criar algo completamente novo. “Estas tecnologias não foram feitas para te dizer a verdade, ele te dá um formato semelhante a que um humano faria, mas não dá a palavra final”, conclui Glauco.

Como a IA pode ajudar o dia a dia do arquiteto?

A inteligência artificial deve ser usada como uma ferramenta de apoio e não como produtora do resultado final — Foto: Evgeniy Surzhan / Unsplash / CreativeCommons

A arquiteta Denise Moraes, diretora de criação e conceito da AKMX Arquitetura e Engenharia, explica que, além do apoio criativo, a inteligência artificial pode ser aplicada durante a fase mais analítica do trabalho. A exemplo, ela cita a sintetização de dados de população, perfil, fluxo de pessoas e horários de maior concentração em um projeto urbanístico, como sendo mais simples e direta se extraídas de um banco de dados e interpretadas com o auxílio de uma IA.

“Em escala menor, pense em quanto tempo um arquiteto dispensa para avaliar as diretrizes urbanísticas de um determinado imóvel, acessando mapas e códigos de obras, legislações e normas. Todas essas ‘premissas’ podem ser aplicadas diretamente através da inteligência artificial, poupando horas e horas de trabalho e reduzindo os erros de interpretação”,

diz Denise.

Ao seguir o pensamento de Glauco, Denise também concorda que a arquitetura vem antes das tecnologias, e não existe máquina capaz de substituir o trabalho de um arquiteto ou mesmo de um engenheiro.

“A arquitetura não se dá no software, no hardware ou na máquina. Mas, sim, na cabeça do arquiteto. Cad, Revit, BIM, IA e qualquer outra novidade que, infalivelmente, chegará até nós, são ferramentas”, complementa.

Por outro lado, ela confirma a agitação em ocasiões que o arquiteto – ou o profissional – é tirado do papel principal, tornando os resultados fonte de “criações” da inteligência artificial. “O que de pior pode acontecer para a arquitetura desenvolvida com o uso da IA é se perder o pensamento analítico humano na condução do processo. Por exemplo, se temos um IA generativa para criar plantas de forma autônoma e esse produto é gerado diretamente pelo morador do imóvel ou leigo de arquitetura”, explica.

Quem busca experimentar as novidades, não “passa vontade”. O mercado de arquitetura já conta com programas e softwares que se baseiam em inteligência artificial para testar. Fundada em junho de 2023, a Redraw foi inspirada em modelos de outros países, como Interior AI e ReRoom AI, dos Estados Unidos, para complementar as funcionalidades de softwares mais antigos.

O programa usa inteligência artificial para gerar, personalizar e renderizar projetos de arquitetura e engenharia. Segundo o cofundador Sérgio Santos, a IA desenvolvida é capaz de renderizar, em cerca de 40 segundos, um projeto que demoraria de 6 horas a 2 dias nas mãos de um arquiteto ou engenheiro.

SpaceMaker ou Autodesk possui análises acionadas por IA que ajudam as equipes, usando preditividade, automações, redução de riscos e auxílio no corpo do processo para, segundo a descrição do produto, surgir com resultados mais rápidos e satisfatórios.

Há regulamentação no Brasil?

Imagem gerada por IA mostra como seria o Masp com projeto do paisagista Burle Marx — Foto: Instagram / @collection.arq / Reprodução

Assim como em outros países, o Brasil ainda está dando os primeiros passos para entender os prós e contras do uso de inteligência artificial dentro e fora do âmbito profissional. Entretanto, em 15 de dezembro, senadores aprovaram a criação de uma comissão temporária interna para examinar projetos sobre inteligência artificial, entre eles, o PL 21/2020.

Patricia Peck e Ana Piergalini, advogadas especialistas em Direito Digital e Inteligência Artificial do Peck Advogados, analisaram a projeto de lei a pedido de Casa e Jardim, destacando pontos importantes e considerações.

“O PL 21/20 conta com apenas 16 artigos e é mais principiológico, sendo elaborado com base nos princípios para o desenvolvimento de inteligência artificial, estabelecidos no documento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que recomenda que os aderentes promovam e implementem os ‘princípios éticos para a administração responsável de IA'”.

Veja alguns pontos comentados pelas advogadas:

  • O PL traz como diretriz a premissa de intervenção mínima necessária e regulação setorial. Entre os direitos das partes interessadas na inteligência artificial, seja na esfera privada, seja na pública, destaca-se o acesso a informações claras a respeito dos critérios e dos procedimentos usados pelo sistema de inteligência artificial e que afetem adversamente o usuário;
  • Já as obrigações impostas aos agentes de desenvolvimento de IA (aqueles que participam das fases de planejamento e design, coleta e processamento de dados e construção de modelo), impõe-se, entre outros, o dever de fornecer informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados pela IA, bem como responder, na forma da lei, pelas decisões tomadas pelo sistema.

Já o PL 2.338/23, também contemplado na comissão temporária interna do Senado, tem influência do modelo proposto na União Europeia, como explicam as advogadas em documento:

  • Tem como fundamento a centralidade da pessoa humana e foi estruturado para buscar o balanceamento entre o desenvolvimento da tecnologia e os direitos individuais;
  • Veda a implementação de sistemas que possam ser prejudiciais à saúde e segurança dos usuários ou que explore a vulnerabilidade de determinados grupos de pessoas. Também imputa algumas obrigações legais aos sistemas classificados como de risco alto, como a realização de avaliação de impacto algorítmico e a adoção de medidas de governança.

No caso da Arquitetura, o PL 2.338/23 contempla estas hipóteses de “altos riscos”, como o de caso envolver projeto de infraestrutura crítica (inc I), ou se tiver uso de sistemas biométricos de autenticação (inc X), como pontuam as advogadas.

“Os artigos 9º a 11 do PL 2338/2023 listam as hipóteses em que serão assegurados aos usuários o direito de contestar decisões e solicitar intervenção humana. Pensemos na hipótese de uma recomendação de planta baixa a um cliente, baseado no seu perfil e preferências. É certo que a IA pode ter muitos vieses, incorporados nos seus dados de treinamento e dos perfis dos desenvolvedores. No caso das recomendações ou previsões da IA estarem amparadas em inferências discriminatórias, irrazoáveis ou mesmo baseadas em métodos imprecisos ou estatisticamente não confiáveis, o usuário poderia solicitar a revisão das decisões, especialmente se essas decisões tiverem um potencial de produzir efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa seus interesses”.

O projeto de sofá realizado com o auxílio da IA pretende mudar o design tradicional, que consome muita energia para ser transportado — Foto: Seth Nicolas / Divulgação

Finalizando, elas ainda citam um problema muito comum abordado nas recentes discussões do uso de inteligências artificiais: o plágio: “A nossa lei de direito autoral, no artigo 7º, determina que ‘são obras intelectuais protegidas as criações do espírito’ e complementa no artigo 11, que ‘Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica’. Assim, se uma obra arquitetônica for construída a partir de um projeto criado exclusivamente pela IA, o risco atual, se não houver uma mudança na legislação, é que não terá proteção autoral”.

Portanto, em caso de uso indevido da IA para a criação de um projeto e a contestação por parte do cliente ou detentor dos direitos autorais, o arquiteto que manipulou a ferramenta teria que demonstrar que houve criação humana com uso (suporte) da IA, onde a tecnologia foi usada como ferramenta e não como criadora exclusiva.

O último ponto acerca das IAs generativas, de imagem, por exemplo, é que mesmo que seja permitido o seu uso por um autor cadastrado na base de dados da máquina, pedir autorização para todos os milhões de outros (no caso dos grandes players, como o ChatGPT) é completamente inviável, mas já estão sendo debatidas soluções.

“Um sistema de gestão coletiva de direitos, que remunere esses autores, tal como ocorre do com as obras musicais nas plataformas de streaming, é um exemplo. Com esse modelo, acreditamos que seria possível avançar nas novas ferramentas, possibilitando a expansão de muitas aplicações que contribuem nas atividades do arquiteto e, ao mesmo tempo, compatibilizando os direitos dos autores das obras usadas”, concluem.

Fonte: Revista Casa e Jardim

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