sábado,11 maio, 2024

Segregação, cibersegurança e grau de intervenção: os dilemas da regulação das criptomoedas no Brasil

Em diferentes momentos nos últimos 18 meses, o cenário das criptomoedas parecia obscuro no Brasil e no mundo. Episódios como a quebra da FTX, que teve seu fundador preso por fraude, e a CPI das Pirâmides Financeiras por aqui, que foi motivada por diversas suspeitas de crimes envolvendo criptoativos, levaram a uma onda de desconfiança com relação a eles, dada a insegurança jurídica que envolve os investimentos e a queda nos valores das criptomoedas que tais episódios causaram.

Agora, o cenário é outro. Não só as principais criptos se recuperaram internacionalmente, mas o Brasil está caminhando para receber sua própria regulação do mercado de criptomoedas. A decisão deve conter medidas para garantir que o Brasil tenha a segurança necessária para exchanges e investidores que atuam com criptomoedas, segundo as autoridades.

O Banco Central é o responsável pela tarefa, e já começou a encaminhá-la com a consulta pública que aconteceu entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, recebendo mais de 200 contribuições de diversas empresas e associações financeiras e de criptoativos. E o processo gerou otimismo entre quem atua no setor.

“A regulação do setor é positiva porque traz uma segurança jurídica, expõe os pontos mais sensíveis e protege o investidor. O jogo se torna mais competitivo, seguro. E segurança jurídica é fundamental tanto para que o brasileiro tenha mais segurança em fazer seus investimentos com criptoativos, como para que o investidor institucional possa investir mais nos setores e nas empresas”, defende Bernardo Srur, presidente da Associação Brasileira de Criptomoedas (ABCripto).

Converter esse otimismo em satisfação quando a regulamentação do BC estiver posta, no entanto, depende de que alguns pontos, considerados sensíveis pelos atores do mercado, sejam abordados.

A minuta do BC sobre a regulamentação das criptomoedas é esperada para entre abril e maio. A autarquia foi procurada para comentar o processo, mas não concedeu entrevista.

Segregação patrimonial: pelo BC ou projeto de lei

A regulação dos ativos virtuais no Brasil foi iniciada com o Marco Legal das Criptomoedas, ainda em dezembro de 2022, que conceituou esses ativos virtuais e delineou diretrizes para a prestação de serviços que os envolvam. Em junho do ano passado, um decreto do governo federal definiu que o Banco Central seria responsável por regular a atuação dessas prestadoras de serviço – as exchanges de criptos, que ficaram conhecidas como Prestadoras de Serviços com Ativos Virtuais, ou VASPs, sigla que vem dessa mesma expressão na língua inglesa.

No entanto, o que é considerado o ponto mais sensível dessa regulação deverá ser encaminhado de outra forma: a segregação patrimonial, que prevê a separação, na corretora de criptomoedas, entre o dinheiro do investidor e o caixa da própria empresa, garantindo, assim, a integridade dos valores de quem investe. A não observância desse princípio foi o que prejudicou milhões de pessoas na quebra da FTX, em 2022.

“É uma regra para dar minimamente segurança às operações. No Japão já havia essa regra, e quando a FTX quebrou, os investidores de lá receberam seu dinheiro”, lembra André Franco, head de Research do Mercado Bitcoin.

O BC incluiu na consulta pública perguntas relativas a este tema. Mas ele também vem sendo abordado por projeto de lei (PL) no Congresso Nacional – que ganhou caráter de urgência no início de março. O PL 4932/2023 foi originado após a CPI das Pirâmides Financeiras e, com o novo status, poderá ser votado diretamente no plenário das duas casas legislativas, sem passar pelas comissões específicas.

Empresas afetadas pela regulamentação e juristas apontam que o caminho legislativo é preferível para dar maior importância à segregação patrimonial. “Há um debate sobre o quão efetiva é uma segregação baseada em regulação e em lei. E entende-se que a abordagem mais garantida, juridicamente falando, é pela lei, assim como ocorreu com as instituições de pagamento”, aponta Bernardo Srur, citando outro ramo de negócios que já trabalha com tal norma.

“Acho muito positivo isso [a segregação patrimonial] ser tratado pelo PL. Como o assunto não foi abordado especificamente pelo Marco Legal, essa inclusão de pontos novos deve vir pelo caminho legislativo. Incluir essa camada tende a prover maior clareza sobre essa obrigação, e auxilia o Banco Central em sua regulamentação”, aponta Florence Terada, advogada e gestora da área de Inovação em Serviços Financeiros do escritório Opice Blum Advogados.

Governança, cibersegurança e o debate sobre interferência excessiva

Outros temas considerados mais sensíveis nessa regulamentação são a governança – regras para garantir a segurança das operações das exchanges, sobretudo com relação à custódia dos ativos dos investidores – e a cibersegurança. Debate-se, inclusive, se a segunda faz parte da primeira, ou se o aspecto cibernético deve ser tratado de forma mais específica, dado o caráter 100% digital das operações com criptomoedas.

Nesse ponto, apontam os especialistas, a questão mais sensível é qual deve ser o grau de interferência do BC – deve-se apenas exigir que as empresas cuidem da segurança dos ativos e informações, deixando a elas a liberdade de decidir como fazer isso, ou definir as formas específicas de se garantir tal segurança?

Governança, cibersegurança e o debate sobre interferência excessiva

Outros temas considerados mais sensíveis nessa regulamentação são a governança – regras para garantir a segurança das operações das exchanges, sobretudo com relação à custódia dos ativos dos investidores – e a cibersegurança. Debate-se, inclusive, se a segunda faz parte da primeira, ou se o aspecto cibernético deve ser tratado de forma mais específica, dado o caráter 100% digital das operações com criptomoedas.

Nesse ponto, apontam os especialistas, a questão mais sensível é qual deve ser o grau de interferência do BC – deve-se apenas exigir que as empresas cuidem da segurança dos ativos e informações, deixando a elas a liberdade de decidir como fazer isso, ou definir as formas específicas de se garantir tal segurança?

“Nossa sugestão foi de que se deve fazer como já se faz em relação à lavagem de dinheiro: peça para que a empresa tenha políticas, estabeleça os critérios de elegibilidade, e exija que sejam cumpridos. Mas não diga que ativo eu posso listar, porque aí se cria uma barreira em que tudo depende da avaliação do regulador”, aponta o presidente da ABCripto. “E, sobre a cibersegurança, consideramos também um tema de governança, e que o BC já aborda de forma aprofundada. Não precisa ter uma regra específica”, complementa.

Outra preocupação da entidade é que os diferentes atores no ecossistema cripto sejam tratados conforme suas atividades, que são diversas, e não com uma mesma regra que valha para todos. “Nem todas empresas são iguais. Tem exchanges, custodiantes, tokenizadores, etc. É um sistema plural, e cada ator deve ser tratado de forma diferente. É importante saber quais são os perímetros que a empresa deve ter para sua sustentação, mas deixe a empresa ter seus próprios processos e forma de trabalho”, sugere Srur.

Em seu mapeamento da criptoeconomia no Brasil em 2023, a ABCripto identificou que 79% das empresas que atuam no país realizam serviços de intermediação, como negociação e distribuição de criptoativos; 62%, de infraestrutura, como custódia dos ativos; 30% atuam com emissão (tokenizadoras); e 43% fazem também outros serviços, como empréstimos, seguros ou informação sobre criptomoedas.

A maior parte (73%) das empresas fatura menos de R$ 10 milhões ao ano, o que ilustra a preocupação da entidade em garantir regras adaptáveis ao porte de cada companhia, para que a nova regulação não as tire do mercado. Somente 32% das empresas do setor já possuem algum tipo de licença de reguladores, por também atuarem em atividades já reguladas, como instituições de pagamento, gestora de investimentos ou crowdfunding.

Para a advogada Florence Terada, o grau de exigência deve ser alto, ao menos em relação à cibersegurança. “Eu concordo que sugerir tecnologia específica é ruim. Mas os macro tópicos precisam ser abordados. Como diretrizes que devem constar para assegurar a confiança das operações e a disponibilidade dos sistemas críticos usados. E precisa existir um modelo de plano de resposta a incidente, critérios mínimos para ver como a organização vai responder se houver uma falha. Isso é importantíssimo, pois a gente vê que, quando não existe a cultura da prevenção e as organizações atuam por conta própria, ela fica desnorteada quando acontece algo”, explica.

Espera-se, também, que seja estabelecido um período razoável – a ABCripto sugere 18 a 36 meses, a depender do porte e segmento da empresa – para as empresas levantarem recursos e se adaptarem às novas regras, uma vez que elas existam.

Regulação aumenta legitimidade do setor

Ainda que alguns pontos da regulação gerem ansiedade nas empresas do setor, é consenso entre elas que esse processo deve trazer mais segurança e confiabilidade para os investimentos em criptomoedas. E que o Banco Central é o ator certo para cuidar da criação desse arcabouço de regras.

“Eu elogio sempre nosso regulador porque ele não ganha nada em fazer uma regulação boa. Não recebe vantagens por isso. E ter o BC, que junto com a CVM se preocupa em abrir o mercado de capitais de forma responsável, cuidando disso é muito interessante”, diz André Franco.

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