domingo,17 novembro, 2024

Ecossistemas de startups do país se unem para denunciar assédio contra empreendedores e empreendedoras 

“Em um determinado momento, atender o telefone se tornou um gatilho para crises de ansiedade, aguardando os gritos que poderiam vir por pequenos erros ou simplesmente pelo que era chamado: maneira de falar! Esse tratamento ocorreu em diversas ocasiões perto de outras pessoas, que tentaram me alertar que era uma postura abusiva”. Este é um dos diversos relatos de abusos ouvidos pela redação do STARTUPI nos últimos dias e que envolvem conhecidos nomes do ecossistema de inovação do país. Este depoimento se refere a um personagem influente no ecossistema e faz coro às dezenas denúncias de assédio moral e sexual que vieram à tona na última semana pelas comunidades do país. 

Na última quinta-feira, membros do ecossistema de inovação criaram e assinaram uma carta intitulada “Todos contra o assédio no ecossistema de empreendedorismo e inovação do Brasil!”, direcionada à Associação Brasileira de Startups. O documento – que até o momento foi assinado por mais de 1.000 pessoas – pede que a Abstartups crie um comitê “independente, isonômico, amplo e transparente” para acolher denúncias e investigar possíveis casos de assédio no ecossistema, além de garantir confidenciabilidade aos relatos e apoio às vítimas. 

Um dos idealizadores da carta aberta foi Vinny Machado, que atua no cenário de startups do Brasil há dez anos, e já presenciou ou ouviu relatos de casos como este. “Depois de receber várias denúncias e saber vários casos de assédio que ficam impunes no nosso ecossistema, por que as vítimas têm medo dos assediadores famosos que ocupam os palcos e posições de poder no país, decidi pedir ajuda de mais pessoas e provocar um debate maior”, comenta. “No meio das startups, as vítimas não denunciam porque as pessoas assediadoras têm poder de acabar com as carreiras delas. Ainda mais porque geralmente quem é assediado tem menos poder político ou fama.” 

Este, infelizmente, não é um problema exclusivo do ecossistema de startups. Em 2021, a Justiça do Trabalho registrou mais de 52 mil casos de assédio moral no Brasil. “Este não é um assunto que é amplamente discutido por nós, vítimas, muitas vezes por medo de retaliação. E é muito difícil a gente ver em cima de palcos importantes do mercado pessoas que a gente sabe que são assediadores. A gente quer falar sobre o assunto, mas, antes disso, precisamos ter certeza de que será um ambiente seguro e acolhedor para quem denuncia”, diz outra fonte. 

Um levantamento de 2021 produzido Mindsight afirma que mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual do que homens em ambiente corporativo, mas 97% das vítimas sequer denunciam o crime. Entre as mulheres ouvidas pela redação, foram comuns relatos de assédio sexual envolvendo executivos de grandes empresas ou mentores renomados. “Há algum tempo, entrei em contato com um executivo de uma grande corporação a respeito de uma vaga. Eu nunca tive nenhum tipo de contato que não fosse estritamente profissional com ele, e ele me enviou mensagens que me deixaram muito desconfortável, dando a entender que eu deveria fazer um ‘teste do sofá’ com ele”, comenta uma terceira vítima. 

O que fazer em um caso de assédio? 

A advogada Paula Figueiredo, fundadora da Figueiredo.law e especialista em direito empresarial, conta que com frequência é procurada para ouvir relatos e oferecer aconselhamento sobre estes casos. Sob o ponto de vista jurídico, Paula comenta que em casos de assédio, mesmo que não tenham provas, as vítimas ainda podem abrir um Boletim de Ocorrência. “No entanto, importante considerar que o Boletim de Ocorrência é uma prova unilateral, e pode não ser suficiente para que seja instaurada uma investigação policial do caso. Embora o nosso sistema jurídico preveja que, para determinados crimes, somente é possível que as autoridades públicas tomem conhecimento a partir do relato da vítima, a falta de provas pode sim significar ineficácia da medida”, diz.  

Mas vale lembrar que, ainda assim, isso não exclui a denúncia dentro da empresa em que a pessoa trabalha, haja ou não ouvidoria interna. “Além disso, já existem aplicativos pensados para ajudar as pessoas que estão sofrendo algum tipo de abuso a colher provas, como por exemplo o Bird Box, que surgiu no Global Legal Hackathon de 2022”, comenta. 

Sobre as consequências para uma denúncia, Paula também comenta: “se o assédio tiver ocorrido no ambiente de trabalho, a empresa está sujeita a reparar a vítima em danos morais. Além disso, o acusado, após apuração policial, poderá ser responsabilizado tanto na esfera penal quanto na esfera cível. Existem ainda as punições que a pessoa assediadora pode sofrer em relação aos sistemas internos da empresa em que trabalham e, mesmo naquelas que não possuam compliance, podem inclusive resultar na demissão da pessoa assediadora.” 

Para a vítima que denuncia um caso, a advogada alerta para a importância de acompanhamento profissional para tratar o ocorrido. “Existem inciativas tanto públicas quanto privadas para prestar apoio. Quanto mais as pessoas souberem que a luta de uma vítima é a luta de todas as pessoas contra o assédio, quanto mais expuserem esse tipo de conduta, mais consequências acontecerão com os abusadores e teremos mais força na luta contra o assédio”, completa. 

O que diz a Abstartups 

Em nota, a Abstartups afirma que “recebe com respeito e bastante acolhimento a petição contra o assédio no ecossistema de empreendedorismo e inovação do Brasil” e reafirma que todo tipo de assédio é “prática execrável e inaceitável”. 

A Associação anunciou ainda uma série de medidas para apoiar o combate ao assédio. São elas: 

– Criação de um grupo de trabalho com empresas associadas e profissionais voluntários, para desenvolvimento de um guia de boas práticas de prevenção e combate ao assédio no ambiente de startups; 

– Realização de eventos e campanhas nas redes sociais de conscientização sobre o tema, como forma de promoção de boas práticas no ecossistema e lançamento do guia; 

– Criação de boas práticas específicas para eventos promovidos exclusivamente pela Associação, com orientações sobre como agir nesses casos; 

– Inclusão deste guia como dever associativo para empresas ingressantes no quadro de associados e parceiros da Abstartups; e 

– Parceria com empresas que possam fornecer de maneira mais acessível tratamento adequado para acolher vítimas de assédio que nos procurarem para esse tipo de ajuda, através de profissionais especializados em saúde mental e psicologia. 

Por: Marystela Barbosa

Redação
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