quinta-feira,09 maio, 2024

“A Inteligência Artificial vai interferir em todas as profissões”

Um cenário em que máquinas respondem por comando de voz e onde é possível construir uma personalidade do zero com emoções e comportamentos semelhantes a de um ser humano ou até com características de pessoas que já morreram. Engana-se quem acha que esse será o futuro. A Inteligência Artificial (IA) permite que este cenário aconteça agora mesmo.

Entretanto, apesar do possível temor suscitado pelo surgimento da ferramenta, de acordo com o especialista no tema, Mateus Couto, se há estudo e compreensão da máquina, é possível dominá-la. “O intelecto é o grande ativo de uma nação”, ressalta Mateus. Baiano, o especialista é diretor técnico da Solvum, empresa de desenvolvimento de soluções tecnológicas. É também investidor multiprofissional nas áreas de negócio e tecnologia e conselheiro sobre inovações do Parque Tecnológico da Bahia.

No próximo mês, Mateus representará a Solvum em uma categoria de inovação e tecnologia de um prêmio promovido pelo governo da França. O especialista participou da criação e avaliação de projetos públicos com Inteligência Artificial no país europeu. Nesta entrevista ele fala sobre o potencial de crescimento da tecnologia no país, as questões legais do uso de Inteligência Artificial o temor à ferramenta digital.

O que é a Inteligência Artificial?

Em nível estrutural, a IA é uma inteligência gerada pela máquina. Na prática, é como se eu lhe passasse uma instrução e você me desse algumas informações sobre o que você deseja. A partir disso, obtenho uma resposta completamente direta sobre a pergunta feita. Existem vários tipos de Inteligência Artificial. Você pode solicitar não só informações, como no exemplo que eu dei, mas também imagens, vídeos, insights… A gente trabalha com o que a gente chama de aprendizagem de máquina. É possível pedir geração de imagem, texto, dublagem, cognição de áudio, transcrição… Esse aprendizado de máquina funciona por diversas camadas, as chamadas redes neurais: um aglomerado de informações muito grande e atualizado em tempo real. Imagine usar a base de dados da internet inteira para fazer uma consulta, é isso.

Como é que se dá o processo de criação de desenho, vídeo, música ou texto pela IA?

Essa construção é baseada em camadas e mais camadas de dados. No meio da tecnologia, temos conversado muito sobre a engenharia de ‘prompt’, ou seja, sobre o comando que você faz à IA. Pode ser a construção de um vídeo, por exemplo. Digamos que eu deseje um vídeo de 30 segundos, da categoria humor e que use elementos de Salvador para trazer um pouco da história do Farol da Barra. A Inteligência Artificial irá entender o que são esses elementos e, a partir dessa grande base de dados, me trará uma resposta. Existem outros modelos de IA, como o Cloud, o OpenAI e o GPT. Mas, esses trabalham com uma base menor de dados, o que também pode ser bom, caso o interesse seja fazer construções mais específicas e com alta precisão de curadoria de informação.

Recentemente, o artista americano Jason M Allen ganhou um prêmio de arte com uma obra criada através de um sistema de Inteligência Artificial. Na ocasião, ele disse que os humanos perderam e que a arte está morta. Você acredita que a IA, realmente, pode criar arte?

É importante que a gente discuta sobre autoralidade. Vamos partir do princípio de que a pessoa que escreve o ‘prompt’, ou seja, que dá o comando, é a autora daquela arte. É ela quem tem o pincel. A máquina não tem a capacidade de gerar a arte, mas nós temos o comando. Tem um caso antigo de um macaco que pegou uma câmera de um fotógrafo e tirou um autorretrato. Essa foto pertence a quem? Pertence ao dono da câmera? Pertence ao macaco? À fabricante da câmera? Quando a gente fala de autoralidade, ainda existem muitas questões em torno da Inteligência Artificial. Eu tenho a linha de que o autor é quem deu o comando. Mas, existe uma série de bases de dados que são usadas para gerar aquela imagem que não são do dono do ‘prompt’. Teríamos uma autoralidade parcial? É algo que não tem definição jurídica, é um campo muito novo no Brasil e no mundo.

Recentemente, houve uma polêmica envolvendo o uso de imagem da cantora Elis Regina, morta em 1982, em um comercial de TV. Como fica a questão ética no uso dessa ferramenta num caso como esse, por exemplo?

Sim, é realmente uma discussão complexa. Dia desses, eu vi um vídeo de Silvio Santos cantando rock. Toda hora aparece um uso criativo da imagem e do som. Como seria possível classificar essa autoralidade? Porque se sabe que aquela personalidade que está aparecendo tem sua autoralidade, mas, ao mesmo tempo, ela contribui com uma base de dados gigantesca, que é a internet. Existem imagens, vídeos, músicas de Silvio Santos, por exemplo, em toda a internet. Fica fácil clonar digitalmente aquela figura, copiar os movimentos faciais e corporais e a voz e trazê-lo num contexto que independe da vontade dele. A Inteligência Artificial permite até, por exemplo, reviver artistas já mortos. Com base em hologramas, é possível fazer um show inédito de Elis Regina. Mas, quem detém esses direitos? Porque, por mais que seja uma figura muito parecida com ela, não é ela, é uma simulação ciberfísica. É uma discussão grande. Por enquanto, não existe nada formalizado na produção de Inteligência Artificial e autoralidade. Isso ainda vai passar por muita reforma.

Um ponto importante em discussão em relação ao uso de IA é como a ferramenta vai impactar nas profissões, algumas vezes até tirando postos de trabalho. Essa substituição é um risco?

Existem ciclos dentro da História e é importante olhar para esses recortes e ver como eles se repetem. Na primeira Revolução Industrial, houve um grande desespero em relação ao desemprego. E, claro, é compreensível porque aquele impacto foi muito forte. Houve pessoas que se adiantaram, quiseram entender como aquilo funcionava e já estavam com seus postos de trabalho garantidos. O intelecto é o grande ativo de uma nação. Se você estuda, compreende a máquina, entende o que ela pode fazer, consegue trabalhar com a Inteligência Artificial, é possível dominar aquela ferramenta e não ficar refém dela. Mas, para isso, é preciso capacitação. Eu trabalho com tecnologia há 14 anos e cada vez mais eu percebo que ela é meio, não é fim. Nos longos ciclos humanos, a gente ganhou produtividade com a tecnologia. Estamos na época mais abundante de informação da humanidade, mas, minha dúvida é se estamos usando isso a nosso favor. E mais: é preciso ver formas de acesso a esse conteúdo de maneira didática, permitir acesso à educação.

Então, para um jovem, por exemplo, nunca foi tão importante o momento da escolha profissional…

Sem dúvidas. Eu vejo muita resistência da academia em aceitar o uso da tecnologia. Se você olhar para os países nórdicos e a América do Norte, há uma larga escala de aceitabilidade da IA na academia. A ideia não é ficar dependente dela, é saber controlá-la. O conceito é a base de tudo, depois vamos para as aplicações práticas, para como ela pode ser aplicada em cada segmento. A IA vai interferir em todas as profissões no futuro. Claro que algo mais manual, como um artesanato, por exemplo, até pode ser substituído por um robô, mas ali há também a criatividade do artesão, que um robô não daria conta, a priori. Quanto mais precisa é a atividade do artesão, mais difícil é a máquina substituir. No entanto, o artesão precisa saber como gerar conteúdo, como cuidar do financeiro, como estruturar a carreira, e isso a Inteligência Artificial pode ajudar.

Quais são as profissões que sentirão mais impacto da Inteligência Artificial?

Aquelas que fazem entradas manuais de dados, como atendentes que fazem cadastros, por exemplo. Quanto mais lógica e matemática for a operação, mais fácil é a IA assumir. Mas, também há uma tendência de mercado. Vão ter, sim, perguntadores de máquina, construtores de conteúdo pela máquina, que serão requeridos. Pessoas que saibam perguntar à máquina serão fundamentais, em breve.

Autor: Pedro Hijo

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