A Lei Geral de Proteção de Dados surgiu com o objetivo de resguardar a privacidade e a segurança das informações no Brasil. Na administração pública, o discurso oficial afirma que proteger os dados do cidadão constitui prioridade, mas existe uma contradição silenciosa. Enquanto o servidor público deve zelar pelos dados dos outros, seus próprios dados pessoais recebem um tratamento negligente, como se tivessem menor importância.
A LGPD transcende uma norma técnica e representa um instrumento de dignidade. Mesmo após anos de dedicação ao Estado, muitos servidores observam que suas informações circulam em planilhas compartilhadas, sistemas desprotegidos ou até em pastas físicas abandonadas em corredores. Imagine um funcionário de uma pequena prefeitura que descobre seu número de telefone e endereço divulgados em grupos de WhatsApp ou sites de busca como Google; esse tipo de situação não surpreende.
O servidor é cobrado a seguir protocolos rígidos de sigilo (principalmente em processos judiciais ou fiscais), mas não recebe informações claras sobre como seus dados são armazenados, compartilhados ou protegidos. A mensagem implícita é de que suas informações não têm relevância.
Essa postura institucional gera uma sensação de invisibilidade, uma vez que a proteção de dados é encarada como uma obrigação burocrática e não como um direito. Muitos servidores, sem receber capacitação sobre a LGPD, desconhecem o direito de saber quem acessa suas informações ou como contestar usos indevidos.
A infraestrutura tecnológica deficiente agrava o problema. Sistemas ultrapassados, ausência de criptografia e o uso de senhas compartilhadas tornam a segurança uma ilusão, enquanto se exige produtividade em um ambiente desprovido de ferramentas básicas de proteção. Diante dessa realidade, a percepção de negligência em relação aos próprios dados desperta desconfiança. Surge a indagação: “Por que me empenhar na proteção dos demais se minha própria instituição não se preocupa em me proteger?”
A consequência é a desmotivação, pois servidores tratados como “apenas mais um número” tendem a se desengajar, afetando sua produtividade e comprometimento. Trata-se de um ciclo vicioso em que a falta de cuidado com os dados corrói a confiança, o que, por sua vez, compromete a eficiência do serviço público.
A transformação depende de ações concretas. A capacitação deve ocorrer por meio de treinamentos que esclarecem não apenas as obrigações, mas, sobretudo, os direitos do servidor. A transparência precisa se manifestar em políticas que definam com clareza os critérios para coleta, uso e compartilhamento dos dados, garantindo acesso facilitado às informações. A modernização exige investimento em sistemas seguros, com a adoção de plataformas que ofereçam autenticação em dois fatores e a realização de auditorias periódicas de segurança. A implementação de canais de denúncia cria mecanismos que permitem reportar vazamentos, oferecer respostas rápidas e promover a reparação de danos.
Proteger os dados do servidor público não é apenas cumprir a lei, mas reconhecer seu valor humano e profissional. A plena efetividade da LGPD se concretizará quando todos, inclusive os responsáveis pela operação da máquina estatal, se sentirem protegidos. Enquanto isso não ocorrer, a proteção de dados no setor público permanecerá como uma promessa vazia. Cuidar de quem cuida da administração representa o primeiro passo para uma gestão verdadeiramente eficiente e humana.