Cultivando o pensamento crítico em tempos de transformação tecnológica 

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Num momento em que presenciamos dúvidas e incertezas sobre o avanço da inteligência artificial (IA), especialmente pela repercussão do ChatGPT, ouso aqui tecer minha opinião sobre o tema num contexto menos tecnológico e mais reflexivo. A tecnologia é uma evidência irrecusável da capacidade humana, que já demonstrou ser dotada de imenso poder intelectual e que trouxe melhores condições de vida e conforto para todos. O que nos resta agora? 

A vida demonstra que está em permanente transformação e aprimoramento. As espécies animais, vegetais, a forma do nosso planeta; tudo reflete movimento e mudanças. O mundo está em aprimoramento contínuo, e devemos nos esforçar para entender as leis que o regem e nos aprimorarmos também. As sociedades gradualmente vão aperfeiçoando seus códigos e valores. 

Valores esses pautados em emoção e razão. A primeira nos ajuda a agir pelo impulso do bem-estar e aflora sem que sejamos racionais. A segunda ajuda a pensar no amanhã e nas consequências de uma decisão. A razão seria infalível se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo, as chagas do mundo. Então, retornamos à emoção nessa equação, buscando o equilíbrio entre esses elementos e suas reações que possibilitam a vida no planeta, estabelecida numa relação de grande reciprocidade e interdependência. 

Em nosso subconsciente, há temores pelos sofrimentos anteriores de subjugação e tiranias de indivíduos e povos sobre outros. Uma nova espécie artificial, muitas vezes baseada em visões sombrias e distópicas da ficção futurista, gera incertezas e dialoga muitas vezes com a costumeira acomodação, que nos dá a falsa sensação de segurança e que, na realidade, são âncoras da lei do progresso.  

Comumente, as pessoas não renunciam à acomodação que uma situação previsível lhes oferece. A segurança do que já se sabe é mais cômoda do que aventurar-se a investigar novos caminhos. Assim, muitos não renunciam a conceitos e preconceitos para não se expor às novas ideias e raciocínios que exigem uma certa dose de ousadia, ficando suscetíveis ao bombardeio de ideias já elaboradas pelos outros, nem sempre bem-intencionados. 

É preciso construir seu estilo de vida, moldar a personalidade pelo discernimento, mesmo que copiar modos e costumes seja mais enganosamente conveniente. Assim, muitos daqueles que detêm o poder promovem ideias e medos em pessoas que não se arvoram a pensar com liberdade. O conhecimento proporciona liberdade. E a liberdade permite ao ser humano criar asas, bater e se levar. 

Eis a necessidade do pensamento crítico.  

Neste sentido, deduz-se que toda banda larga é inútil se a mente for estreita. E toda inteligência artificial é inútil se o comportamento não for genuíno. Conhecimento e sentimento, unindo-se, harmonizam-se na sabedoria, que é a conquista superior que o ser humano deverá alcançar. Nos tempos de desenvolvimento tecnológico incessante e revolucionário, da velocidade da informação e conectividade em tempo real com o mundo todo, é necessário pensar. 

A mente estreita é esta que se perde em meio a tantas possibilidades, sem saber para onde ir. Naufraga, ao invés de navegar na internet. A tecnologia está à nossa disposição para nos ajudar. É o conhecimento intelectual apoiando o progresso moral, propiciando o adiantamento do ser humano. 

O progresso é uma lei natural, e estamos a ele submetidos. Não podemos impedir sua marcha, sob pena de sermos triturados por suas engrenagens que não podemos deter. Hoje, como o progresso está presente em quase todas as áreas do conhecimento humano, podemos perceber claramente que as invenções e avanços tecnológicos não são problemas em si mesmos, por serem imparciais. O problema é ético, porque os seres que fazem uso da tecnologia não estão moralmente aptos a utilizá-la com bom senso e discernimento. 

Os avanços conquistados com o progresso são neutros; tanto servem para salvar vidas quanto para prejudicá-las, dependendo da moralidade de quem os utilize. Enquanto pessoas de bom senso utilizam meios digitais para encurtar distâncias na troca de informações úteis, visando o bem geral, outros fazem uso desse meio para difundir as misérias que guardam na própria alma. 

O desenvolvimento da tecnologia, como a IA, portanto, pode ser visto como um reflexo do potencial criativo humano. Entretanto, é possível refletir sobre como a IA pode ser desenvolvida para contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, respeitando a dignidade e os direitos humanos. 

A IA não deveria ser vista como uma substituição para a inteligência humana, mas sim como uma ferramenta que pode ajudar a amplificar nossas habilidades e capacidades. A verdadeira inteligência reside na compreensão e na moralidade, e essas são qualidades exclusivas da humanidade, na sua habilidade de realizar juízo de valor, baseado em seu código moral. Inteligência é uma faculdade própria de cada ser e constitui sua individualidade. 

A inteligência se revela por atos voluntários, refletidos, premeditados, combinados, segundo a oportunidade das circunstâncias. Crenças, experimentos e questões culturais são fatores complexos e interconectados. Incontestavelmente, a verdadeira inteligência é um atributo exclusivo dos princípios que regem a origem da vida e o propósito do ser humano. 

Substituição de empregos, falhas técnicas, autonomia excessiva, viés algorítmico, falta de transparência serão os principais temas nas mesas de discussões sobre os avanços da IA. São pautas justas; no entanto, são problemas históricos de ordem técnica que têm efeito direto nas questões de ordem moral. 

A ciência é incerta e mutável; renova-se sem cessar. Seus métodos, teorias e cálculos, com grandes custos arquitetados, desabam ante uma observação mais atenta ou uma indução mais profunda, para darem lugar a novas teorias, que não terão mais estabilidade. Hoje discute-se a IA, mas há um mar de possibilidades à nossa frente. 

Então, o que nos resta agora? 

Seguir a lei do progresso. Não só o progresso material e tecnológico, que está programado para a evolução básica do mundo, mas a libertação de nosso pensamento crítico, que acompanha nosso progresso moral e lapida nossa própria vida. Finalizo parafraseando o pensador Léon Denis: “Quanto mais largo o voo do pensamento para esta causa, tanto mais alto ele paira; tanto mais radiosas também são as visões, mais inebriantes as alegrias sentidas, mais poderosas as forças adquiridas, mais geniais as inspirações.” 

Sandro Brandão 

Sandro Brandão
Sandro Luís Brandão Campos, Mestre em Propriedade Intelectual e Bacharel em Ciências da Computação pela UFMT, atua como Secretário Adjunto de Planejamento e Governo Digital do Estado de MT. Ele possui várias pós-graduações em áreas como E-Business, Gestão Estratégica e Pública, além de certificações em Segurança da Informação e Gerenciamento de Serviços de TI. Com 22 anos de experiência no serviço público, é palestrante e professor, com foco em Transformação Digital e Inovação. Suas ações e pesquisas em Governo Digital renderam premiações nacionais e reconhecimentos internacionais, incluindo o Prêmio Excelência em Governo Digital da ABEP-TIC.