Últimos anos foram marcados por crescimento de startups do setor e lançamento de tecnologias
Com mais de dois dispositivos digitais por habitante — são 464 milhões de aparelhos (entre computadores, notebooks, tablets e smartphones) em uso, de acordo com um estudo do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGVcia) —, o Brasil é um mar de oportunidades para as fintechs. É o que diz Diego Pérez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs. “Essas empresas conseguem alcançar pessoas que até poucos anos atrás não tinham acesso a serviços financeiros”, afirma.
Nos últimos anos, o ecossistema evoluiu, ganhou novidades — como Pix, Open Finance, inteligência artificial e, mais recentemente, o Drex, a moeda digital brasileira — e viu seu potencial aumentar. Segundo um relatório desenvolvido por Liga Ventures e PwC, atualmente, há 808 startups de finanças ativas no Brasil — em 2019, eram 634. De 2020 a 2023, o nicho que mais ganhou empresas foi o de conta digital (9%), seguido por gestão financeira (7%), meios de pagamento (7%), criptomoedas (6%) e crédito direto (6%).
Mas como navegar esse oceano em transformação e aproveitar as possibilidades? Para empreendedores que querem criar o próprio negócio, estudar e se manter atualizado é fundamental. Já quem não sabe se deve ou não incorporar uma inovação precisa ter cautela. “Parte da rotina do empreendedor é estar de olho no mercado, antenado nas tendências, e entender para onde as coisas estão indo”, afirma Igor Senra, fundador e CEO do banco digital Cora. “Quando alguma coisa aparece, a primeira reação deve ser a curiosidade para testá-la. Depois, ver se faz sentido para o seu cliente. Se você achar que faz sentido, tem que trabalhar nisso. Se não, deixa passar.”
“Não é preciso utilizar tudo o que está disponível”, reforça Fernanda Zago, fundadora da WEpayments. Mas vai haver inovações essenciais. “Uma startup com foco em pagamento não pode deixar de adotar o Pix, por exemplo”, diz.
Senra conta que quase perdeu o primeiro trem da ferramenta de pagamentos criada pelo Banco Central, que hoje viabiliza mais de 3,54 milhões de transações ao mês. “Lançamos a Cora em outubro de 2020, um mês antes do Pix. Quase ficamos de fora porque havia muito a fazer e não tínhamos entendido o potencial da ferramenta”, afirma. O empreendedor procurou o Banco Central para entender a nova ferramenta e conversou com agentes do ecossistema sobre a movimentação do mercado. No fim, o esforço valeu, e o Pix passou a funcionar na Cora assim que o banco foi lançado.
A seguir, falamos como a chegada do Drex, a evolução do Open Finance e os avanços da inteligência artificial podem impactar o mercado das fintechs e analisamos alguns dos desafios regulatórios atuais do ecossistema.
Drex
Conhecido anteriormente como Real Digital, o Drex é a novidade do momento. As operações, no entanto, ainda estão em fase de testes. O lançamento oficial está previsto para o final de 2024. Os especialistas consultados por PEGN concordam que , por se tratar de algo ainda muito incipiente, é difícil especificar quais serão as aplicações.
Eduardo Diniz, professor da Fundação Getulio Vargas, especula que as maiores oportunidades estarão em transações de smart contracts — os contratos inteligentes. “É um sistema em que a validação do pagamento só ocorre quando há a comprovação da entrega. Isso acontece automaticamente”, afirma. Em sua visão, a tecnologia, que vai funcionar via blockchain, poderá apoiar transações que possuem diversos atores. Por exemplo, a compra de um carro ou imóvel, que envolve o comprador, o fornecedor e o financiador.
Pérez destaca que a moeda digital vai adicionar mais um componente de segurança, com registros de progamabilidade. “O Drex vai facilitar muito o mercado financeiro brasileiro. Ele fará com que as tecnologias que são desenvolvidas por fintechs estejam acopladas ao sistema financeiro brasileiro e o tornem mais eficiente e seguro”, acrescenta Flávio Pinheiro, advogado especialista em direito empresarial do escritório Flávio Pinheiro Neto Advogados.
Open Finance
Quando foi introduzido, em 2020, o Open Banking tinha como foco principal a facilitação da troca de dados de clientes entre diferentes instituições financeiras. Por exemplo, quando um indivíduo deseja solicitar um serviço em uma fintech da qual ele se tornou cliente recentemente, o histórico de pagamentos de sua relação com outra instituição pode ser compartilhado. Entre as informações divulgadas estão créditos contratados, taxas de pagamentos e investimentos. O potencial é atrativo, já que 52% dos brasileiros estão dispostos a compartilhar seus dados financeiros, diz um estudo realizado pela Ipsos a pedido da TecBan. Mais de 70% dos entrevistados acreditam que isso acelera o processo de solicitação de crédito.
O Open Finance surgiu como uma expansão desse serviço. “É a mesma troca de dados, mas em que é possível realizar transações que se relacionam com empresas que não são instituições financeiras”, explica Pérez. Por exemplo, a iniciação de pagamentos, uma ferramenta que possibilita pagamentos em e-commerce com apenas um clique. Com isso, o cliente não precisa entrar no aplicativo do banco ou em outro site para pagar pela compra.
Ingrid Barth, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), indica que o intercâmbio de dados pode ser uma oportunidade para fintechs. “Podemos ter 10 contas em 10 instituições diferentes, mas como está essa usabilidade? O cliente tem que entrar em 10 aplicativos para poder gerir a vida financeira?”, questiona Barth. “Estão surgindo projetos pensando nisso, plataformas que não vão oferecer produtos financeiros, mas que vão consolidar para que você consiga consumir essas informações em um só lugar”, acrescenta.
Outras aplicações, segundo Pérez, são a iniciação de pagamentos, auxiliando os varejistas a inserir a tecnologia em suas plataformas, e ferramentas que indiquem os melhores serviços financeiros com base em dados.
Há também o embedded finance, ou finanças embutidas — quando instituições não financeiras passam a oferecer soluções relacionadas a finanças. Um exemplo são as varejistas que criam cartões de crédito e serviços financeiros para os clientes. “Até empresas de saúde podem oferecer financiamento porque conhecem sua base e têm esse canal direto”, diz Daniel Grossi, diretor da Liga Ventures.
Ele acrescenta que isso é comumente feito por meio de parcerias com fintechs de infraestrutura, que oferecem Banking as a Service, ou de crédito. Também é possível que uma grande empresa crie sua própria fintech para esse serviço, como no caso do Mercado Livre, que criou o Mercado Pago.
Inteligência artificial
Ao contrário das outras tecnologias citadas, a inteligência artificial não está diretamente ligada a serviços financeiros. Para Grossi, porém, a IA otimiza a análise de dados dos clientes e ajuda a entender seus comportamentos e os melhores serviços financeiros disponíveis para eles. “Não posso ter um milhão de analistas olhando individualmente para cada cliente.”
Em sua visão, essa personalização no atendimento e nos serviços é crucial para o setor. “Antigamente, os bancos tinham que ter um relacionamento de décadas com os clientes para conhecê-los. Agora, existem menos barreiras de entrada e de saída em um banco. Então, se você não consegue falar a língua daquela pessoa ou não entrega o serviço que ela deseja, provavelmente vai perdê-la para outra empresa que ofereça uma oferta melhor.”
Cristina Godoy Oliveira, advogada e pesquisadora sobre a ética no uso de inteligências artificiais por fintechs, dá um contraponto. Ela ressalta o risco de enviesamento no uso da inteligência artificial por empresas. “No caso das concessões de créditos, por exemplo, homens e pessoas brancas podem ser favorecidas”, diz. Ela sugere uma revisão nos bancos de dados que serão proecessados. “Se há menos informações de mulheres e mais de homens, é preciso fazer correções estatísticas para que as características masculinas não se sobressaiam.” Quanto maior a variedade incluída durante o pré-processamento de dados para o aprendizado de máquina, mais as discriminações algorítmicas serão evitadas.
Desafios regulatórios
Os desafios regulatórios vêm tanto da CVM quanto do Banco Central. Isso porque muitas das inovações que surgem ainda não são reguladas pelo sistema — não é o caso de Pix e Drex, criados pelo BC. “Não é a fintech que está ilegal, é o setor que carece de desenvolvimento”, afirma o advogado Flávio Pinheiro. A falta de regulação, segundo ele, pode causar fragilidades para essas startups.
Por exemplo, uma fintech com uma solução que utiliza criptomoedas movimenta ativos por meio de tokens e está fora do sistema bancário oficial. “Essas fintechs podem ser vítimas de hackers, perder completamente esses tokens e ter sua operação abalada, por não terem uma garantia”, diz.
De maneira geral, uma forma de garantir que a sua startup esteja dentro das regulações, na medida do possível, é participar de sandboxes regulatórios – um regime de teste controlado e seguro, onde as empresas podem experimentar produtos, serviços ou modelos de negócio e identificar se há problemas regulatórios ou éticos antes de colocar a solução no mercado.
Para participar do sandbox regulatório, as fintechs podem se candidatar a editais oferecidos pelo Banco Central e também por outras instituições financeiras.
Texto: Bianca Camatta, Carina Brito e Rebecca Silva/ PEGN