Renata Valéria Regis de Sousa Gomes fala sobre uma iniciativa da Universidade Federal Rural de Pernambuco que impulsiona a criação de abelhas para melhorar a situação de mulheres em comunidades vulneráveis

Facilitar a criação de abelhas para a produção e venda de mel e ajudar a transformar a realidade social, econômica e ambiental de comunidades vulneráveis é o principal objetivo do Apicultura e Mulheres: Uma Doce Produção, um projeto de extensão da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), em Recife.

A iniciativa começou em 2018, a partir do desejo de um grupo de mulheres do Assentamento Ximenes, em Barreiros, município localizado a 102 km da capital pernambucana. Retirado de seu local de origem, o grupo passou a trabalhar com um sistema de cultivo de plantas sem agrotóxicos. Mas por problemas climáticos, não conseguiu mantê-lo, o que dificultou as condições econômicas locais.

“A partir da demanda dessas mulheres, juntamos a vontade de trabalhar com a oportunidade de trabalho por meio da apicultura e com a produção de mel”

Renata Valéria Regis de Sousa Gomes

professora da UFRPE e coordenadora do Apicultura e Mulheres: uma Doce Produção

O projeto da UFRPE introduziu a apicultura como diferencial para aumentar a renda e a segurança alimentar da comunidade. Também busca promover a equidade de gênero na atividade, que é muito masculina. Em 2023 uma segunda etapa do projeto está sendo implementada na Comunidade Fazenda Floresta, em Parnamirim, no Sertão Central de Pernambuco.

Nesta nova série de entrevistas, o Nexo faz cinco perguntas a gestores sobre a origem, o processo e os aprendizados de projetos que são destaque em suas áreas no setor público. Renata Valéria Regis de Sousa Gomes, professora do Departamento de Zootecnia da UFRPE e coordenadora do Apicultura e Mulheres: uma Doce Produção, conta mais sobre a iniciativa.

Qual era o problema que deu origem ao projeto?
RENATA VALÉRIA DE SOUSA A pobreza, a vulnerabilidade social, a falta de conhecimento das mulheres sobre apicultura e sobre manejo das colmeias, e a falta de oportunidade de trabalho para geração de renda eram os principais problemas das mulheres agricultoras familiares e que deram origem ao projeto.

Iniciamos o projeto de extensão Apicultura e Mulheres: Uma Doce Produção com cinco mulheres do Assentamento Ximenes, em Barreiros. O município possui baixo IDH (0,586) e 52,1% da população vivendo com a renda mensal de até meio salário-mínimo, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Essas mulheres faziam parte desse recorte que vivia em condições de pobreza e vulnerabilidade social e que vinham há anos sofrendo com grandes perdas das suas lavouras, seja pelas enchentes do Rio Una ocasionadas no período das chuvas ou por incêndios ocasionados pelo fogo utilizado no período do corte da cana-de-açúcar.

Como surgiu a ideia para o projeto?
Renata Valéria de Sousa Como recém-doutora, eu tinha o desejo de desenvolver trabalhos com mulheres na área de apicultura por acreditar que, além de promover o desenvolvimento sustentável conservando a natureza, a apicultura tinha espaço para ser uma atividade inclusiva. As mulheres sempre estiveram presentes na atividade, mas de forma tão modesta que eram invisibilizadas devido à massiva ocupação masculina.

Tendo conhecimento do meu interesse em desenvolver um trabalho com mulheres, um apicultor parceiro me apresentou às mulheres de Ximenes. Eu as recebi na UFRPE e fiquei bastante sensibilizada com a história delas. Eram mulheres valentes e guerreiras que tinham vontade de trabalhar com uma atividade que não lhes trouxesse mais prejuízos e que lhes proporcionasse um pouco mais de dignidade.

A partir da demanda dessas mulheres, juntamos a vontade de trabalhar com a oportunidade de trabalho por meio da apicultura e com a produção de mel. É um alimento que, sendo bem beneficiado, tem um longo período de validade em prateleira. E quando não é vendido, pode ser consumido, tendo assim acesso a um alimento que promove saúde e bem-estar e que, se elas não produzissem, dificilmente teriam acesso, pelo alto valor agregado.

Academicamente, surgiram duas perguntas: Quais os impactos da implantação de um apiário de produção no desenvolvimento local? E no desenvolvimento das pessoas que compõem o grupo de mulheres camponesas de Ximenes?

Quais os principais resultados até agora?
RENATA VALÉRIA DE SOUSA Os resultados vão além da questão econômica por ter proporcionado mudanças na percepção social e ambiental não só das mulheres beneficiárias do projeto, mas da comunidade em que estão inseridas:

A redução da pobreza, com a geração de renda por meio do trabalho decente colocando as mulheres na condição de participantes ativas na economia familiar;
A segurança alimentar. Pode não parecer muito, mas uma das mulheres vivia antes do apiário com uma renda familiar semanal em torno de R$50 para seis pessoas. Hoje elas vendem um quilo de mel a R$ 70 e sob encomenda, devido à grande procura pelo produto;
A agricultura sustentável, com a produção de produtos agroecológicos e com o fortalecimento da mão de obra familiar por promover o envolvimento de toda família;
A conservação da vegetação nativa, o que garante um mel diferenciado com sabor e coloração típicos da região;
A igualdade de gênero. As mulheres apicultoras de Ximenes passaram a ser convidadas para participar de eventos e mesas-redondas para compartilhar suas experiências e seu case de sucesso com a apicultura.
Por meio de parcerias, foi possível adquirir kits de apicultura e de beneficiamento de mel que fortaleceram e ampliaram a atividade apícola da região. Há dois anos, surgiu a APAMEL (Associação dos Produtores de Abelha) de Tamandaré e região, onde as mulheres apicultoras de Ximenes estão associadas.

Um dos últimos resultados, com impactos positivos em todo o estado de Pernambuco, foi a realização do I EMCAP (Encontro De Mulheres Criadoras De Abelhas Em Pernambuco), na cidade de Serra Talhada, no Sertão Pernambucano. Em torno de 60% do público era de mulheres e foi uma oportunidade única para elas se conhecerem e estabelecerem troca de conhecimentos, passando suas histórias e vivências para fortalecer e motivar umas às outras.

Ali, foi realizada uma feira estimulando o empreendedorismo feminino. Além do mel, elas comercializaram cosméticos artesanais elaborados a partir do mel e da cera de abelha e alimentos à base do produto, como o pão de mel e bebidas como o hidromel.

Também teve a Exposição de fotos “Mulheres Criadoras de Abelhas em Pernambuco”, que teve o objetivo de desfazer o pensamento de que o trabalho das mulheres na criação de abelhas se resume a limpeza dos vasilhames, costurar os macacões ou desopercular os favos no processo de beneficiamento do mel. Mostrou aos participantes que as mulheres estão presentes em todas as etapas, desde o manejo do apiário à casa do mel, valorizando e reconhecendo a importância do trabalho das mulheres no desenvolvimento da atividade.

Atualmente, estamos implantando o projeto Apicultura e Mulheres: Uma Doce Produção com um grupo de 20 mulheres da Comunidade Fazenda Floresta, no Município de Parnamirim, localizado no Sertão Central de Pernambuco. Com baixo IDH (0,599) e proporção de pessoas ocupadas de 4,9%, 53% da população de Parnamirim vivem em condição de rendimento de até meio salário-mínimo mensal por pessoa, de acordo com o IBGE.

Dentro desse recorte, estão as mulheres que vivem na Comunidade Fazenda Floresta, que se ocupam predominantemente com a agricultura familiar, sendo o Programa Bolsa Família a única fonte de renda fixa. Nosso desejo é que esse projeto também promova transformação na vida dessas mulheres e suas famílias.

Quais as principais limitações e desafios do projeto?
RENATA VALÉRIA DE SOUSA No início do projeto não tínhamos recursos financeiros, somente o conhecimento técnico e o interesse em fazer o projeto acontecer para mudar aquela realidade tão dura. As primeiras colmeias foram fabricadas com madeira reciclada adquirida com recursos próprios. A UFRPE disponibilizava o veículo para nos conduzir até a comunidade e uma bolsa de R$ 400 para uma discente de graduação.

Dessa forma, era difícil arrecadar recursos financeiros para adquirir as colmeias racionais, para implantar os apiários, adquirir os equipamentos para o beneficiamento do mel, e para a cera apícola, que é um material de consumo imprescindível na apicultura. Também percebemos que trabalhar a questão do associativismo é crucial, fazendo-se necessário considerar as questões culturais de onde o projeto está sendo implementado e as histórias de vida das pessoas envolvidas.

Outro desafio é fazer os nossos parceiros homens entenderem que os projetos com mulheres na apicultura não é porque está na moda, mas porque nós queremos e precisamos de uma sociedade menos injusta e mais inclusiva. Eles não devem se sentir ameaçados ou preteridos ao ver as mulheres se destacando na atividade. Pelo contrário, eles devem ser parceiros, apoiadores e partícipes desse processo de transformação da nossa sociedade.

Com isso, a cadeia produtiva do mel de Pernambuco, que tem mais de 50 anos de história e está crescendo muito, poderá se destacar ainda mais e de forma muito linda, por reconhecer e valorizar a importância do trabalho das mulheres para o desenvolvimento da atividade.

E para avançarmos hoje, é imprescindível a disponibilidade de recursos para investirmos em pesquisas de ponta que agreguem mais valor ao mel e aos demais produtos apícolas, como a própolis e o pólen. Considerando o alto potencial da região, é necessária a implantação de apiários de produção desses produtos das abelhas.

O que faria diferente se fosse começar de novo?
RENATA VALÉRIA DE SOUSA O projeto Apicultura e Mulheres: Uma Doce Produção começou de forma singela, porém ousada desde sua implantação, passando a cada etapa ou desafio vencido a ganhar robustez, promovendo resultados sólidos. E para os resultados serem mais pujantes em cada recomeço, vamos precisar de bons parceiros nos apoiando, financiando as pesquisas e a aquisição dos insumos, considerando que cada comunidade tem suas particularidades.

Estamos com uma excelente equipe multidisciplinar e muito comprometida, que nos levou esses dias a aprovar um projeto de inovação tecnológica “Apicultura, Mulheres e a Geleia de Mel de Abelha para o Desenvolvimento Sustentável no Sertão Pernambucano”, pela FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco).

Nosso objetivo é agregar valor ao mel cristalizado, reduzindo os prejuízos das mulheres apicultoras por esse mel ser rejeitado pelo consumidor, devido ao pensamento equivocado de que o mel cristalizado seja falso ou adulterado, o que dificulta a comercialização. Na verdade, só o mel puro cristaliza. A cristalização é um fenômeno espontâneo que não altera a natureza do mel, mas que ocorre com algumas florações da Caatinga. Entre os fatores que levam o mel a cristalizar, há a procedência floral do néctar, a temperatura, o tempo de maturação, a quantidade de açúcares e a água presente no mel.

E por fim, fomentar o conceito de empreendedorismo feminino na cadeia produtiva do mel, contribuindo para que elas identifiquem as oportunidades de negócios para seus produtos e sejam as protagonistas nesse processo de transformação de vidas.

Texto: Nexo jornal