A expansão do negacionismo científico, da anticiência e das críticas aos cientistas e às universidades e centros de pesquisa está servindo, paradoxalmente, para reafirmar uma lei científica, mais especificamente da Física: a toda ação corresponde uma reação.

Para se contrapor a estes tempos de menosprezo ao conhecimento, é cada vez maior a motivação de muitos pesquisadores para usar as redes sociais como forma de divulgar seu trabalho e a ciência em geral e fazer uma ponte dela com a sociedade.

É o caso da bióloga e geneticista Adriane Wasko, do Instituto de Biociências do campus de Botucatu (SP) da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp), que usa YouTube, Facebook, Spotify e, mais recentemente, o TikTok, para divulgar a ciência. “Neste momento em que o mundo está mergulhado em notícias sobre a covid-19, as fake news vêm influenciando e até colocando em risco uma grande parcela da população”, diz. “Esse cenário demonstra a importância da difusão do conhecimento, que pode permitir que identifiquemos mais facilmente notícias sem fundamento.”

Por isso, ela diz que para combater a disseminação de notícias inverídicas que circulam nas redes, é necessário investir mais em educação e em meios de propagar conhecimentos. “Ou seja, precisamos lutar em prol da própria ciência”, explica. “E isso nos move cada vez mais. Cientistas estão se dedicando com mais empenho a ações de divulgação do que fazem, para combater o negacionismo, a anticiência e as fake news.”

É o que vem fazendo o biólogo e doutor em Ecologia, Kleber Del Claro, da Universidade Federal de Uberlândia (UFB), por meio de um site na internet, “Ciência que Fazemos”.

“Venho cada vez mais atuando em divulgação científica, porque percebo que muitas das pessoas que praticam o negacionismo e as fake news não são idiotas, nem sem instrução”, explica. “Muitas delas têm conhecimento e, tristemente, fazem uso dele para iludir, enganar, trapacear as pessoas, por motivos diversos, como político, econômico e de dominação social.”

Para combater isso, ele diz que os cientistas têm que agir “mais e com maior entusiasmo, atraindo os mais jovens para essa causa”. “Nós não somos pessoas devotadas à divulgação científica, nós somos uma ideia”, afirma. “A ideia de construir um mundo melhor através do conhecimento e da razão.”

A biofísica Priscilla Oliveira Silva Bomfim, do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que usa as redes sociais para descomplicar a ciência para a população, tem motivação semelhante. “Como pesquisadora, me sinto responsável pela veiculação correta da informação, por isso supervisiono e acompanho, de perto, tudo aquilo que é produzido pelo meu grupo”, diz.

“Assim, gerando conteúdo de qualidade, atrativo, que comunica e populariza a neurociência com respaldo científico, conseguimos fazer com que o nosso papel seja cumprido, porque, para mim, tão importante quanto produzir conhecimento é divulgá-lo com responsabilidade.”

Ela faz isso, segundo suas palavras, movida pela paixão pela ciência, a inovação, a inclusão, a criatividade e o estabelecimento de parcerias. Priscilla usa as redes sociais para popularizar a neurociência, mostrando que ela faz parte do dia a dia de todo mundo. “O meu principal objetivo é difundi-la e tornar possível a reflexão crítica sobre ela, ao alcance de qualquer um”, explica. “Isso, por si só, já reduz a propagação da ‘pseudociência’.”

A difusão é feita por meio do Núcleo de Pesquisa, Ensino, Divulgação e Extensão em Neurociências (NuPEDEN) da UFF. “Estamos em diferentes redes sociais”, conta Priscilla. “No Instagram, por exemplo, temos colunas ilustradas, falando desde a ‘neurociência’ que faz uma ave de rapina ter uma visão tão especializada, para visualizar a presa a longa distância (‘Neuro é animal’), até a cultura popular (‘NeuroPop’), que já versou sobre o comportamento do Bart Simpson ou o luto da Feiticeira Escarlate. Será que tem neurociências nisso? Tem. Isso aproxima o consumidor do seu produto, porque vamos em busca do que ele gosta, mas que, ao mesmo tempo, também curte.”

No caso do Twitter, o foco é na produção acadêmica, pois é uma rede mais utilizada por cientistas, com outra linguagem. “Já no nosso canal no YouTube é a neurociência aplicada à educação”, conta Priscila. “Foi criado para que possamos levar informação aos educadores, principalmente àqueles que não têm como promover sua formação continuada – por falta de tempo ou do dinheiro necessário ao investimento. E, como não vendemos nada – todas as nossas ações são gratuitas -, a nossa única pretensão é que as pessoas consumam neurociência de forma descomplicada, com embasamento científico, sem o estigma de que ‘ciência é muito difícil, só para os inteligentes’. Mostramos que isso não existe.”

Del Claro, por sua vez, utiliza o site Ciência que Fazemos para divulgar, em linguagem simples e acessível ao público em geral, aquilo que é desenvolvido nas universidades. “Na página temos um blog com as matérias e uma sessão de vídeos curtos em Português, Inglês e Espanhol sobre os artigos que publicamos”, conta. “Há cursos que ofereço no Youtube gratuitamente a toda a comunidade interessada.”

Além disso, são traduzidos artigos internacionais de interesse geral, fazendo uma resenha que é divulgada no blog. “Agora, estamos iniciando no Instagram com podcasts”, informa. “O objetivo é aproximar a academia da comunidade. É mostrar o valor e a importância da ciência e do cientista para a sociedade. Levar conhecimento de forma clara e acessível. São textos, imagens comentadas, vídeos, cursos e podcasts, tudo absolutamente gratuito, sem anúncios.”

O trabalho de difusão do conhecimento da biomédica Mellanie Dutra, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é mais específico. Como divulgadora científica na Rede Análise Covid-19, Grupo InfoVid, União Pró-Vacina, Equipe Halo de divulgadores científicos da ONU e Todos Pelas Vacinas, ela cria conteúdos acessíveis sobre a doença e seus múltiplos aspectos para a população em geral, explicando dados publicados, notícias, ou compilando o que se sabe até o momento sobre ela. “O principal objetivo é auxiliar nessa construção da ponte entre ciência e sociedade, tornando-a mais acessível e aumentando seu alcance, na medida do possível”, explica.

Até 2015 o trabalho era presencial, mas a partir da pandemia, Mellanie começou a usar as redes sociais para fazê-lo. “Inicialmente utilizei o Twitter, mas depois fui expandindo para Instagram, TikTok, Facebook e YouTube”, conta. “No Twitter, no qual eu iniciei e faço com maior frequência, gosto muito de criar ‘fios’ explicativos, isto é, um tuíte encadeado em outro, com gifs fazendo referência a cultura pop, séries, coisas que são familiares às pessoas, para quebrar um pouco o tom formal e estabelecer vínculos com os leitores.”

O físico Pedro Alves da Silva Autreto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), é mais um pesquisador engajado na divulgação científica. Ele coordena o CienciON, um projeto que produz episódios de podcasts e materiais para a sua difusão nas redes sociais. “Tem este nome porque, no início do século passado, todas as partículas, tidas como elementares, tinham nomes finalizados com ON, como, por exemplo, elétron, próton, nêutron, pósitron”, explica. “Nosso podcast é focado na ‘partícula elementar’ da ciência, o pesquisador.”

O objetivo é mostrar um determinado assunto (física, química, biologia, por exemplo) diretamente, conversando com quem o desenvolve e tentar quebrar o estereótipo dos cientistas. “Nossa divulgação é bastante ampla”, diz Autreto. “Temos atualmente conta no Facebook, Twitter e Instagram, além de nosso canal no Youtube, que começa a ganhar visibilidade. Optamos por usar também imagens e cards explicativos, pois eles costumam viralizar, não só nas redes sociais tradicionais como em grupos de WhatsApp e Telegram.”

No caso de Adriane – a que passou usar o TikTok recentemente -, ela sempre foi encantada por Biologia e Genética (desde o início do Ensino Médio), e seguiu carreira nessas áreas. Hoje ela se divide entre seu trabalho como pesquisadora e coordenadora da Agência de Divulgação Científica e Comunicação (AgDC) do IBB e a difusão do conhecimento nas redes sociais.

Embora ela atue nesse campo desde 2007, quando passou a fazer parte de uma rede nacional que desenvolve ações de educação e divulgação da ciência, foi a partir de novembro de 2019 que ela começou a intensificar este trabalho e a se tornar mais conhecida, ao usar o TikTok. Antes disso, em 2018, aproveitando sua experiência anterior, ela criou e passou a coordenar a AgDC. “Fazíamos a difusão especialmente por meio de mídias como YouTube, Facebook e Spotify – trabalho que eu ainda continuo fazendo”, conta Adriane.

A ideia de usar o TikTok, uma rede social relativamente nova de postagem de vídeos curtos e que faz sucesso entre os adolescentes, surgiu a partir de um programa, chamado “Minuto Ciência”, que ela divulgava pela AgDC. Nele, são abordados conteúdos científicos de “maneira super-rápida, com humor e criatividade”.

“Um de seus episódios, que demonstrava como extrair DNA de morango, obteve mais de 15 mil visualizações e recebeu muitas perguntas encaminhadas por estudantes do ensino básico”, comemora Adriane.

Então, ela se perguntou por que não dialogar melhor sobre ciência com esta parcela da sociedade? “Assim, por incentivo e desafio de um dos colegas da AgDC – André Alvarenga – me aventurei a atuar também em divulgação científica no TikTok, já que é uma rede social que atinge um público mais jovem”, revela. “E assim foi criado o perfil ‘Professora Dri’.”

Se há algo em comum entre esses divulgadores da ciência são a surpresa e a satisfação com os bons resultados e a repercussão de suas iniciativas. “Para mim, é muito surpreendente”, admite Del Claro. “A pandemia e as matérias sobre a covid-19 expandiram nosso público. Tem semana que chegamos a quase três milhões de pessoas com um post. Há artigos que escrevi divulgando trabalhos, que foram lidos por mais de 30 mil pessoas. No Facebook, temos mais de 65 mil seguidores. Em geral, atingimos entre 10 mil e 50 mil pessoas por matéria. A sociedade precisa saber o que fazemos dentro das universidades e ninguém melhor do que quem está com a mão na massa para mostrar isso.”

Mellanie também diz que fica surpresa todos os dias, com cada nova interação, cada convite para colaborar em alguma matéria na mídia, cada dúvida que consegue esclarecer. “Não imaginava que ganharia essa proporção”, declara. “A troca é imensa e muito rica, e fico lisonjeada de essas pessoas seguirem meu trabalho.”

Adriane também se diz surpresa e satisfeita com o seu sucesso no TikTok. “Meu receio inicial da ideia não dar certo caiu por terra assim que os primeiros vídeos foram postados nessa plataforma”, conta. “Foram perguntas e mais perguntas, pedidos de novos vídeos e milhares de seguidores. Alguns dos vídeos, com mais de 270 mil visualizações, eram especificamente associados à minha área de atuação na Unesp, a Genética, e me fizeram ver que eu poderia me desafiar a roteirizar, filmar e editar um número maior, com conteúdo, que costumo ensinar na universidade, mas com uma linguagem e cenários que fossem mais adequados a um público mais jovem e leigo.”

A satisfação de Adriane, no entanto, não vem só dos números. “Confesso que, mais do que isso, a interação com as pessoas que assistem os vídeos, perguntas e comentários encaminhados e, especialmente, as mensagens de incentivo para continuar atuando e os relatos de que os conteúdos assistidos permitiram a apropriação de conhecimento são o maior incentivo”, diz. “Isso dá a certeza de estar no caminho certo, para contribuir para a democratização de saberes e valores de Ciência e Tecnologia em nosso país.”

Fonte: BBC News Brasil

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