O Brasil tem posição de destaque no mercado de criptomoedas da América Latina. Um relatório da Chainalysis publicado em outubro de 2022 aponta o país como o maior da região em termos de adoção de cripto. Além disso, um relatório da gestora VanEck publicado em dezembro do mesmo ano afirma que o Brasil pode liderar inovações em tokenização em 2023.
Na Web3, o país caminha para assumir um status semelhante. Especialistas ouvidas pelo Cointelegraph Brasil afirmam que o Brasil tem o que é necessário para assumir o protagonismo do setor não só na região, mas também a nível global. Existem, contudo, lacunas a serem preenchidas para atingir todo este potencial.
Região em crescimento
A Web3 e a blockchain, em particular, estão num momento promissor no Brasil, avalia Camila Rioja, líder para a América Latina da Fundação Celo. Ela cita os investimentos feitos por grandes instituições e fundos em startups do segmento.
“Os números têm mostrado o grande crescimento e destaque do Brasil e da América Latina. Os segmentos de Web3 e blockchain terão um avanço de 42,1% até 2028 na América Latina, de acordo com um relatório da LAMEA”, diz Rioja.
Outra pesquisa que dá destaque ao Brasil, esta mencionada por Amanda Marques, CMO da Lumx Studios, é a da Statista, que coloca o país em segundo lugar em números de investidores de NFTs. Marques acredita que esse ranking deveria deixar os brasileiros entusiastas da Web3 mais otimistas em relação ao potencial da região, ainda que os tokens não fungíveis sejam apenas uma das camadas de usabilidade.
“Com relação ao cenário global, eu levaria em consideração um aspecto cultural do Brasil, que favorece nosso protagonismo no longo prazo dentro desse mercado, que é o tempo médio que o brasileiro fica conectado à internet. Além disso, é importante ressaltar a grande adoção das redes sociais, e o poder de influência de criadores e celebridades no país”, acrescenta a CMO da Lumx Studios.
Rafaela Romano, cofundadora da Impacta Finance, também dá ênfase na ampla adoção de NFTs por brasileiros. Ela acrescenta ainda dados de outros relatórios, como a terceira posição que o Brasil ocupa em número de usuários de finanças descentralizadas, e nos estudos que apontam 46 milhões de brasileiros interagindo, de alguma forma, com o mercado cripto. Esses dados, na visão de Romano, destacam o potencial do Brasil na Web3.
Lacunas precisam ser preenchidas
De forma unânime, no entanto, elas fazem ressalvas. Rioja, da Fundação Celo, afirma que ainda há um amplo espaço a ser explorado pelo Brasil globalmente. “O país, de certa forma, tem os seus players e eventos locais que se retroalimentam, mas nesta fase atual de trocas e parcerias internacionais, de forma a nutrir ainda mais o talento local e as oportunidades se torna algo imperativo.”
Amanda Marques, da Lumx, embora se mostre otimista em relação ao cenário educacional do Brasil para disseminar a informação sobre Web3, salienta que ainda há muito a ser coberto. “Ainda não conseguimos escoar a informação sobre o potencial dessas tecnologias para a grande massa.”
Para Romano, da Impacta Finance, faltam brasileiros em lideranças de projetos globais. Ela menciona exceções, como cofundadores da coleção da CryptoKitties e do Dapper Labs, a Fingerprints DAO e a DUX. “Acredito que o próximo passo é realmente acelerar a posição do Brasil em termos de desenvolvimento, já que, em adoção, somos super bem posicionados.”
Web3, Brasil e 2023
Relatórios que tentam prever as narrativas mais quentes do mercado cripto para 2023, publicados por grandes empresas, não deixaram a Web3 de fora. Dado o potencial do Brasil no setor, é natural que os entusiastas se perguntem quais campos da Web3 serão mais desenvolvidos por profissionais da área no país.
Rafaela Romano classifica o posicionamento institucional do Brasil como “super interessante”, e faz menção a uma parceria entre Celo e a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU). O objetivo da união é criar soluções de tokenização institucional.
Além disso, Romano menciona também a iniciativa criada em conjunto pelo Governo do Rio de Janeiro e a Nasdaq para criação de uma plataforma de negociação de créditos de carbono e ativos financeiros digitais e sustentáveis. Em relação ao que gostaria de ver sendo desenvolvido na Web3, ela diz que está interessada em ver “soluções que ajudam a criar mercados e que lidam com problemas reais”.
“Nesse sentido, os games têm um papel super interessante no processo de democratização do acesso aos investimentos e adoção em massa do setor”, completa a cofundador da Impacta Finance.
Os avanços governamentais feitos no setor das criptomoedas, para Camila Rioja, é um ponto forte do Brasil. Ela cita o marco legal dos criptoativos, o Real Digital e as ações e grupos de trabalho da Comissão de Valores Mobiliários. Além disso, Rioja elenca o hackathon organizado pela Fundação Celo em parceria com o Ministério da Economia, que, junto com os casos anteriormente mencionados, demonstram uma abertura governamental à tecnologia blockchain. Por fim, Rioja dá ênfase em ReFi, ou finanças regenerativas.
“As ReFi são certamente uma oportunidade única que a comunidade tem construído ao longo dos últimos anos. A infraestrutura básica para testar, implantar e dimensionar soluções abrangentes em todos os setores já existe, assim como o apetite do mercado.”
O fortalecimento dos NFTs também é um ponto a se observar dentro do cenário brasileiro da Web3 neste ano, afirma Amanda Marques. Para ela, 2023 será um ano de maturação de grandes marcas e negócios que utilizam tokens não-fungíveis.
“Muito se falou no ano passado, várias marcas começaram seus projetos de forma gradual e agora vão colher os frutos e entender como potencializar ainda mais o uso dessa tecnologia para solucionar problemas reais. Mais do que nunca, é a hora de reforçar o papel dos NFTs como meio”, diz Marques.
Apesar de ser um tema novo para empresas e lideranças do mainstream, a CMO da Lumx diz que tem sido possível tornar mais tangível o uso de NFTs para este grupo. Para isso, são usados casos de empresas tradicionais que já se posicionaram na Web3 e já começaram a criar projetos disruptivos, como o Starbucks.
“Citando algumas camadas específicas de utilização, acho que vamos ver um aumento significativo de NFTs em programas de fidelidade, no mercado da música, em redes sociais descentralizadas, identidade virtual, e tickets de acesso a eventos diversos. É preciso considerar que o ecossistema Web3 é muito dinâmico e está em constante evolução, e possivelmente veremos o surgimento de novas áreas e projetos que ainda não imaginamos”, completa Marques.
Pontos fortes do Brasil na Web3
Quanto às ferramentas e circunstâncias que o Brasil pode usar ao seu favor para se destacar globalmente na Web3, elas são diversas. Amanda Marques, da Lumx, dá ênfase a grande comunidade de desenvolvedores que já existe no país, e tem acompanhado de perto o crescimento de tecnologias como blockchain e inteligência artificial
“Além disso, o Brasil possui uma comunidade altamente engajada na área de tecnologia e inovação, com muitas iniciativas e grupos de discussão envolvendo tecnologias descentralizadas e criptomoedas. Espera-se que essa tendência continue crescendo à medida que mais informações acessíveis são disponibilizadas de forma descomplicada para todos.”
A interação dos brasileiros com inovações, principalmente relacionadas a redes sociais, é destacada por Rafaela Romano, da Impacta. “Somos usuários adictos da internet e ótimos early adopters”, classifica Romano. Para ela, esse é um “ativo super relevante” para o cenário da Web3, cujo sucesso dos projetos está diretamente vinculado às forças de suas comunidades.
Romano dá destaque ainda à inclusão de ativos naturais dentro da Web3. “Eu gosto de imaginar que o Brasil também detém muitos ativos preciosos: as florestas, o mercado de commodities, de energia. E que as discussões relacionadas à Amazônia podem ser transportadas para a Web3. Estou animada para ver como esses ativos valiosos, mas ainda não precificados, podem nos ajudar a criar um diferencial bom no setor geral de criptomoedas.”
Os altos índices de adoção de criptoativos, para Camila Rioja, fazem do Brasil um país amigável para o desenvolvimento de tecnologia na Web3. Ela também dá destaque à característica do brasileiro em ser early adopter, acrescentando sua abertura a novos serviços e produtos financeiros.
“Questões estruturais relacionadas ao acesso ao crédito e à necessidade de olhá-lo sob a ótica das finanças regenerativas, dois pontos de extrema relevância para o contexto nacional, encontram terreno fértil no Brasil, mas especialmente nos brasileiros”, avalia Rioja.
O cenário acima, combinado à qualidade dos desenvolvedores e empreendedores da Web3 no Brasil, torna possível um futuro onde o país lidera o segmento. “É um sinal de que a próxima geração de soluções e produtos de ponta, baseados em blockchain, está chegando ao continente”, conclui Rioja.
Por: Cointelegraph Brasil