Nossa sociedade passou por uma grande transformação nas últimas décadas. O “tradicional” deu passagem ao novo. Nossos jornais, que eram tradicionalmente televisivos e impressos, hoje são, em sua grande maioria, online. Nunca tivemos uma grade tão diversa de informações à nossa disposição, com o esforço de apenas um clique.
Esse poder de escolha, aliado à liberdade de informação e conhecimento, é, sem sombra de dúvidas, muito importante. Mas, ao mesmo tempo, perigoso. Assim como em qualquer área da nossa vida, muitas ciladas são armadas também no ambiente virtual, seja pelas fakes news, pelos golpes cibernéticos ou, simplesmente, por propagandas enganosas.
Nos últimos anos, acompanhando esse movimento de inovação, muitas empresas passaram a contratar influenciadores digitais para repercutirem suas marcas no mercado.
A profissão se popularizou, e muitos desses influenciadores ganham a vida compartilhando seu lifestyle na internet. E, consequentemente, influenciam sua audiência com seus hábitos de consumo. Pois bem, mas alguma responsabilidade se estende ao influenciador digital sobre a divulgação de produtos e serviços que são o pilar desta profissão? Ao que temos visto, sim.
Recentemente, assistimos uma investigação criminal de proporção nacional, que envolveu a influencer Deolane Bezerra, o ator Tirulipa e a Betzord, empresa de apostas na Internet. Os influenciadores são investigados pela 27ª DP de terem relações com a Betzord, e a empresa está sendo investigada por sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, crimes conhecidos como “contra a economia popular”.
Os efeitos produzidos na esfera civil
Nossa legislação divide a responsabilidade civil em objetiva e subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva acontece quando falta o dever de cuidado, ou seja, está relacionada a uma ação ou omissão, dolosa ou culposa. Assim, quatro elementos são indispensáveis à sua caracterização: conduta, culpa ou dolo, dano e nexo de causalidade. A responsabilidade subjetiva exige prova de sua existência.
Já a responsabilidade objetiva ocorre em razão da prática de algum ato ilícito ou da violação de direito de terceiros, portanto, independe de prova de culpa ou dolo do agente. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 12 e 14, prevê que o fornecedor de produtos e serviços detém responsabilidade civil objetiva. Consequentemente, responde por eventuais prejuízos causados a terceiros, independente de culpa.
Logo, considerando que, em suma, o influenciador digital aproveita-se de sua reputação, crédito e capital visual para desenvolver sua profissão, a qual inclui a promoção de debates, representação de uma categoria social ou simplesmente o fomento de um estilo de vida, costumes e consumo, ele tem sido considerado por nossos Tribunais como “fornecedor por equiparação”.
E, como “fornecedor por equiparação”, é permitido o seu enquadramento em uma relação jurídica de consumo.
Decisões recentes mostram que o influenciador digital não pode se esquivar de eventuais danos causados a terceiros, relacionados aos conteúdos que divulgam. Por isso, sua responsabilização na esfera civil representa uma prevenção a eventuais prejuízos à sociedade de forma geral.
E mais, nossos tribunais têm entendido que compete ao influenciador digital precaução em suas postagens. Justamente pelo poder de influência capaz de condicionar o comportamento de sua audiência, é necessário ter consciência das consequências que suas publicações podem ocasionar. O curso da nossa recente história nos ensina que toda e qualquer ação em ambiente virtual produz efeitos em ambiente real.
Portanto, cabe, a cada dia mais, que empresas e influenciadores digitais ajustem seu compliance, e tragam segurança jurídica às suas relações, seja pela necessidade de congruência entre os dois pólos, ou pela extrema obrigação de conformidade legal e integridade com o fito de proteção na esfera civil. Nesses casos, é melhor prevenir do que indenizar.
Por: Lidiane Praxedes