terça-feira,26 novembro, 2024

Reflexões sobre o uso da inteligência artificial nas relações de trabalho

É certo que a pandemia contribuiu decisivamente para o avanço e o desenvolvimento da tecnologia, de sorte que a inteligência artificial se torna uma realidade cada vez mais presente no mundo moderno e, sobretudo, nas relações de trabalho.

Segundo um recente levantamento, as empresas brasileiras devem investir aproximadamente R$ 2,61 bilhões em inteligência artificial neste ano de 2022, perfazendo um aumento de 28% comparado ao ano anterior [1].

Dito isso, impende destacar que a inteligência artificial também já é ferramenta utilizada no âmbito do Poder Judiciário. Nesse sentido, uma pesquisa realizada pelo Centro de Inovação, Pesquisa e Administração do Judiciário da FGV-Rio apontou que a inteligência artificial está sendo adotada na maioria dos tribunais brasileiros.

De outro norte, um estudo feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou que somente no ano 2022 houve um aumento expressivo dos números de projetos no Poder Judiciário envolvendo a inteligência artificial . Na Justiça do Trabalho, por exemplo, existem alguns projetos relacionados com a temática e que se encontram em diferentes fases de implementação .

Aliás, desde o ano de 2018 o Tribunal Superior do Trabalho possui o sistema Bem-te-vi, que se utiliza da inteligência artificial para gerenciar e fazer a análise automática da tempestividade dos processos [5]. De igual modo, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, através da sua Secretaria de Tecnologia e Comunicação, avalia tecnicamente a possibilidade do uso do aplicativo de inteligência artificial.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal aprimora a inteligência artificial para auxiliar os magistrados e os servidores a identificar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU) .

Claro está, portanto, a partir dos exemplos acima referidos, que não há dúvidas de que com o avanço de tais novidades tecnológicas — que, frise-se, têm acontecido em uma velocidade sem precedentes durante a pandemia — as relações de trabalho serão fortemente impactadas.

E no tocante a este novo cenário contemporâneo que se apresenta, oportunos são os ensinamentos do professor João Leal Amado [8]:

“A pandemia obrigou ao confinamento, ao distanciamento, ao isolamento, sendo que, em muitas empresas e em muitos setores, a prossecução da atividade laboral foi mantida em novos moldes, à distância, com o preciso e indispensável auxílio das tecnologias hoje disponíveis.

A pandemia veio, pois, acelerar um processo que já se encontrava em curso, de transição digital, em que o virtual toma o lugar do presencial, em que a comunicação e a interação humana se processam com o largo recurso aos dispositivos tecnológicos hoje disponíveis para a generalidade da população (o computador, a internet, o smartphone, etc.). A inteligência artificial, as apps que para tudo servem, a robotização que vai se alastrando, tudo sinais de um mundo novo (quiçá não tão admirável assim…) que já chegou e que vai continuar a surpreender a espécie humana nas próximas décadas.

Os reflexos de tudo isso no plano das relações laborais são óbvios, são incontestáveis, são imparáveis e são irreversíveis”.

No Brasil, hoje se encontra em andamento o Projeto de Lei nº 21/2020 que cria o Marco Legal do Desenvolvimento e Uso da Inteligência Artificial pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas [9]. O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e, caso seja recepcionado pelo Senado Federal sem alterações, seguirá para a sanção do presidente da República.

De igual modo, tramita outrossim no Senado Federal o Projeto de Lei nº 872/2021 [10], que dispõe sobre o uso da inteligência artificial, além do Projeto de Lei nº 5.051/2019 [11], que estabelece os princípios para o uso desta tecnologia no Brasil.

Entrementes, a Resolução nº 332, de 21.08.2020, do Conselho Nacional de Justiça, dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de inteligência artificial no Poder Judiciário [12].

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 [13], garante aos trabalhadores o direito à informação clara e precisa da utilização dos dados que sejam titulares, assim como a finalidade a que estes se destinam. Bem por isso, uma questão que tem sido objeto de debate e estudo se refere à criação de mecanismos para impedir a discriminação por inteligência artificial, ou seja, evitar que a tecnologia crie padrões de excludentes [14].

Se, por um lado, é verdade que a inteligência artificial pode trazer efeitos positivos nas relações de trabalho; lado outro, se constatada que esta tecnologia pode causar prejuízos, como por exemplo, a discriminação no tratamento de dados na relação de trabalho, isto poderá acarretar consequências e responsabilização de ordem civil.

É cediço que a inteligência artificial é escorada em algoritmos e, claro, a partir de uma análise dados, fato é que a máquina passa a “aprender” a se desenvolver com as experiências adquiridas. Nesse sentido, é factível que em decorrência de um conjunto de dados a máquina possa ser induzida a uma tendência, e, por conseguinte, ocorra a discriminação de trabalhadores, em virtude de sua programação.

Frise-se, a título de exemplo, que a empresa Amazon constatou que o seu sistema de inteligência artificial adquiriu uma certa orientação sexista, em razão dos dados dos currículos recebidos ao longo de 10 anos .

É fato que a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho veda qualquer discriminação em matéria de emprego ou profissão [16]. Por isso, é imperioso lembrar que conquanto a inovação tecnológica seja inevitável, deve-se sempre ter o cuidado para não haver afronta aos direitos humanos fundamentais nas relações de trabalho.

Em arremate, é importante que seja feita uma reflexão a fim de evitarmos o retrocesso social, afinal, a tecnologia deve servir para que o ser humano tenha uma melhoria da sua condição social e, por conseguinte, uma vida equilibrada e feliz.

Por:  Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

Redação
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