O maior evento de inovação e tecnologia do mundo reforça: quanto mais Inteligência Artificial, mais podemos nos dedicar ao que nos faz ser gente
Quando um megaevento como o Web Summit, com mais de 70 mil participantes do mundo inteiro, tem um assunto que percorre todos os pavilhões, boxes das startups, palcos e rodinhas de conversa, é impossível não dar prioridade a esse tema. É o que aconteceu na edição deste ano em Lisboa: a Inteligência Artificial foi onipresente.
Até aí, zero novidades, pois o hype em torno da IA Generativa tem sido tão intenso que é difícil evitar o tema. Esse é, ao mesmo tempo, um sinal de que existe muita coisa acontecendo, que o potencial é gigantesco, e que muita gente está falando do assunto sem saber muito bem o que se passa.
Não custa lembrar que Inteligência Artificial não é uma novidade tecnológica: há pelo menos 50 anos ela circula por aí e já tivemos outros momentos de “agora vai”, como o computador Deep Blue derrotando o campeão de xadrez Garry Kasparov, nos anos 90, ou o Watson, a IA da IBM, vencendo o programa de TV americano “Jeopardy” (uma espécie de “Show do Milhão” gringo).
Além disso, ferramentas que usam Inteligência Artificial para melhorar a capacidade analítica, fazer melhores previsões e entender o comportamento das pessoas fazem parte do dia a dia de inúmeras empresas no mundo. Da previsão do tempo à Netflix, passando pelo software que faz a previsão do estoque do seu supermercado ao algoritmo da rede social, a IA está presente em muitos lugares.
O que o ChatGPT e a IA Generativa, de modo mais amplo, fizeram nos últimos 12 meses foi colocar a IA nas mãos de qualquer pessoa. Isso é disruptivo, sem dúvida, e cria um potencial enorme para o bem e para o mal. Em um mundo repleto de fake news, uma ferramenta que potencializa a “criatividade negativa” das pessoas não é exatamente um sonho de consumo.
A IA Generativa também impulsionou o medo de que o ser humano fique obsoleto. Afinal de contas, se é possível, com alguns comandos em um prompt, criar textos e imagens tão bons quanto o que uma pessoa faria, onde vamos parar?
Automação ou “aumentação”?
Uma “dor” constante quando falamos em tecnologia é a automação das tarefas humanas. Com a Revolução Industrial, passou a ser possível fazer muito mais e, desde então, a tecnologia passou a nos substituir em várias atividades. Em vez de 50 pessoas, um trator. Em vez de 200 pessoas em uma linha de montagem em uma fábrica, alguns robôs. E por aí vai.
Na visão da maioria dos palestrantes do Web Summit – e também de muitas startups com quem conversamos durante o evento –, o caminho da Inteligência Artificial será diferente. Em vez de automação das atividades, a “aumentação” das nossas capacidades. No inglês fica muito mais bonito: automation X augmentation. Mas deu para entender, não é?
Um bom exemplo é a Realidade Aumentada: uma visão que mistura o real e o virtual para trazer mais possibilidades para o ser humano. Seja melhorando o entendimento de como um móvel ficará na sala ou como realizar a operação de um cérebro, a tecnologia tem um enorme potencial de facilitar atividades, mas sem tirar de cena o ser humano.
A Inteligência Artificial acelera movimentos como o dos digital twins, que são modelos digitalizados de coisas que existem no mundo físico, usados para, mais rápido, encontrar respostas para os problemas. A Fórmula 1 é um belo exemplo de como isso funciona: enquanto os mecânicos nas garagens dos autódromos se debruçam sobre os carros, 10 vezes mais profissionais estão trabalhando nos digital twins dos carros na sede das empresas, procurando encontrar alternativas para extrair um pouco mais de velocidade e potência em cada corrida.
Existem motivos para otimismo. No Web Summit, a cientista de dados Cassie Kozyrkov, CEO da Data Scientific e ex-líder de Decision Intelligence do Google, defendeu que a IA é uma ferramenta que poderá ajudar as pessoas a executar seu pensamento criativo. “As profissões do futuro serão menos operacionais e mais focadas em tomar decisões: resolver problemas, comunicar, projetar soluções, ser criativo”, afirmou.
Na visão dela, a Inteligência Artificial não pensa por nós – ela somente acelera (e muito) a nossa capacidade de lidar com grandes quantidades de dados. A própria IA Generativa é um exemplo de como o ser humano continua sendo muito necessário: se a tecnologia ajuda na criatividade, mas “alucina” de tempos em tempos, somos nós que precisaremos pensar sobre o que está sendo gerado e decidir usar ou não. “A IA encurta o tempo entre pensar e executar”, disse ela.
Se a tecnologia diminui o tempo entre a ideia e a realidade, sobra mais tempo para cada um de nós. Mais tempo para termos mais ideias, para pensar e para interagir com mais pessoas. No dia a dia, estamos sempre pressionados porque temos de fazer muito em pouco tempo. A tecnologia nos dá esse tempo extra para podermos olhar para o lado, enxergar o mundo de um jeito diferente.
E os negócios, no fim das contas, são feitos de pessoas para pessoas. Liberar mais tempo para estarmos frente a frente com gente é uma enorme vantagem. Quanto mais sairmos das telas e marcarmos presença junto de outras pessoas, maior nossa possibilidade de criar interações relevantes, de conhecermos outras realidades e de sermos mais humanos.
Surpreendentemente, o maior evento de tecnologia e inovação do mundo deixa uma lição bem ‘old school’: valorize o ser humano, pois ele é o que há de mais importante. Tecnologia? Ela deve ser usada para resolver problemas e construir um mundo melhor, não como um fim em si. Cabe a cada um de nós decidir como usar a tecnologia – e como melhorar a vida de quem está ao nosso redor.
Fone: Época Negócios