domingo,24 novembro, 2024

Útero artificial: progresso ou distopia?

A tecnologia dos úteros artificiais foi testada por quatro semanas em oito fetos de cordeiro cujo tempo de gestação equivalia de 22 a 24 semanas do desenvolvimento gestacional humano

“(Sr.Foster) descreveu a circulação materna artificial instalada em cada bocal no metro cento e doze; mostrou o reservatório de pseudo sangue, a bomba centrífuga que mantinha o líquido em movimento acima da placenta e o impelia através do pulmão sintético e do filtro de resíduos […]”, escrita em 1931, a clássica distopia Admirável Mundo Novo já abordava o conceito do que seriam máquinas capazes de simular úteros humanos.

É claro que, na época, o tópico não passava de um produto da mente criativa do autor. A ideia de que num futuro próximo (menos de 100 anos) tal desenvolvimento científico poderia se tornar real é, de fato, assustadora. Não é atoa que, na narrativa, fazia parte de um futuro incerto e temido.

Mas calma aí! Na prática, a ideia por trás dessa tecnologia não passa nem perto de criar seres biologicamente pré-condicionados a viver de acordo com as normas sociais impostas, como na obra de Aldous Huxley. Ela, na verdade, tem um objetivo muito diferente: salvar centenas de milhares de vidas.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um milhão de bebês prematuros morrem anualmente, sendo a prematuridade a segunda maior causa de morte infantil. Isso porque nascer antes do “prazo” mínimo, isto é, com menos de 37 semanas de gravidez, significa maior propensão a não ter todos os órgãos devidamente desenvolvidos.

Por causa disso e de outros fatores, a prematuridade pode levar a uma série de complicações e comorbidades a longo prazo. Apesar dos avanços na medicina terem ampliado a possibilidade de sobrevivência para aqueles nascidos com até 22 semanas, as taxas de doenças pulmonares crônicas ou transtornos neurológicos ligados ao subdesenvolvimento dos órgãos, como displasia broncopulmonar, por exemplo, subiram. Em outras palavras, isso significa que até mesmo os bebês sobreviventes são propensos a enfrentar problemas de saúde permanentes no futuro por causa de sua prematuridade.

Após o nascimento, é inviável que o feto retorne ao útero materno e fique lá por mais tempo até estar realmente preparado para vir ao mundo. Por isso, a maioria precisa ficar internada em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatais, onde recebem todo o suporte necessário para sobreviver, desde auxílio respiratório a nutrientes. Até mesmo esse período cauteloso e complicado nas UTIs não é capaz de extinguir possíveis riscos de saúde no futuro.

O objetivo do útero artificial, assim, é criar um ambiente semelhante ao ventre materno para que o bebê continue a se desenvolver completamente depois de seu nascimento prematuro, evitando a morte precoce e o surgimento de possíveis disfunções. Ele não é, de forma alguma, capaz de substituir o papel fundamental da genitora durante o desenvolvimento precoce fetal – a mais remota ideia de que bebês sem genitora existirão é completamente restringida à ficção científica.

O dispositivo é composto por três partes principais: uma bolsa de plástico, a BioBag, que protege o feto do contato com o exterior (assim como o saco vitelínico); uma solução eletrolítica, semelhante ao líquido amniótico, na qual o bebê fica mergulhado; e um circuito conectado à circulação sanguínea fetal para a troca de gases e inserção de nutrientes.

Um dos maiores desafios para a equipe de cientistas que desenvolveu a tecnologia foi recriar o complexo sistema circulatório que conecta a genitora ao feto, que além de realizar as trocas gasosas necessárias, também garante que o sangue flua na pressão necessária para não sobrecarregar e danificar o coração fetal.

Para isso, foi elaborado um mecanismo de circulação sem bomba (já que o bombeamento poderia alterar a pressão e, consequentemente, danar o coração), em que os vasos sanguíneos do cordão umbilical foram ligados a um oxigenador. O sangue era movido pelo sistema apenas pela força dos batimentos do próprio coração do feto, sem a necessidade de algo a mais que auxiliasse. Outro fator essencial para o sucesso circulatório foi o sistema bolsa-líquido, que permitia a troca de fluidos como ela seria feita no útero, removendo excretas, gás carbônico e etc.

A tecnologia dos úteros artificiais foi testada por quatro semanas em oito fetos de cordeiro cujo tempo de gestação equivalia de 22 a 24 semanas do desenvolvimento gestacional humano. Durante o período, seus pulmões e cérebros cresceram; abriram seus olhos; se mexeram; aprenderam a engolir; entre outras transformações observadas. Depois disso, foram levados a um ventilador regular, como ocorre com os bebês prematuros, e foi notado que a saúde deles estava tão boa quanto a de cordeiros da mesma idade que tinham acabado de nascer por cesariana.

Parte do grupo continua sendo acompanhada pelos especialistas para detecção de qualquer problema a longo prazo (por enquanto, eles continuam saudáveis!), enquanto a outra parte sofreu eutanásia para que seus órgãos pudessem ser examinados e analisados. Nessa parcela, notou-se que seus pulmões e cérebros (geralmente os órgãos mais afetados pela prematuridade) se desenvolveram como o esperado no útero materno, sem quaisquer danos. 

Ainda assim, não se pode afirmar que o dispositivo funcionará para humanos – afinal, somos diferentes de cordeiros, sobretudo no desenvolvimento cerebral. Há diversas preocupações a serem investigadas antes dos testes em seres humanos sequer serem cogitados. Por enquanto, os testes e monitoramentos dos cordeiros continuam, mas são necessários mais avanços na pesquisa para garantir a segurança de seu uso na espécie humana.

Por Luiza Alvernaz

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