sexta-feira,22 novembro, 2024

Threads: a nova aposta da Meta para o mercado de redes sociais

Thread the needle”. Em seu sentido literal, a expressão em inglês remonta à meticulosa tarefa de se passar o fio de costura por uma agulha, que reclama, ao mesmo tempo, precisão e paciência. Comum à cobertura jornalística de esportes norte-americanos, onde sinaliza o aproveitamento de estreitas janelas de passe pelos jogadores, o jargão alude, em seu sentido figurado, à destreza para se navegar por questões complexas [1].

De maneira coincidente, as conotações acima retratam a conjuntura de lançamento da plataforma Threads [2], a nova aposta da Meta para fazer frente ao Twitter [3] no concorrido segmento das redes sociais. Por meio de uma interface intuitiva e – até o momento – sem anunciantes, que permite a postagem de mensagens de texto de até 500 caracteres, vídeos de até 5 minutos e imagens [4], a ferramenta atingiu a expressiva marca de 100 milhões de usuários em apenas cinco dias [5].

Os impressionantes números resultam da cirúrgica estratégia empreendida pela desenvolvedora Meta, ao associar o produto à criação de maior prestígio em seu atual portfólio, o Instagram, que trouxe como herança, para a nova plataforma, muitos de seus usuários.

Avisos na aba de “Notificações” deste aplicativo comunicam a adesão de seguidores ao Threads e despertam a curiosidade em torno do seu funcionamento, enquanto o link alocado abaixo do nome de usuário nos perfis – que explicita a posição de ingresso na nova plataforma – fortalece a sensação de pertencimento e possibilita o instantâneo redirecionamento ao seu conteúdo.

Como bem aponta Diogo Cortiz [6], a facilidade de importação de informações pessoais e de contatos do Instagram contribuiu, em demasia, ao estrondoso sucesso de largada do Threads, ao eliminar a penosa tarefa de se configurar uma conta do zero. Some-se a isso a familiaridade dos adeptos do primeiro aplicativo à interface clara e acessível do segundo, que replica os seus característicos botões de curtidas, comentários, reação (republicar e citar) e envio de postagens.

Nesse contexto, o produto da big tech capitaneada por Mark Zuckerberg emerge como um potencial rival à altura do Twitter e de sua contraparte, o mega empresário Elon Musk. Após trocarem uma série de provocações e desafios voltados à realização de um combate de artes marciais mistas (Mixed Martial Arts – MMA) [7], os bilionários entraram novamente em rota de colisão com a popularização do Threads.

Ao responder a uma postagem jocosa do perfil Internal Tech Emails (@TechEmails) acerca do fenômeno, Musk afirmou que é “infinitamente preferível ser atacado por estranhos no Twitter, do que se entregar à falsa felicidade de se ‘esconder a dor’ do Instagram” [8]. A controversa declaração atine ao clima de insatisfação com os rumos tomados pela rede após o início de sua gestão e inflama o embate entre os CEOs, a ponto, de num recente post em sua conta, o magnata sul-africano ter direcionado xingamentos de ordem pessoal ao rival.

Tido como um antro de comentários incitadores do ódio e da desinformação, o Twitter vem se tornando o epicentro de episódios polêmicos, que vão desde o anúncio do serviço de assinatura de selos de verificação [9] até a recente limitação da leitura diária de posts [10]. Como consequência, acentua-se a busca por ambientes virtuais que viabilizem a exposição e o debate de ideias em consonância aos preceitos legais e democráticos.

A polêmica entre os CEOs da economia de plataformas[1] reflete-se na disputa de mercado: se, de um lado, o Twitter afirma ter vantagem mercadológica por promover a ampla e irrestrita liberdade de expressão, de outro, o Threads apresenta como principal chamariz a transmissão automática de informações pessoais oriundas do Instagram. Quem perde, nessa disputa entre os gigantes do mercado digital, são sempre os usuários, já que, no contexto da “Sociedade da Informação”, as redes sociais se tornaram esfera pública sob a qual não pode prevalecer apenas a lei concorrencial, mas toda uma gama de respeito a direitos fundamentais para o pleno exercício da democracia.

A discussão aufere maior relevância em terras brasileiras à luz do Projeto de Lei 2.630/2020 (PL das Fake News), voltado à regulação de plataformas de redes sociais, aplicativos de mensageria instantânea e ferramentas de busca, uma vez que, ao se equacionar o exercício da liberdade de expressão a necessárias salvaguardas protetivas, o Threads emerge como mais um ingrediente para as já polêmicas discussões em torno do PL.

Logo, diante de seu caráter embrionário, a prudência se faz necessária. Em adição a potenciais coletas e vinculações de dados de teor financeiro ou relacionados à saúde e ao condicionamento físico pelo app, sublinham-se os seguintes aspectos problemáticos: a) a falta de clareza quanto à necessidade e à finalidade da coleta; b) a ausência de solicitações de consentimento específico para o emprego de dados em anúncios e o compartilhamento com outras empresas; e c) o vício de consentimento para o ingresso na plataforma, ilustrado pela exigência de prévio cadastro no Instagram.

Ciente de tais questões, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) direcionou esforços para avaliar a conformidade do tratamento de dados pessoais vinculados à nova rede social aos ditames protetivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), de forma paralela ao adiamento do lançamento do aplicativo na União Europeia – atrelado ao receio da existência de possíveis violações à regulação regional sobre a temática, a General Data Protection Regulation (GDPR) [12].

Costurar linhas de texto a respeito dos desdobramentos do Threads constitui uma ingrata tarefa de “futurologia”, agravada pelo emaranhado de fios que interligam a plataforma ao intricado ecossistema do segmento. Apenas por meio de uma análise cautelosa e que avalie para além do afã atual do hype da rede, será possível desenrolar esse novelo de acontecimentos e acertar com prudência e precisão o alvo de endereçar os aspectos críticos que orbitam o seu funcionamento.

Tal como dizem lá fora, é preciso “thread the needle”.

[1] THREADING the needle. Golf Now, [S.l.], 25 jul. 2014. Disponível em: https://bit.ly/3NGueGe. Acesso em: 6 jul. 2023.

[2] O termo remete à noção de fio (thread), popularizada em plataformas como o Twitter e o Reddit, que representa uma série de postagens concatenadas em sequência,

[3] Comercializado como o “novo app de texto do Instagram”, o produto, na verdade, repagina uma antiga ideia da empresa, que desenvolveu um aplicativo homônimo para mimetizar os atributos do Snapchat e do Facebook Messenger. HAAS, Guilherme. O que é Threads do Instagram? Terra, [S.l.], 5 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3PPqbKj. Acesso em: 6 jul. 2023.

[4] CIRIACO, Douglas. Nova rede social da Meta, Threads já está disponível na web e no celular. Canaltech, [S.l.], 5 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3D4n9ua. Acesso em: 6 jul. 2023.

[5] THREADS chega a 100 milhões de usuários após 5 dias de lançamento. Poder360, [S.l.], 10 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3K4yXRb. Acesso em: 10 jul. 2023.

[6] A opinião do pesquisador ocupa uma de suas postagens iniciais no Threads, que pode ser acessada em: https://bit.ly/3NKvF6F. Acesso em: 6 jul. 2023.

[7] HOSKINS, Peter. Elon Musk e Mark Zuckerberg aceitam se enfrentar em luta livre. BBC, [S.l.], 22 jun. 2023. Disponível em: https://bit.ly/439SLsU. Acesso em: 6 jul. 2023.

[8] O tweet e a sua respectiva réplica podem ser encontrados em: https://bit.ly/3pCWOAk.

[9] BALU, Nivedita. Musk halts Twitter’s coveted blue check amid proliferation of imposters. Reuters, [S.l.], 22 nov. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3D3BE1m. Acesso em: 6 jun. 2022.

[10] TWITTER terá limite de leitura de 600 posts por dia para usuários sem verificação. Época Negócios, [S.l.], 1 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3JPqD7v. Acesso em: 6 jun. 2023.

[11] STEIL, Juliana. Threads da Meta capta dados bancários e viola LGPD, dizem especialistas. Valor Econômico, [S.l.], 7 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3PMKYOx. Acesso em: 7 jun. 2023. Outro aspecto controverso concerne ao êxito da plataforma. Observa-se, nos Termos de Uso do Threads, a possibilidade do usuário desativar temporiamente a conta, uma vez por semana. Contudo, a sua remoção por completo é condicionada à exclusão da conta originária do Instagram.

[12] ANPD realiza estudos para avaliar se nova rede social Threads respeita a LGPD. Ministério da Justiça e Segurança Pública, Brasília, 7 jul. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3rko339. Acesso em: 7 de jun. 2023

*Conceito explicitado por Victor Oliveira Fernandes (2022) como “negócios que realizam monetização de dados e informações digitais” e que criam verdadeiros “espaços virtuais” de interação humana.

Texto: TAINÁ AGUIAR JUNQUILHO e MILTON PEREIRA DE FRANÇA NETTO

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