Estudo da Fundação Grupo Boticário em parceria com a UNESCO no Brasil mostra a percepção dos brasileiros sobre as mudanças climáticas e expectativas por mudanças
Às vésperas da COP28, a reunião de clima da ONU que acontece de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, um estudo inédito mostra que as mudanças climáticas entraram de vez para o rol de preocupações dos brasileiros: para 91%, o assunto é importante ou muito importante e 80% estão preocupados ou muito preocupados com suas consequências. Sete a cada dez brasileiros já percebem que os eventos climáticos extremos estão se agravando.
Pudera: 2023 tem se mostrado um ano de impactos devastadores da crise do clima, com extremos de temperatura, incêndios florestais, secas severas no norte do Brasil e tempestades calamitosas no sul do país. O estudo foi realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em cooperação com a UNESCO no Brasil e o apoio da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA ) e da Aliança Bioconexão Urbana.
Com extremos climáticos se tornando um novo normal, a população anda assustada. Diante da previsão de chuvas fortes nas regiões onde moram, 64% dos brasileiros sentem medo. E 76% da população julga que as cidades brasileiras não estão preparadas para enfrentar chuvas fortes, tempestades ou alagamentos. A maioria dos desastres, inclusive, têm relação com a água, seja por excesso ou por falta dela.
Caros e dolorosos
Os impactos de um evento climático extremo são desestruturantes em várias frentes, deixando danos materiais, físicos e psicológicos. Ao serem questionadas se já foram impactadas diretamente por fenômenos climáticos extremos, 35% das pessoas disseram que sim. No entanto, 69% das pessoas disseram conhecer alguém que já foi afetado diretamente por fenômenos como tempestades, alagamentos e vendavais, entre outros.
Entre a parcela que já sofreu alguma consequência direta, 45% mencionaram chuvas fortes ou tempestades, 21% ventanias, 21% alagamentos, 20% ondas de calor, seguido por períodos longos de seca ou sem chuva (7%), e deslizamentos ou desmoronamentos (5%). E entre pessoas que já sofreram consequências diretas, 65% relatam que tiveram alguma perda financeira e o prejuízo médio estimado é de R$ 8.485,00 por pessoa.
A população mais impactada diretamente é a da região Sul (45%), seguida por Sudeste (36%), Norte (34%), Centro-Oeste (32%) e Nordeste (29%). O estudo também destaca que as pessoas conseguem reconhecer a relação entre as mudanças climáticas e diferentes fatores do cotidiano, como o aumento no preço dos alimentos, o desmatamento e ondas de calor na cidade e a extinção das espécies.
Existe para parte da população uma confusão entre mudanças climáticas — associadas a tendências duradouras das condições meteorológicas entre outras variáveis — e o tempo — associado a um estado momentâneo das condições meteorológicas de um local. Para 35% das pessoas, mudanças climáticas ainda são sinônimo para previsão do tempo. O entendimento sobre as causas e consequências das mudanças no clima varia de acordo com a escolaridade dos entrevistados.
Para 61% dos entrevistados, todas as classes sociais sentem os impactos das mudanças do clima da mesma forma, enquanto 39% não concordam com essa afirmação. Porém, as populações com menor renda e que vivem na pobreza tendem a ser mais impactadas, incluindo mulheres e meninas, pessoas negras, comunidades indígenas, comunidade quilombolas e tradicionais.
Mesmo conscientes de que os fenômenos extremos podem gerar problemas para todos, sabemos que esses impactos atingem as classes sociais e os diferentes países de formas distintas. Não se trata de uma questão meramente ambiental, é também uma questão ética e política. Como sociedade, precisamos avançar no entendimento sobre a justiça climática.
— Marlova Jovchelovitch Noleto, Diretora e Representante da UNESCO no Brasil.
NATUREZA COMO ALIADA
A percepção sobre riscos e soluções das pessoas quando se fala em clima também é orientada pela vivência de cada uma em seu bairro e cidade. Todo mundo sente a diferença de ter uma rua arborizada, por exemplo, ou a importância de ter saneamento básico, e parques públicos bem preservados. Tendo em vista que mais de 85% dos brasileiros vivem em zonas urbanas, tornar os municípios mais resilientes às mudanças climáticas passa também por reforçar a presença de infraestruturas verdes nas cidades e principalmente nas grandes metrópoles. E a população está atenta a essas relações sutis.
Nove a cada dez pessoas percebem que a sensação de calor é maior em regiões que não possuem áreas verdes. Tanto que 98% dos entrevistados gostariam de ter mais natureza em suas cidades, sendo ruas arborizadas quase uma unanimidade. Apesar disso, para 86% dos entrevistados, o verde está diminuindo cada vez mais. Existe também a percepção de que as áreas de risco para inundações e alagamentos estão aumentando, conforme a opinião de 78% dos entrevistados. Em outro indício do déficit de natureza nas áreas urbanas, 26% dos entrevistados disseram que moram em regiões que não possuem parques, bosques ou áreas verdes por perto.
Outras formas de convivência com a natureza nas cidades são menos observadas pela população. Metade dos entrevistados sabe da existência de corredores verdes em suas cidades – áreas naturais ao longo de uma faixa de ruas ou rios com vegetação. Apenas 23% têm conhecimento da existência de jardins de chuva – jardins projetados para reter água da chuva, prevenindo inundações; e somente 16% conhecem telhados verdes, construções com vegetação no telhado que ajudam a diminuir a temperatura interna nas edificações.
A natureza precisa estar no centro das soluções de nossas cidades. As chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que utilizam processos e ecossistemas naturais para enfrentar os desafios climáticos precisam ser consideradas cada vez mais pelos gestores públicos em todas as etapas do planejamento urbano”
— Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
Apesar das grandes batalhas climáticas necessitarem de atuação ampla e massiva do poder público, o engajamento cívico ajuda a pressionar pelas mudanças tão urgentes que necessitamos. Ações individuais também acabam pesando na atuação social. A pesquisa traz um dado interessante nesse sentido: 87% dos entrevistados afirmam que estão dispostos ou muito dispostos a mudar seus hábitos em benefício do clima.
Entre as mudanças mais citadas estão: reciclar e descartar o lixo corretamente (24%), plantar árvores (15%), evitar o uso de plástico (8%) e usar meios de transporte menos poluentes (8%). Entre as pessoas dispostas a mudar de hábitos, 19% não sabem exatamente o que fazer, daí a importância da disseminação de conhecimento e pesquisa que ajudem a entender a percepção pública sobre mudanças climáticas.
Para o reitor do Instituto ANAMMA (Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente), Marcelo Marcondes, os gestores das cidades devem estar mais sensíveis ao novo cenário climático e precisam implementar políticas públicas adequadas, além de ampliar o debate da educação ambiental. “Temos que criar governança nos municípios, capacitar os gestores e entender a importância de incorporar as Soluções baseadas na Natureza nas políticas de gestão territorial, visando minimizar os impactos atuais e garantir melhores condições às gerações futuras”.
Texto: Um só Planeta