Empresas buscam soluções com nova matriz energética
A relação entre churrasco e emergência da mudança climática não está somente na origem do gado em área desmatada. Também o carvão usado na churrasqueira é fator de impacto pela extração predatória da lenha na floresta ou pela emissão de carbono. No Amapá, a solução vem do principal resíduo do beneficiamento do açaí, estrela da sociobiodiversidade amazônica, em expansão no mercado nacional e mundial. O caroço do fruto, um problema ambiental devido ao descarte de grandes quantidades, é matéria-prima de bionegócios que chegam às prateleiras com a promessa de favorecer hábitos mais sustentáveis.
“Com produção de madeira [tropical] cada vez mais escassa nas florestas, a tendência é a busca de biocombustíveis via materiais que antes iam para o lixo”, diz Alex Pascoal, CEO da startup Carvão de Açaí. A empresa de Macapá vende 5 toneladas por mês no Amapá e para a vizinha Guiana Francesa, contribuindo para desviar do lixo entre 100 e 120 toneladas anuais de caroço. “A alternativa tem maior poder de queima e emite menos fumaça, ideal para apartamentos”, conta Pascoal, cujo pai entrou no ramo décadas atrás para vender carvão vegetal a partir de sobras do manejo florestal de madeira.
Após receber premiações internacionais e participar de mentorias, o plano é captar investimento para aumentar em dez vezes a atual produção, sem emissão de carbono nos fornos da empresa. “Vamos olhar o mercado de siderurgia e lançar nova linha de carvão gourmet com aromas da biodiversidade amazônica”, anuncia Pascoal, na expectativa exportar também para Portugal e China.
A startup DCO, de Belém, aproveita a correnteza de rios para gerar energia por meio de microturbinas hidrocinéticas. Com velocidade da água entre 0,2 m/s e 1 m/s, comum na região, é possível gerar entre 150 e 350 kWh/mês, suficientes para abastecer até três famílias ribeirinhas com geladeira ou refrigerador, TV, cinco lâmpadas, roteador, bomba d’água e máquina de processar açaí.
O sistema opera de modo ininterrupto e pode ser integrado a fonte solar, permitindo o uso, por exemplo, de câmaras frias. Protótipos foram desenvolvidos a partir de pesquisas da Universidade Federal do Pará (UFPA), com adaptação aos diferentes locais e facilidade de montagem e manutenção pelos próprios ribeirinhos. “Avançamos em melhorias que garantem a operação da turbina em cursos d’água que sofreram os efeitos das mudanças climáticas”, diz Leila Pother, CEO da empresa, que quer iniciar a produção em escala de 120 turbinas por mês, com investimento de R$ 1,3 milhão.
“Precisamos reinventar a mobilidade fluvial para impulsionar a bioeconomia e proteger a Amazônia no cenário climático”, observa Zbig Kosak, CEO da E-Ubá, sediada em Manaus. A startup aposta na tecnologia de barcos solares para maior autonomia e redução de custos no transporte de passageiros e carga, hoje dependentes do combustível fóssil.
Além de lanchas de 15 Hp para seis pessoas e rabetas (canoas típicas do transporte ribeirinho) elétricas, o negócio prevê centrais de carregamento por baterias em pontos estratégicos nos rios. “O custo é pago entre dois e três anos”, estima o empresário, na expectativa de captar R$ 10 milhões para iniciar a produção de até dez embarcações por mês.
Por Sérgio Adeodato, Valor — São Paulo