Usando bactérias que se alimentam de resíduos, Malai produz um material orgânico, versátil e ainda biodegradável
“O lixo de uns é o tesouro de outros”, diz o provérbio. Foi com esse olhar que um engenheiro mecânico indiano e uma pesquisadora de materiais eslovaca desenvolveram uma espécie de couro com, acredite, restos de água de coco.
O Malai, nome do biocomposto e também da startup que Susmith CS e Zuzana Gombosova fundaram, é feito de celulose bacteriana inteiramente orgânica e sustentável, cultivada a partir de resíduos agrícolas da indústria do coco na Índia, que poluíam o solo.
Trata-se de um material flexível e durável, como couro ou papel, e resistente à água. E mais: por não conter absolutamente nada artificial, não causa alergias ou intolerâncias. “É um produto totalmente vegano e você pode até comê-lo! Mas é lindo demais para isso”, brincam os empreendedores.
A ideia saiu do papel em 2017 e, depois de dois anos focados no desenvolvimento e aprimoramento do produto, em 2019 a primeira coleção de acessórios de moda feitos de Malai foi lançada.
A escolha pelo mercado fashion teve como motivação o fato de esta ser a segunda indústria mais poluente do planeta, atrás apenas da petrolífera.
Como o malai é produzido
A empresa trabalha com produtores de coco e unidades de processamento no sul da Índia, que após terem retirado a polpa branca do interior dos cocos maduros se deparavam com muita água de coco residual. Esse líquido era lançado no sistema de drenagem, gerando poluição da água e acidificação do solo.
É aí que entra o trabalho da startup: ela coleta esse líquido, esteriliza e reaproveita para sustentar os microrganismos na produção de celulose. Uma pequena unidade de processamento pode coletar 4.000 litros por dia.
“É um nutriente totalmente natural, rico em energia, do qual nossa cultura bacteriana pode se alimentar. Combinamos o nutriente e a cultura e depois deixamos as bactérias fazerem o seu trabalho”, explica o site da empresa.
O período de fermentação é de 12 a 14 dias. Depois, o material passa por um processo de refinamento, em que é enriquecido com fibras naturais, gomas e resinas para se tornar mais durável e macio.
Nessa etapa, ele pode ser formatado em folhas planas, em uma variedade de espessuras e texturas, ou ser moldado em estruturas tridimensionais para criar vasos e outros objetos sem costura.
Por fim, o Malai ganha cor com a ajuda de corantes naturais da Índia, em um método patenteado de tingimento em lote a frio.
Esse tingimento, aliás, é outro diferencial: a marca prioriza práticas ecologicamente corretas em detrimento do design. “Nós nos concentramos no design de materiais e não no design de produtos”, disse Gombosova ao site indiano HomeGrown. Por isso, a paleta de cores que a Malai oferece não é escolhida pela estética, e sim pelas opções de corantes naturais disponíveis.
Passadas essas etapas, o Malai está pronto para confeccionar diversas peças como bolsas, carteiras e calçados, além de atender fabricantes de outros segmentos como decoração e automotivo.
Para tudo isso acontecer – desde a coleta da água de coco até o material se transformar em bolsas, carteiras e calçados –, além dos profissionais de P&D, produção, marketing e vendas, também fazem parte da fabricação uma série de especialistas em microbiologia, ciência de materiais, química e engenharia mecânica.
Novidade já é usada em diversos países
A sede da startup fica em Cochin, na região de Kerala, sul da Índia, e também há operações na Eslováquia, terra natal de Zuzana. Para os próximos anos, os planos são de expansão, especialmente no mercado indiano.
“Estamos trabalhando para aumentar a produção da forma mais sustentável, coletando e validando os dados de cada etapa”.
Enquanto isso, marcas mundo afora já vêm adotando o biomaterial. Além da Índia, o Malai está nas vitrines de quase 15 países, principalmente na Europa, na América do Norte e na Ásia. Na América do Sul, já é possível comprar peças com o couro feito com água de coco no Chile.
Moda circular
Pela composição 100% natural, o Malai é sensível à umidade assim como o couro e o papel. Por isso, para mantê-lo hidratado, a fabricante recomenda que seja aplicada uma fina camada de cera de abelha (para sapato ou para móveis) ou óleo de coco, especialmente nas épocas mais secas do ano.
O material não sobrevive a uma lavagem na máquina, porém, os consumidores não precisam se preocupar se derramarem algo ou a peça ficar suja. Basta limpar com um pano úmido, deixar secar ao ar livre e reaplicar a cera.
Apesar de resistente e projetado para permanecer em boas condições por anos e anos, uma hora o Malai começa a ficar quebradiço. “Não podemos prever quando exatamente isso vai acontecer, porque depende do tratamento dado pelo consumidor e do ambiente”, explica a empresa. Porém, se bem cuidado, ele dura de 4 a 8 anos.
Quando isso acontecer e o produto chegar ao fim de sua vida útil, o círculo se fecha: o consumidor pode descartar o seu Malai numa caixa de compostagem (retirando as partes metálicas, claro) e ele será consumido pelos microrganismos presentes no composto em até três meses, dessa vez sem deixar resíduos tóxicos permanentes no solo. É o coco, lá do início de tudo, voltando para a natureza.
Pela ideia inovadora e sustentável, a empresa venceu, em 2020, o Circular Design Challenge, a maior premiação indiana de moda circular.