Ao inverter a lógica do falso dilema entre preservar ou gerar renda, a sociobioeconomia comprova que é possível impulsionar o crescimento econômico sem comprometer a natureza
A sociobioeconomia é um modelo interdisciplinar que une as dimensões social, biológica e econômica do desenvolvimento. Em vez de se limitar ao aproveitamento de recursos naturais, ela propõe um equilíbrio entre a valorização da biodiversidade, o fortalecimento das comunidades locais e a geração de riqueza. Mais do que uma alternativa à bioeconomia tradicional, a sociobioeconomia amplia seu escopo, agregando princípios mais robustos e uma visão mais sistêmica. Na Amazônia, por exemplo, pesquisadores defendem que ela deve incorporar a diversidade biocultural, integrando os sistemas naturais às culturas humanas, e fortalecer as economias indígenas, tradicionais e locais.
Diante dos desafios urgentes das mudanças climáticas, da perda acelerada de biodiversidade e das crescentes desigualdades sociais, a sociobioeconomia se consolida como um caminho necessário para que prosperidade econômica, inclusão social e conservação ambiental caminhem juntas. Seu diferencial está em promover usos responsáveis dos recursos naturais sem depender da degradação dos ecossistemas. Modelos como a agroecologia, o manejo florestal comunitário e o ecoturismo não apenas capturam carbono e preservam a floresta em pé, mas também diversificam as economias locais, fortalecendo sua resiliência.
Ao inverter a lógica do falso dilema entre preservar ou gerar renda, a sociobioeconomia comprova que é possível impulsionar o crescimento econômico sem comprometer a natureza.
A proposta vai além da economia e alcança uma dimensão ética. O desenvolvimento deve respeitar direitos sociais e culturais, garantindo que povos tradicionais e comunidades locais sejam protagonistas e beneficiários diretos da riqueza gerada. Os princípios fundamentais incluem desmatamento zero, equidade social e a valorização das culturas locais e da biodiversidade. A justiça econômica e ambiental não pode ser dissociada da justiça social.
Para empresários e investidores, a sociobioeconomia representa uma oportunidade de negócios concreta e crescente. A demanda global por produtos e serviços sustentáveis é cada vez maior, e as projeções indicam que impulsionar a bioeconomia amazônica poderia gerar até US$ 284 bilhões por ano em faturamento industrial adicional até 2050. Exemplos reais demonstram esse potencial: a cadeia do açaí, antes restrita a economias locais, movimentava cerca de US$ 50 milhões anuais há duas décadas. Hoje, esse valor chega a US$ 1,2 bilhão por ano na Amazônia e a US$ 15 bilhões globalmente. Em um curto espaço de tempo, a valorização de um produto da sociobiodiversidade multiplicou seu impacto econômico, provando que negócios sustentáveis podem escalar e ser altamente lucrativos.
Além do potencial de mercado, a sociobioeconomia impulsiona inovação e competitividade para empresas. A incorporação de conhecimentos tradicionais e de recursos biológicos únicos permite o desenvolvimento de produtos diferenciados e cadeias de suprimentos mais resilientes. A Natura é um exemplo claro desse modelo: suas linhas de cosméticos baseadas em ativos da biodiversidade amazônica — como ucuúba, andiroba e açaí — foram desenvolvidas em parceria com comunidades locais, gerando benefícios mútuos. Um estudo recente apontou que, em municípios onde a empresa atua na Amazônia, foram preservados até 1,8 milhão de hectare de floresta, evitando sua conversão para monoculturas e retendo cerca de 58 milhões de toneladas de carbono. A conservação ambiental foi internalizada na lógica de negócios, criando valor tanto para as comunidades quanto para consumidores dispostos a pagar por produtos sustentáveis. Empresas que adotam esse modelo, além do retorno financeiro, também fortalecem sua reputação, reduzem riscos ambientais e regulatórios e acessam mercados premium cada vez mais exigentes.
O capital institucional começa a reconhecer a sociobioeconomia como uma alavanca para o desenvolvimento sustentável, alinhando retorno financeiro e impacto positivo. Para os investidores, isso se traduz em portfólios mais diversificados e na garantia de mercados futuros, pois economias locais fortalecidas tendem a crescer de forma sustentável. Adotar esse modelo significa obter um duplo dividendo: valor econômico e valor social-ambiental, mitigando riscos e abrindo novas fronteiras para negócios responsáveis.
No Brasil, iniciativas bem-sucedidas demonstram o potencial transformador desse modelo. A cooperativa CAMTA, em Tomé-Açu, Pará, desenvolveu sistemas agroflorestais diversificados que combinam culturas perenes, frutas e outros produtos nativos. Com esse modelo, consegue obter rentabilidade de cerca de US$ 1.000 por hectare ao ano, enquanto a pecuária extensiva na mesma região gera apenas US$ 100 por hectare. Esse contraste revela um dado incontestável: ao imitar a diversidade da floresta, a produção agroflorestal multiplica em dez vezes o rendimento de modelos baseados no desmatamento, permitindo prosperidade econômica sem devastação ambiental.
Os exemplos concretos reforçam que a sociobioeconomia é uma estratégia viável e necessária para o futuro. Seja pelos resultados econômicos, seja pelos benefícios sociais e ambientais, é evidente que esse modelo exige mais atenção e investimentos. Hoje, ainda há um enorme déficit de capital: entre 2021 e 2023, produtos da sociobiodiversidade financiados via crédito rural receberam apenas 2% do montante destinado à soja, demonstrando a urgência de uma alocação mais equilibrada de recursos.
Para investidores comprometidos com o futuro, apostar na sociobioeconomia significa antecipar tendências e participar ativamente de soluções globais de desenvolvimento. Financiar cadeias produtivas sustentáveis não apenas garante retorno financeiro, mas fortalece a resiliência socioambiental do Brasil e de seus mercados. A pressão internacional por cadeias livres de desmatamento e o crescimento do consumo responsável indicam que aqueles que liderarem essa transição terão vantagens competitivas significativas.
A sociobioeconomia é uma oportunidade única de unir lucro e propósito.
Por: Fabio Alperowitch