Há uma visão dominante de que a inteligência artificial (IA) é o ápice do progresso humano, um monumento à complexidade técnica e à genialidade científica. Entretanto, essa narrativa esconde um paradoxo interessante: enquanto construímos sistemas cada vez mais sofisticados, talvez estejamos negligenciando o maior tesouro de todos: a simplicidade. Quanto mais a tecnologia avança, mais esquecemos que o humano é, em essência, simples. Ser humano não é apenas criar, mas sentir, perceber, transcender. Talvez seja justamente nessa desconexão com o simples que resida o maior desafio desta era: lembrar que, embora as máquinas simulem genialidade, é na simplicidade que a alma humana encontra sua maior sofisticação. 

Não a simplicidade que confunde ignorância com pureza, mas aquela que surge como um ato de transcendência. É a capacidade de enxergar além do ruído, de descomplicar sem desvalorizar, de reconhecer que a vida humana, por mais avançada tecnologicamente, sempre se apoia no essencial: sentido, propósito, conexão.   

Em um mundo tão focado em produtividade e inovação, muitas vezes somos tentados a acreditar que precisamos de ideias grandiosas para sermos relevantes. A complexidade tornou-se uma espécie de fetiche moderno, com soluções mirabolantes ganhando destaque em detrimento daquilo que é essencial. É o que Friedrich Nietzsche já alertava ao dizer que “há pessoas que escurecem suas águas para fazê-las parecer profundas.”  

Muitas vezes, subestimamos o impacto das pequenas ações. Mas, como a simplicidade nos ensina, é o conjunto de atos diários, feitos com amor e consistência, que gera as maiores transformações. Uma ideia revolucionária não precisa nascer de um laboratório de tecnologia avançada; pode vir de uma conversa, de um gesto de gentileza, ou da capacidade de enxergar o que ninguém mais vê.   

Tendemos a opor máquina e homem, como se estivéssemos em lados opostos de uma batalha. A IA não é um rival, mas um reflexo. Suas estruturas são inspiradas em redes neurais humanas, sua lógica deriva da nossa razão, seus usos dependem de nossas escolhas. Assim, a verdadeira diferença não é técnica, mas ontológica. Nós sentimos, criamos a partir do vazio, nos emocionamos com a imprevisibilidade da vida.   

É aqui que a simplicidade entra como um ato revolucionário. Quando removemos as camadas de complexidade desnecessárias, revelamos a essência da criação. Não para competir com máquinas, mas para resgatar a originalidade do humano.   

Uma pedra bruta não é defeituosa. Ela carrega, em sua simplicidade, o potencial para a perfeição. Do mesmo modo, o humano não precisa se tornar uma máquina para avançar. Precisamos, sim, redescobrir o que já está em nós: o poder de transformar o simples em sublime.   

Um pensamento emerge quando interpretamos a IA como uma extensão da nossa espiritualidade e não apenas da nossa lógica. A IA não é apenas tecnologia, mas também uma expressão de como vemos o mundo. Ela é uma tentativa de dar forma ao que imaginamos como infinito.   

Allan Kardec afirmava que o progresso tecnológico e moral são faces de uma mesma moeda. Cada avanço técnico é um convite ao aprimoramento ético. A IA, portanto, não é uma ameaça, mas um espelho. Ela nos força a perguntar: o que estamos programando? Sistemas que aumentam o conforto ou que promovem a dignidade?   

Nesse ponto, a simplicidade se torna uma bússola. Em vez de buscar soluções exageradas, podemos criar ferramentas que resgatem o essencial. Imagine, por exemplo, uma IA que não apenas otimize processos, mas que seja capaz de ampliar a capacidade humana de sentir empatia. Não como uma dissimulação de emoções, mas como uma interface que nos ensine a sermos mais humanos.   

Em tempos onde o tangível é glorificado, a simplicidade nos lembra que é no invisível que reside a força. Um sistema de IA pode gerar dados impressionantes, mas não pode captar o silêncio carregado de significado em uma conversa humana. Pode organizar ideias, mas não é capaz de criar o absurdo genial de uma obra de arte.   

Assim, um programador que cria um código funcional e belo está, na verdade, realizando um ato artístico. Ele traduz a ordem invisível em algo concreto.  Da mesma forma, um líder que usa a tecnologia para simplificar processos não está apenas melhorando o mundo corporativo. Ele está tocando na essência do progresso humano: a capacidade de fazer mais com menos, de usar o tempo, nossa única moeda não renovável, com sabedoria.   

Se olharmos pela perspectiva da ética, a simplicidade é um ato de resistência. Enquanto o mundo acelera, simplificar é desacelerar o suficiente para enxergar o outro. É criar tecnologia que valorize o humano, não que o substitua. Lembremos que as atividades são substituídas e não as pessoas. 

A tecnologia não deveria apenas aumentar nossa produtividade, mas também nos ensinar a desacelerar. O tempo é um dos símbolos mais poderosos. Ele representa a impermanência e a necessidade de construir algo eterno dentro de nós. E a IA, quando usada com sabedoria, pode ser essa ferramenta de reconexão. Não um fim em si, mas um meio para redescobrir o que realmente importa.   

Leonardo da Vinci afirmou que “a simplicidade é o último grau da sofisticação”. Isso nunca foi tão verdadeiro. Num projeto, no pensamento estratégico, na vida cotidiana, a simplicidade não é um ponto de partida, mas um destino. Ela exige esforço, reflexão, coragem de remover o supérfluo.   

A verdadeira inovação não está em criar algo inalcançável, mas em conectar o que já existe de forma nova. Não está em complicar, mas em transformar o trivial em eterno.   

O futuro não será construído pelas mãos que competem com máquinas, mas pelas que encontram propósito no essencial. A inteligência artificial, por mais avançada, nunca poderá substituir a força de um gesto simples: um olhar sincero, uma palavra de consolo, uma ideia que une em vez de dividir.   

Portanto, o desafio não é sermos mais complexos que as máquinas, mas mais humanos. Resgatar a simplicidade não é retroceder; é avançar para dentro, para a essência, para o que nos faz eternos. Na simplicidade, encontramos o infinito que nem os algoritmos podem calcular.  

Em um mundo onde todos buscam o extraordinário, é na simplicidade que encontramos o inesperado. Pense nos pequenos prazeres que realmente tornam a vida significativa: uma conversa sincera, um gesto de carinho, o brilho de um pôr do sol. Esses momentos, embora pareçam insignificantes, são os que mais nos conectam com nossa essência.   

E no contexto da inteligência artificial, é exatamente essa essência que devemos preservar. Enquanto as máquinas nos ajudam a realizar o que é difícil, somos nós que trazemos à tona o que é significativo. Somos nós que atribuímos propósito, emoção e valor.   

Sandro Brandão
Sandro Luís Brandão Campos, Mestre em Propriedade Intelectual e Bacharel em Ciências da Computação pela UFMT, atua como Secretário Adjunto de Planejamento e Governo Digital do Estado de MT. Ele possui várias pós-graduações em áreas como E-Business, Gestão Estratégica e Pública, além de certificações em Segurança da Informação e Gerenciamento de Serviços de TI. Com 22 anos de experiência no serviço público, é palestrante e professor, com foco em Transformação Digital e Inovação. Suas ações e pesquisas em Governo Digital renderam premiações nacionais e reconhecimentos internacionais, incluindo o Prêmio Excelência em Governo Digital da ABEP-TIC.