ASemana de Arte Moderna completa esta semana 100 anos com suas rupturas com o tradicionalismo e pelo interesse naquilo que seria nacional. No centenário do movimento cultural o olhar está cada vez mais voltado para desdobramentos que apontam para diferentes caminhos e espaços do Brasil. A passagem dos 100 anos da semana que movimentou 1922 é também um movimento de inspiração para reflexões sobre a arte em suas diferentes expressões.
A professora Thaís Leão Vieira, do departamento e do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), destaca que aspectos daquilo que marca a Semana de Arte Moderna são bem anteriores a 1922. “Em primeiro lugar há que se pensar que a Semana de Arte Moderna e suas características mais conhecidas como a ruptura com o tradicionalismo, a influência das vanguardas artísticas europeias, a renovação com a linguagem, o interesse por “coisas nacionais”, já estavam postas em questão no Brasil desde o final do século XIX”, explica a professora ao tratar de como é possível caracterizar a semana em seu impacto artístico e cultural no Brasil.
Quando questionada sobre os desdobramentos na produção artística atual a partir dos acontecimentos da Semana de Arte Moderna, a professora chama a atenção para pensar em modernismo para além de algo singular. “É sempre complexo falar em desdobramentos diretos de qualquer evento, mas se podemos refletir em algo que a Semana de Arte Moderna nos inspira hoje é pensar nos sentidos de modernismos que, infelizmente, foram sendo engessados a partir de um grupo específico”, ressalta Thaís Leão Vieira que escreveu o capítulo de livro “Outros lados, outras derivas: revistas, movimentos e debates modernistas em Mato Grosso”, ainda no prelo.
Na visão da professora Thaís Leão Vieira é preciso considerar a heterogeneidade em que a arte está inserida para considerar os reflexos da Semana de Arte Moderna até mesmo sobre a produção artística em Mato Grosso. “É preciso levar em consideração que nem mesmo os paulistas formaram um grupo homogêneo e que, as várias expressões dos modernismos no Brasil a exemplo de Mato Grosso não podem ser colocados à margem da semana de arte moderna em São Paulo”. pontua a professora que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa em História, Linguagens e Cultura (GEPEHLC).
Tradição esteve presente entre modernistas
Olhar para uma arte genuinamente brasileira é um ponto central na representação do modernismo. “Uma das grandes ideias sobre como o modernismo influenciou a cultura brasileira é a de uma arte moderna que representasse um país não mais agrário, escravocrata e oligárquico, essa visão é o cerne da ruptura com a tradição, o chamado passadismo. No entanto, Silviano Santiago “Nas Malhas da Letra” (2002) chama a atenção que o discurso de tradição esteve presente desde os primeiros modernistas, sobretudo após a viagem de alguns deles — como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral — a Minas Gerais, em 1924, para conhecer a obra de Aleijadinho, que entendiam ser uma arte genuinamente brasileira”, analisa a professora.
Para Thaís Leão Vieira “O fato é que o distanciamento que grande parte dos escritores brasileiros tinha da realidade do país “fazia com que a paisagem de Minas barroca surgisse aos olhos dos modernistas como qualquer coisa de novo e original, dentro, portanto, do quadro de novidade e originalidade que eles procuravam”. A professora chama a atenção para momentos em que há a presença nítida de uma restauração do passado no modernismo. “Imbuídos de uma positividade relativa à imagem de modernidade projetada pelas vanguardas artísticas, poetas como Oswald de Andrade e Mário de Andrade viajaram em busca do Brasil colonial”, comenta.
Obras apontam caminhos para compreender movimento
De acordo com a professora há dois livros que ajudam a compreender em profundidade a Semana de Arte Moderna em suas origens. “Um é o livro “Brasil Novo – Música, Nação e Modernidade: Os anos 20 e 30” recém publicado pela editora Verona, fruto de livre docência (1988) do professor Arnaldo Daraya Contier, em que ele mostra que a questão do nacional trata-se de uma polêmica posta desde os fins do XIX, em que artistas eruditos, com uma diversidade de referências, se interessaram pela assimilação de temas populares na música erudita”, relata a professora Thaís Leão Vieira.
As mudanças influíram até mesmo na política brasileira. “Muitos deles em razão da nacionalização da música brasileira envolveram-se na revolução de 1930 e no golpe de 37”, aponta a professora. A segunda obra que a professora considera importante é o livro de Nicolau Sevcenko (1992) “Orfeu Extático na Metrópole”. Ela explica que “o historiador demonstra como a atmosfera da aceleração, da velocidade, euforia, especialmente no contexto da cidade de São Paulo testemunhou uma transformação de uma cultura baseada no discurso e na fala para uma cultura da ação”.
De acordo com a professora a consequência destas transformações está representada em uma cultura “onde o culto ao corpo, aos esportes, às inovações tecnológicas não raro serviram para a exaltação de uma cidade moderna, que convivia na realidade com uma população submetida a opressões e privações”.
Fonte: UFMT