A frustração com experimentos que dão errado, com a falta de financiamento e com a constante pressão por produtividade e avaliação dos pares pode levar muitos jovens pesquisadores à desistência. Por essa razão, é fundamental ter bons mentores dispostos a te puxar e incentivar a seguir em frente.
Esse é o ensinamento do laureado do Nobel em medicina ou fisiologia de 2019 William G. Kaelin, professor da Universidade Harvard e do instituto Dana-Farber Cancer.
“O que posso dizer aos jovens pesquisadores e, quem sabe, futuros laureados do Nobel é: encontrem bons mentores e modelos inspiradores”, disse o pesquisador, em palestra na última terça-feira (29) no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, organizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação da USP em parceria com a AstraZeneca.
“Cheguei a quase desistir mais de uma vez. Pensava ?vou voltar à prática médica e vou ter uma vida satisfatória?. Mas felizmente o meu mentor, David Livingston, do Dana-Farber Cancer, me puxou e encorajou a continuar”, afirmou ele à reportagem.
Kaelin dividiu a láurea em 2019 com Peter Ratcliffe e Gregg Semenza pela pesquisa que procura entender como, mecanicamente, as mutações que afetam os genes supressores de tumor causam câncer. Ele descreveu o mecanismo celular de resposta à alteração no teor do oxigênio e, simultaneamente com Ratcliffe, quais os sinalizadores moleculares que podem ativar e desativar esse sistema.
“Na faculdade, iniciei um projeto onde tudo podia dar errado, inclusive o orientador. É aquela coisa, você solta uma criança em uma piscina, ou ela aprende a nadar, ou ela se afoga. No meu caso, eu me afoguei, junto com demais que trabalharam no mesmo projeto antes de mim. Depois fui perceber que o problema não era eu ou minha capacidade intelectual, era o projeto em si que era problemático”, afirmou.
Mesmo com a experiência negativa, ele não desistiu da ciência. Entrou na faculdade de medicina da Universidade Duke, onde colaborou com Randy Jirtle em seu primeiro estudo.
“Alguns anos depois, na escola de medicina Johns Hopkins, tive um mentor que me ajudou a seguir em frente e me ver prosperar. Mas a virada mesmo ocorreu quando me tornei um pós-doutor associado no laboratório de Livingston. É como se antes eu estivesse jogando na liga menor e saltei para a grande liga, usando uma metáfora do beisebol”, disse.
Os passos seguintes foram fundamentais não só para construir sua jornada científica que o levaria até o Nobel, mas também para moldar a sua própria personalidade como cientista: humilde, discreto, dedicado, acolhedor e com a capacidade de rir de si próprio.
“Mas também devo dizer que tive muita sorte e privilégio. Além de estar em instituições que acreditam e investem em ciência, tecnologia e educação, ter um ecossistema de pesquisa onde você se conecta com pessoas talentosas e há um estímulo pela troca de informações é muito bom. Então, mesmo os percalços que podem surgir, e que são vários, fazem valer a pena”, explicou.
A palestra de Kaelin fez parte do programa Nobel Prize Inspiration Initiative, que busca conectar os ganhadores do Nobel com a comunidade científica mundial, principalmente ao público de jovens cientistas. E ele acredita fortemente no poder transformador de um bom exemplo na educação e crescimento do jovem cientista.
Segundo ele, sua infância foi permeada de muita curiosidade e uma certa liberdade dos pais, que o deixavam explorar. Seu brinquedo favorito na época era um microscópio e um kit de ciências ?o que ele entende hoje como sendo um plano do governo americano de gerar interesse em ciências nas crianças pensando nos futuros engenheiros e matemáticos.
“Eu era muito curioso quando criança. Acho que hoje há um problema na rotina das crianças estruturada para cada minuto ser preenchido com uma atividade e é preciso deixá-los explorar e usar a imaginação, e não apenas decorar aquilo que é ensinado mil vezes. Estimular o pensamento crítico e fazer perguntas é fundamental”, afirmou.
Kaelin lembra-se de um recorte de jornal da época em que estava no ensino médio e foi selecionado para ser o primeiro estudante a usar o terminal de computador instalado na escola. Ao ser indagado se imaginaria que, 49 anos depois, estaria estampando os jornais de todo o mundo com o prêmio Nobel, ele diz que não.
“Uma coisa que acho importante é que é claro que é maravilhoso ganhar o Nobel, mas há muita coisa nesse caminho que foge do controle, então esse não deve ser o objetivo de uma pesquisa acadêmica. A verdadeira alegria é fazer o que você ama e, ocasionalmente, se revelar algo que nunca foi revelado antes, e aquela descoberta levar a um tratamento melhor, esse é o verdadeiro prêmio.”
Sua pesquisa levou ao desenvolvimento de drogas supressoras de tumores, atualmente licenciadas por algumas empresas farmacêuticas para o tratamento de determinados tipos de câncer renal, com um impacto significativo na vida de milhares de pessoas.
Texto: ANA BOTTALLO