O Brasil em sintonia com as melhores práticas e iniciativas internacionais regulamentou, em 2019, o direito de toda pessoa jurídica ou pessoa física desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas jurídicas infralegais se tornarem obsoletas, por força de desenvolvimento econômico tecnológico consolidado internacionalmente, via Lei de Liberdade Econômica (LF 13.874/19, art. 3º, VI). Na sequência, em 2021, o Marco Legal das startups e do empreendedorismo inovador considerou, em síntese, que sandbox regulatório é o ambiente regulatório experimental para as pessoas jurídicas receberem autorização temporária dos órgãos públicos competentes para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, antes da tomada da decisão estatal (LC 182/21, art. 2º, inciso II).
Pois bem, sandbox ou a experimentação de soluções em nível local é um caminho que se aplica também para um maior número de municípios do Brasil se tornarem cidades inteligentes transpondo os empecilhos regulatórios e legislativos de normas obsoletas criadas há mais de 50 anos. O termo sandbox (caixa de areia) tem origem na área de desenvolvimento de software visando à implementação de ambientes de testes de códigos, ou seja, no cenário do SDLC – Systems Development Life Cycle (o “ciclo de vida de desenvolvimento de software”) propiciando um laboratório valioso para que aspectos de segurança cibernética, sejam testados e validados, antes de sua operacionalização. Não é sem razão, que foi nos Jogos Digitais o uso do termo sandbox, como um estilo de game com ampla liberdade ao player para alterar seu ambiente com limitações mínimas para o personagem jogar conforme sua vontade.
É importante registar, que o Reino Unido (2016) via Financial Conduct Authority (FCA) regulamentou o sistema financeiro para testes no setor das Fintechs. No Brasil, o sandbox regulatório também teve origem no sistema financeiro (Banco Central, CVM e SUSEP) e com o advento da citada Lei de Liberdade Econômica, juntamente com a institucionalização do marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, nosso país ocupa uma posição de protagonismo nesta regulamentação.
Nesse sentido, ao se estender o conceito de sandbox para a seara das cidades inteligentes é possível constatar um grande laboratório de experimentos de serviços smart necessários para validação nas áreas multidisciplinares da mobilidade urbana, iluminação pública, 5G, IoT, inteligência artificial, segurança pública, tudo, em conformidade com a definição do termo “Cidade Inteligente” cunhado na publicação da norma ISO 37122:2020, destacando o seguinte: “….aplica métodos de liderança colaborativa, trabalha por meio de disciplinas e sistemas municipais e usa informação de dados e tecnologias modernas para fornecer melhores serviços…”. (ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2020).
Dessa maneira, o sandbox pode ser regulamentado por Lei ou Decreto Municipal do Prefeito. É o que ocorreu em Foz do Iguaçu/PR, a primeira cidade brasileira a institucionalizar um Programa Sandbox para Cidades Inteligentes, por meio do Decreto Municipal nº 28.244 de 23 de junho de 2020; que possui alguns pontos relevantes como a constituição da Vila A, uma área específica da cidade para a realização dos testes e experimentos; uma governança do Programa de Sandbox formado por Comitê Gestor plural com representantes do governo municipal, Parque Tecnológico, academia e sociedade civil; e a fixação de um prazo de ciclo de experimentação de 6 (seis) a 12 (doze) meses com um relatório conclusivo.
Da mesma forma, o Município do Rio de Janeiro, via Decreto Municipal nº 50.697 de 26 de abril de 2022, estabeleceu as regras para criação e funcionamento de ambiente regulatório controlado (sandbox regulatório) e em julho/2023, a Subsecretaria de Negócios e Inovação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação da do Rio de Janeiro lançou a iniciativa Sandbox.Rio, que se alinha com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a fim de que produtos, serviços ou processos que não se enquadrem no arcabouço regulatório existente possam ser testados por um período determinado com autorização do município, sendo os sadboxes uma boa prática para a construção de uma cidade, os quais estão sendo replicadas por vários municípios, tais como: Maceió, Goiânia, Teresópolis, Criciúma e Volta Redonda.
No Sandbox.Rio é vale destacar o nível dos cases em teste : i) a Ambev está testando o serviço de drones da startup SpeedBird Aero para realizar as entregas de seu aplicativo Zé Delivery; ii) a EZVolt Brasil em parceria com a Vibra testam a instalação de uma rede de postos elétricos para recarga rápida de veículos elétricos e híbridos gerando créditos de carbono para a venda; iii) a Embraer, por meio de sua spin-off Eve, pretende testar seus “carros voadores” (eVTOL – Veículo elétrico de decolagem e pouso vertical) e iv) a My Views está testando robôs D4 (Door-to-Door Drone Delivery), que são drones terrestres teleoperados que pretendem circular pelas calçadas da cidades, em horários restritos, facilitando a logística de entregas de curta distância, sendo certo que entregas já são realizadas para os funcionários do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Petrobrás.
De tudo isso, no âmbito da Quarta Revolução Industrial, as novas tecnologias surgem em grande velocidade e escala, onde os gestores públicos conectados com a inovação e o foco no bem-estar da população irradiam suas boas práticas para replicabilidade; sendo certo que a iniciativa sandbox pode ocorrer, independentemente, do porte do município. Daí porque, cabe aos cidadãos pesquisarem se os prefeitos das suas cidades estão alinhados com as mudanças de paradigmas da gestão pública ou estão perdendo as oportunidades para que outra liderança inclua no seu plano de governo e venha fazer a diferença nas eleições do próximo ano.