A rotina dos colaboradores de muitas empresas tem sido a mesma: entram no escritório, batem um papo no café ou se espalham pelos sofás do lounge enquanto esperam que todos cheguem, aí se dirigem à sala do líder da área para uma reunião de alinhamento antes de começar o dia. Tudo sem sair de casa – o encontro está ocorrendo no metaverso da empresa.
Segundo Luiz Guilherme Guedes, CEO e fundador do Grupo Epic – ecossistema de economia criativa com foco no mercado geek e gamer formado por sete startups -, ainda é cedo para dizer se as reuniões vão migrar definitivamente para esse espaço virtual, mas ele afirma que hoje, num primeiro estágio de experimentação, a solução veio para complementar uma carência criada pelo trabalho remoto: a necessidade de convívio.
“A ideia de criar um metaverso do escritório veio quando a gente percebeu que o time não tinha a menor vontade de voltar para o presencial. Aliás, 70% das gerações Y e Z não querem voltar para esse formato, é a turma do nomadismo digital”, explica. “Falamos ok, não vamos reabrir os escritórios, mas também não vamos perder o convívio.”
Como o mundo dos games é justamente a praia deles, a empresa desenvolveu uma plataforma 2D gamificada que dá para acessar até pelo celular com internet 3G e reproduz exatamente a versão física do escritório da Epic. Tem cafeteria com jogos para descompressão, salas de treinamento, salas individuais e de reunião e até os “mascotes da casa” – a cachorrinha Luna e o um gato chamado Luke, que existem na vida real e, no metaverso, interagem com os avatares dos colaboradores e convidados.
A ideia deu tão certo que clientes começaram a contratá-los para criar o metaverso de suas próprias empresas. Já foram arquitetados 130 desde agosto, para organizações das mais variadas áreas, como Warner Brothers, TV Globo, Bosch, Tim, Gerdau e Golden Cross. Guedes explica que o metaverso na dimensão do corporativo veio para resolver também um problema de motivação, retenção de conteúdo e comunicação interna, ressaltando que a taxa de engajamento nos treinos corporativos, que já não era alta antes da pandemia (28%), despencou para 2% com o isolamento social.
Outra percepção que ele destaca é a de que as pessoas, principalmente de gerações mais novas, estavam fechando a câmera nas reuniões virtuais de trabalho pelas plataformas “tradicionais”, mas sempre de câmera aberta em jogos online como Fortnite e Roblox. “Tem estudos que comprovam que a interação no metaverso aumenta em 70% a empatia humana da comunicação”, Guedes observa. “Depois de três minutos, seu subconsciente acredita que você está lá e isso é transmitido em termos hormonais para o cérebro. Gera um sentimento tribal, de pertencimento.”
Ele também revela que há diferenças interessantes entre como as distintas gerações usam o metaverso corporativo. Entre os 130 modelos que a Epic criou até agora, metade foi para empresas em que o time pertence majoritariamente à geração X, enquanto as startups e empresas de tecnologia são abarrotadas de pessoas da geração Y e até da Z.
“A gente nota que a geração X está usando pontualmente para reuniões, eventos, design thinking, mentorias. Terminou, saiu”, descreve. “Já a geração Z faz tudo. Tem Pikachu na mesa, molha a plantinha, abre o Gmail pelo computador do próprio metaverso. É um pessoal que já nasce com o mindset de jogo e habituado ao conceito de estar online em tempo integral.”
Análise de campo
De olho no crescente movimento do ambiente corporativo em direção ao metaverso, a Like Marketing está prestes a implantar a solução, mas ainda estudando qual a melhor opção. “A gente quer modernizar, já que trabalha com tecnologia. Mas temos receio de parecer invasivo”, pondera Rejane Toigo, fundadora da empresa.
“A Like tem 54 colaboradores, a maioria já em home office desde antes da pandemia. Sempre tivemos o cuidado, ao trabalhar remotamente, de não ficar controlando os times e querendo saber o que cada um está fazendo”, afirma. “Cada setor tem sua entregabilidade e se a pessoa consegue fazer em três horas, melhor para ela. Tem mais tempo à disposição.”
Com esses cuidados em mente, ela fala que duas colaboradoras já estão na Escola do Metaverso para aprender e avaliar a ideia. “Acho que as reuniões e principalmente a convivência do metaverso, as decisões em conjunto, podem contribuir muito para o desenvolvimento do ambiente e da cultura da empresa”, ela destaca. “É uma forma, por exemplo, de uma pessoa que a gente contrata em Orlando conhecer o ambiente e os valores da empresa, a nossa egrégora.”
A CEO conta que o Workrooms, metaverso da Meta, é uma das alternativas na mesa, mas como ele exige certos equipamentos para que a imersão seja completa, como uma internet boa e os óculos de realidade virtual Quest 2, há a preocupação da acessibilidade em pauta, caso um colaborador esteja em um lugar muito remoto. “Aí, um objetivo includente acaba sendo excludente”, reflete.
Experimentos virtuais
Para Tania Vicente, diretora da Associação Brasileira de Agentes Digitais de Santa Catarina (Abradi-SC), o metaverso tem sido importante principalmente para interação com clientes que são de outros países ou de lugares mais distantes do próprio Brasil. Ela conta que o time tem se reunido no Workrooms.
“Você seleciona uma sala, personaliza com o seu logo e faz as reuniões. As internas, a gente faz para manusear as ferramentas e saber como pode se portar lá dentro. Já as externas são todas por lá, porque muitos dos nossos clientes são do exterior”, explica. Com a rapidez no avanço da demanda, ela mesma entrou em uma pós-graduação exclusiva de metaverso. “A ideia é que até o final do ano a agência já esteja mergulhada nesse novo mundo e atualizada em todos os sentidos”, justifica.
No caso da VCI Digital, do grupo de soluções conectadas VC ONE, todas as reuniões do time já ocorrem no metaverso próprio da empresa. “A gente tem um escritório dentro de uma plataforma imersiva, com toda a caracterização do nosso escritório físico – a parte de apresentação, salas de reunião, zonas de voz, tudo”, afirma o CEO Pablo Martin Ayerza.
Eles também estão experimentando o Workrooms para fazer reuniões 100% imersivas, com direito ao uso dos óculos de realidade virtual (VR) da gigante de Mark Zuckerberg. “O espaço imersivo conta com uma série de recursos e ferramentas de produtividade que transformam as reuniões em experiências únicas, incríveis e radicalmente diferenciadas em comparação com outros meios virtuais de trabalho remoto”, diz.
Entre os recursos à disposição, o CEO destaca a tecnologia de rastreamento de mãos para apontar, digitar, dar um sinal de positivo ou até mesmo comemorar o fechamento de um projeto, áudio espacial que amplia a sensação de realismo ao ouvir as vozes, já que o volume se ajusta automaticamente de acordo com a localização das pessoas no lugar, e quadro interativo compartilhado para idealizar ou incrementar o brainstorming com esquemas e desenhos.
Para quem não tem os óculos (na internet, o preço varia de R$ 2,5 mil a R$ 4 mil), Ayerza diz que a plataforma permite ainda a participação por videoconferência. “É uma excelente oportunidade para conectar equipes, aumentar a produtividade das reuniões e experimentar alguns benefícios do conceito de metaverso nas relações de trabalho”, defende.
Reuniões e eventos no metaverso
Fundador da Gespro, empresa de treinamento e consultoria que trabalha com transformação ágil e digital nas empresas, Júnior Rodrigues fala que quando tudo migrou para o online, as pessoas foram cansando com o excesso de encontros online e lives. No caso da empresa dele, a solução foi trazer os workshops para o metaverso.
“Veio justamente para suprir essa necessidade das pessoas de estarem próximas. Além de a gente utilizar um ambiente lúdico, com aparência de jogo, o fato de se colocar nos avatares para poder participar promove uma integração maior e mais divertida”, observa. “Ficou mais produtivo porque, como as pessoas se veem como se estivessem num local físico, acabam interagindo mais, têm mais atenção. E o detalhe de a plataforma ser 2D quebra barreiras e faz com que a gente consiga atingir um público muito maior”, acrescenta.
Com a experiência bem-sucedida da Gespro, ele decidiu levar a proposta também para a iLAB, multinacional que tem um time de 90 pessoas na filial brasileira e da qual ele é head de agilidade e operações. “A gente tem utilizado para diversas ações, que vão das reuniões quinzenais da alta gestão e da gerência média até reuniões com clientes. Também realizamos mensalmente o iLAB Talks, que traz um profissional do mercado e um interno nosso para falar sobre um tema específico.
Costuma ter um público de 70 a 80 pessoas participando, fazendo perguntas. Os eventos acabam sendo bem mais frutíferos e dinâmicos dentro do metaverso”, pontua.
No caso do economista e analista de sistemas José Maria de Melo Junior, a experiência com o metaverso no trabalho tem sido ainda mais vanguardista. Servidor público federal, ele faz parte do quadro do Ministério da Justiça de São Paulo e é lotado na Polícia Rodoviária Federal (PFR) no Ceará.
Viu por acaso a postagem de um primo nas redes sociais sobre uma reunião no metaverso da empresa onde trabalha e veio a ideia de levar a solução para a PRF.
“Desde a pandemia, vínhamos flertando com alternativas às entediantes reuniões via Google Meet ou Zoom”, comenta. “Apresentei a proposta do metaverso em nossas reuniões de gestão e, por mais que existisse uma pequena desconfiança ou mesmo certa dúvida de como se daria o trabalho, haja visto que na administração pública as coisas acontecem de maneira mais rígida e formal, o pessoal se abriu para a experiência. Então, resolvi iniciar com um trabalho de unir os extremos do país, já que somos um órgão nacional.”
Mudança de mentalidade
Ele fala que o espaço, além de pioneiro na administração pública, possui diversos recursos didáticos que podem dar suporte a uma experiência completa de treinamento de equipes, interação e integração entre servidores e colaboradores.
“Está prevista a formalização de um calendário de atividades de treinamento, integração, com a visita contínua de servidores de outros órgãos e regionais e palestras e eventos de temas afeitos a logística, licitações, contratos, patrimônio, contabilidade pública e execução orçamentária e financeira”, entusiasma-se o servidor. “O escritório do metaverso é perene, síncrono, persistente. Ele está lá, disponível 24 horas para quem desejar utilizar a plataforma”.
Como acontece com toda mudança de mentalidade, porém, Melo fala que o escritório virtual demanda persistência e adaptação. “A experiência gamificada tem suas nuances de trazer grande adaptabilidade dos mais jovens e um pouco de melindre entre os da geração X e baby boomers”, analisa. “Mas cada vez mais setores como inteligência, policiamento e fiscalização, contratos, administração e finanças estão querendo conhecer, aderir, efetuar treinamentos com as equipes e, principalmente, reduzir as distâncias nacionais.”
Processo seletivo com avatares
A gigante de bebidas Ambev é outra que caiu nas graças do metaverso, mas para realizar uma ação específica. Em abril, a empresa lançou seu primeiro processo seletivo para os programas de estágio e Representa, voltado exclusivamente para pessoas pretas, no universo virtual.
Todas as etapas foram 100% online, com games interativos dentro de uma plataforma desenvolvida para interagir com os candidatos.
Na última etapa, eles foram direcionados para o Ambev Expo, onde os avatares participaram de dinâmicas e interagiram entre si e com membros da companhia. Para criar o avatar, a plataforma oferecia mais de 20 milhões de possibilidades de customização, com diferentes tipos de cabelo, roupa, acessórios e tons de pele. Além disso, era possível falar com NPCs (personagens não jogáveis) que representavam os colaboradores da Ambev.
“Foi uma oportunidade de conhecer a cadeia produtiva do campo ao copo, através de textos explicativos, interações e vídeos com a participação de colaboradores da Ambev de diferentes áreas em versões digitais”, comenta Camilla Tabet, diretora de gente e gestão da Ambev no Brasil. “Esse é um ótimo exemplo de como a tecnologia pode deixar os processos de recrutamento mais dinâmicos e em linha com o momento atual dos nossos talentos, que estão cada vez mais imersos no mundo digital.”
Fonte: moneytimes.com.br