As plataformas de marketplace vêm crescendo e se destacando no Brasil nos últimos anos, possibilitando que vendedores e compradores tenham uma experiência de compra online fácil e rápida.
Através da internet, os vendedores anunciam e comercializam uma ampla seleção de produtos utilizando o espaço disponibilizado pelas plataformas, ou seja, elas disponibilizam um espaço virtual de comércio eletrônico, no qual usuários anunciam diretamente seus próprios produtos.
Nesse modelo de negócio, as plataformas de marketplace atuam na condição de provedores de aplicação de internet e, conforme disposto na legislação nacional – art. 5º, VII do Marco Civil da Internet -, não são responsáveis pelo conteúdo eventualmente gerado por terceiros através dos sites, sendo o anunciante o único responsável pela regularidade do conteúdo e itens disponíveis na plataforma.
Com esse formato e a disponibilização de um espaço virtual de comércio eletrônico, os fornecedores de produtos ou serviços são os únicos responsáveis pela edição e publicação de seus anúncios, que são imediatamente disponibilizados no marketplace, não cabendo ao marketplace em si fazer o monitoramento do conteúdo inserido.
Regulamentação para a remoção de conteúdo digital
Tema de extrema relevância e que vem ganhando destaque no âmbito do Poder Judiciário diz respeito à necessidade de remoção dos conteúdos inseridos por terceiros em plataformas de marketplace que, eventualmente, sejam considerados como infringentes.
Em obediência às determinações de órgãos competentes, as plataformas utilizam termos de serviço, diretrizes e políticas internas que disciplinam a forma como o usuário pode usar o espaço virtual, listando, por exemplo, a relação dos produtos proibidos e restritos de serem comercializados no país.
Ainda, por serem provedores de aplicação de internet, bem como pela inviabilidade de controle prévio, as plataformas de marketplace mantêm vias extrajudiciais para a remoção de anúncios com eventual conteúdo infringente mediante denúncia. Sobre o tema, em interessante julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, obteve-se o entendimento de que a ferramenta de denúncia presente nas plataformas de marketplace é instrumento ponderado para promover o uso regular de sítios eletrônicos dessa natureza, afastando-se a aplicação de dano moral coletivo.
A regulamentação da remoção de conteúdo digital se deu com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que dispôs sobre a necessidade de individualização do conteúdo a ser removido, através de URL (Uniform Resource Locator) específica, conforme denota de seu artigo 19, parágrafo primeiro, o qual determina a identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, tornando inequívoca a localização do material.
Vale frisar que em julgamento emblemático (REsp nº 1.698.647), o Superior Tribunal de Justiça firmou ainda mais seu entendimento jurisprudencial, ocasião em que a ministra Nancy Andrighi dispôs que: “é imprescindível a indicação do localizador URL para remover conteúdos infringentes da internet. Trata-se, inclusive, de um elemento de validade para uma ordem judicial dessa natureza”.
A decisão da ministra Nancy Andrighi (REsp nº 1654221/SP) trouxe a discussão sobre a dualidade entre o material e o digital das ações de remoção de conteúdo. Em sua análise e conforme precedentes da Corte Superior, para a remoção de conteúdo digital da internet, deve haver a indicação do respectivo localizador URL do conteúdo apontado como infringente, que nada mais é do que um conjunto de bits que formam uma informação acessível via internet. Por outro lado, tais demandas não discutem sobre a remoção dos produtos propriamente ditos e fisicamente considerados, porquanto as plataformas de marketplace não detêm tais produtos sob sua guarda.
Segundo a ministra, as informações digitais são as únicas manuseadas pelas plataformas de marketplace e, portanto, apenas dessa forma são capazes atender aos comandos judiciais.
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná, em recente decisão proferida pela desembargadora Luciani de Lourdes, ao analisar o pedido de tutela antecipada requerida nos autos do recurso de agravo de instrumento, dispôs sobre o respeito à liberdade dos modelos de negócios virtuais e o entendimento de suas possibilidades técnicas. Ainda, frisou-se que não há responsabilidade dos provedores (marketplaces) quando a decisão não for clara e específica quanto ao conteúdo a ser bloqueado.
Referido caso é de extrema relevância por se tratar de anúncios de cigarros eletrônicos em plataforma de marketplace, produto cuja comercialização é proibida no território nacional. A desembargadora trouxe a polêmica questão de usuários cadastrarem os produtos utilizando infinidades de nomenclaturas, visando burlar o sistema de cadastro, impossibilitando eventual censura prévia pela plataforma no ato da inserção do anúncio.
Tal questão leva a intensos e novos debates junto às Cortes Superiores, por tratar da lesividade potencial dos produtos anunciados em plataformas de marketplace e considerados como ofensivos, como citado no REsp nº 1654221/SP.
Fato é que ainda que se fale em produtos proibidos, contrafeitos ou fraudulentos, a jurisprudência é uníssona quanto à necessidade de se levar em consideração as questões de ordem técnica inerentes às atividades de comércio eletrônico via marketplace e a observância do disposto na lei nº 12.965/2014.
Políticas de uso das plataformas de marketplace e a responsabilidade civil dos provedores de aplicação
Outro ponto de extrema importância e que muito se discute diz respeito ao regime de responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet. E, nesse tocante, cabe afastar a aplicação do regime de responsabilidade objetiva fora das hipóteses do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Como exposto, as plataformas de marketplace não criam conteúdo e, pela própria natureza do serviço prestado, não possuem a obrigação de exercer controle preventivo ou monitoramento sobre os conteúdos inseridos pelos usuários, não havendo necessidade de se falar em “atividade de risco”.
É amplamente reconhecido pela jurisprudência que a atividade desempenhada pelo provedor de aplicações de internet não apresenta risco inerente e não enseja sua responsabilização objetiva.
O ministro Luis Felipe Salomão sabiamente discorreu quando do julgamento do AgInt no REsp 1.803.362/SP: “Não é exigido ao provedor que proceda a controle prévio de conteúdo disponibilizado por usuários, pelo que não se lhe aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/2002”.
Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o art. 19 do Marco Civil da Internet estabelece que o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado pelo conteúdo gerado por terceiros se a sua conduta for considerada omissiva diante de ordem judicial específica.
E, de acordo com a legislação, o termo inicial da eventual obrigação de remover conteúdo não é a notificação da parte interessada, mas sim a ordem judicial que especifique, de maneira inequívoca, o conteúdo a ser removido, que deve ser prescindida de análise do conteúdo.
Logo, considerando o regime de responsabilidade civil aplicável, é patente que as plataformas de marketplace não podem ser consideradas responsáveis por conteúdo gerado por terceiros, a menos que deixem de observar decisão judicial válida, nos termos do art. 19 do Marco Civil da Internet.
Até mesmo quando se fala em produtos e conteúdos proibidos ou com circulação limitada, a jurisprudência é uníssona quanto à responsabilidade civil nos termos do MCI. As ferramentas de coibição de anúncios ilícitos, tais como a política de uso da plataforma e a opção de denunciar tal conteúdo hão de ser suficientes para o uso regular das plataformas, conforme se observa dos seguintes julgados: TJRS – AC nº 70083150987; TJSP – AC: 1003399-26.2021.8.26.0344; e STJ, AgInt no AREsp 1678409/MG.
Portanto, não restam dúvidas acerca da importância das plataformas de marketplace para a movimentação do comércio nacional e sua amplitude no mundo digital. O espaço virtual de comércio eletrônico está em ascensão e as implicações da tecnologia na atualidade são debatidas pelos Tribunais Superiores, inexistindo a responsabilização objetiva ante a necessidade de ordem judicial indicando a URL específica a ser indicada, contendo o conteúdo considerado indevido, de modo a viabilizar o cumprimento de qualquer obrigação de remoção pelas plataformas de comércio eletrônico, não havendo que se falar na responsabilização dos marketplaces por conteúdo inserido por terceiros, conforme disposto no §1º do artigo 19 do Marco Civil da Internet, conforme julgados retroexpostos.
Fonte: E-commerce