Se alguém mencionar petróleo pensamos imediatamente em gasolina e diesel. Dificilmente é associado à petroquímica a fonte de insumos para fabricar produtos do nosso cotidiano como, roupas, remédios, dentaduras, plásticos, pesticidas, batom, pasta de dente e por aí vai. São milhares de produtos que têm no petróleo a sua origem. Ele está na base do desenvolvimento industrial e de muitos itens de conforto, largamente consumidos a partir da segunda metade do século XX.
Mas, agora, o petróleo paga o preço do seu próprio sucesso, representado pelo estonteante consumo diário de 15,9 bilhões de litros por dia. A sociedade global está entendendo que ultrapassamos o limite do bom senso, será insustentável manter esse consumo pelos próximos anos. E o alto preço do petróleo é apenas uma das facetas do fenômeno, o maior problema é a poluição ambiental e suas consequências.
Entre as múltiplas razões para reduzir fortemente o consumo de petróleo está a necessidade de restringir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) dos combustíveis fósseis, diretamente responsáveis pelas mudanças climáticas globais. A estimativa do Departamento de Energia dos EUA é que, em escala global, o consumo de energia fóssil responde por 72% das emissões de GEE. O petróleo, isoladamente, é responsável por 45% das emissões na produção de energia e outros 10% na indústria petroquímica. Ou seja, sem mudar o conjunto de produção de energia e outros produtos, derivados de fontes fósseis, não há como evitar a catástrofe climática prevista no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O relatório pode ser lido em http://bitly.ws/r2D4.
Alternativas sustentáveis
A substituição de combustíveis fósseis está ocorrendo de forma gradativa, com a mudança de veículos a combustão interna para elétricos ou híbridos, e a geração de eletricidade com fontes renováveis, como eólica, solar, geotérmica ou utilizando biomassa. Lembrando, também, do etanol e biodiesel como substitutos de gasolina ou óleo diesel. Alguns produtos, antes dependentes de petróleo, já são obtidos de outras fontes, como os bioplásticos.
Mas precisamos mudar mais, muito mais, substituindo insumos fósseis por renováveis, utilizando processos que diminuam a pegada de carbono, que sejam competitivos e rentáveis. Uma das esperanças está no investimento em processos ancorados na chamada “química verde”, permitindo que as emissões de carbono sejam reduzidas ou mesmo eliminadas.
Para tanto, há necessidade de investir fortemente em desenvolvimento tecnológico envolvendo diversas áreas, como biotecnologia, catálise, engenharia de processos, ciência e engenharia de materiais, química orgânica, entre outras, permitindo evoluir rapidamente dos conceitos para produtos comerciais sucedâneos da petroquímica. Se os milhares de produtos químicos derivados do petróleo, gás natural e carvão – incluindo combustíveis, plásticos e produtos químicos industriais – pudessem ser sintetizados usando microrganismos, haveria acentuada redução nas emissões globais de gases de efeito estufa. Além de plasmar uma nova economia, a bioeconomia, melhorando a qualidade de vida com processos e produtos mais sustentáveis.
Empregar bactérias e outros microrganismos para sintetizar moléculas químicas úteis não é novidade, mas nem sempre com a desejada redução da pegada de carbono. Por exemplo, existem processos industriais utilizando microrganismos, como Escherichia coli ou leveduras, para produzir insumos intermediários, como isobutanol e ácido lático. O inconveniente desse processo é a utilização de açúcar como insumo básico, emitindo quantidades substanciais de CO2, ao longo de seu ciclo de vida.
Inovações para o futuro
Mas as inovações para solucionar esse problema surgem a todo o momento. Em fevereiro de 2022 foi publicado um estudo na Nature Biotechnology (http://bitly.ws/r2Fh) mostrando que bactérias, conhecidas como acetogênicas, podem ser usadas para a produção em larga escala de importantes produtos químicos industriais. E a cereja do bolo: usando um processo que é, na verdade, negativo em carbono!
Ao contrário das rotas de produção tradicionais, que resultam na liberação de GEE, o processo de fermentação descrito realmente fixa o carbono. Os microrganismos acetogênicos utilizam o CO2, que é o GEE prototípico, forjando moléculas mais complexas e úteis, que são insumos para a fabricação de inúmeros produtos consumidos pela nossa sociedade.
Até recentemente, os microrganismos acetogênicos eram tidos como de difícil transformação, utilizando as ferramentas da engenharia genética. Os autores do estudo superaram esse obstáculo, além de dispensar o açúcar como matéria prima do processo industrial. Com o novo processo, foi possível obter acetona e isopropanol com emissões negativas de GEE, valendo-se de uma bactéria, Clostridium autoethanogenum, modificada geneticamente. Está aberta a porteira para uma torrente de inovações que permitam substituir uma parcela dos produtos hoje obtidos por meio da petroquímica, nas quantidades e com a qualidade demandadas pelo mercado, de forma competitiva e sustentável. Para conferir uma escala de grandeza, apenas a acetona e o isopropanol têm um mercado global estimado em mais de US$ 10 bilhões anuais, e os bioprocessos podem capturar uma parcela considerável desse valor.
Essa abordagem é um sinalizador importante para evitarmos o que parece ser uma inexorabilidade, um planeta cada vez mais aquecido. Novos processos podem incluir a gaseificação de resíduos florestais e agrícolas, bem como resíduos sólidos urbanos não recicláveis. Usando essas fontes de carbono, uma série de outros produtos, como sucedâneos de combustível de aviação, gasolina ou diesel, podem ser passíveis de métodos de produção semelhantes.
Cabe sempre uma análise especulatória: e se, em um futuro ideal, os produtos da petroquímica pudessem ser substituídos utilizando processos sustentáveis, como é o caso da fermentação por microrganismos acetogênicos modificados geneticamente? As estimativas são de que, globalmente, a fabricação de produtos químicos emita 500 Mt de CO2 a cada ano. É o terceiro maior setor industrial emissor de CO2, superado apenas pelas indústrias de cimento e siderúrgicas, setores que têm sido difíceis de descarbonizar – e essas emissões poderiam ser evitadas. Microrganismos que tornem a fabricação de produtos químicos mais verdes, propiciarão a oportunidade de criar uma economia circular, que usa resíduos em vez de açúcar como matéria-prima, uma quebra de paradigma na produção industrial, eliminando a pegada de carbono desse setor industrial. É o futuro sustentável que todos desejamos
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Biofábrica
Cientistas do centro de pesquisa de Rothamsted (Inglaterra) desenvolveram uma planta para produzir uma série de produtos químicos vitais usados na fabricação de itens comuns do dia a dia, a maioria dos quais geralmente é obtida a partir de combustíveis fósseis. Trata-se de um grupo de moléculas chamadas 4-VPs (vinilfenóis), amplamente utilizada na fabricação de produtos como alimentos e maquiagem, mas que inclui até um plástico usado em telas de televisão LED e telefones celulares.
Os pesquisadores modificaram o código genético da camelina (Camelina sativa), propiciando a produção de substâncias químicas úteis para a indústria. Isso redirecionou as vias metabólicas usuais da planta, de modo que, em vez de produzir sinapina a partir do ácido hidroxicinâmico, elas produziram as moléculas de 4-VP. As novas variedades de camelina já foram testadas com sucesso no campo – um passo vital para produzir o volume de produtos químicos necessários para os fabricantes. Detalhes da pesquisa podem ser acompanhados em http://bitly.ws/rGQh.
As moléculas de 4-VP têm uma ampla gama de aplicações na indústria, sendo a maioria deles compostos de sabor e aroma comumente usados para produtos alimentícios e cosméticos. Um deles, o 4-vinil guaiacol tem sabor e aroma de cravo, enquanto o 4-vinilsiringol – também conhecido como canolol – pode ser usado como conservante de alimentos. O 4-vinilfenol é usado para fazer PVP, ou polivinilfenol, um plástico que é parte integrante da maioria das telas de LCD modernas. Essas telas TFT (transistor de filme fino) exibem imagens mais nítidas e brilhantes e processam o movimento de forma mais suave do que as telas LCD padrão. Ou seja, compõem uma cadeia que terá muita demanda no futuro, e que pode muito se beneficiar da química verde.
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Biousina elétrica
Cientistas da Universidade de Oxford (Inglaterra) abasteceram de energia um microprocessador, por um ano inteiro, usando apenas algas, luz e água, de acordo com um estudo publicado na revista Energy & Environmental Science. O sistema tem potencial para ser uma fonte de energia para pequenos dispositivos, usando uma alga não tóxica do gênero Synechocystis, que coleta energia do sol por meio da fotossíntese. A corrente elétrica gerada pode interagir com um eletrodo de alumínio, que é então usado para alimentar um microprocessador. Detalhes podem ser acompanhados em http://bitly.ws/r2Nt.
Como o sistema usa apenas materiais comuns e baratos, ele pode ser replicado milhares de vezes para alimentar pequenos dispositivos como parte da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). A IoT é uma rede crescente de dispositivos eletrônicos com sensores, softwares e capacidade de processamento, que se conectam a outros dispositivos pela Internet. Isso inclui, por exemplo, telefones celulares, smartwatches e até sensores de temperatura em centrais elétricas, mas já está presente em geladeiras, panelas inteligentes, aquecimento central, ar-condicionado, cortinas de janelas, aparelhos de som, veículos e outros aparelhos e equipamentos.
Já existem dezenas de milhões desses dispositivos operando no mundo. Entrementes, com o advento do 5G e futuras gerações de conectividade, com larguras de banda hoje inacreditáveis, espera-se que o número cresça para um trilhão até 2035, e muitos deles precisarão de uma fonte de energia leve, barata e sustentável. Embora possa ser usado em qualquer dispositivo estacionário, os autores do estudo apontam que essa abordagem pode ser fundamental em locais remotos ou fora do grid de eletricidade, onde mesmo pequenas quantidades de energia podem ser muito benéficas.
No estudo em tela, o dispositivo acionou um Arm Cortex M0+, um microprocessador muito comum na IoT. Funciona em ambiente doméstico ou externo, com luz natural, mesmo quando sujeito a variações de temperatura. O dispositivo é do tamanho de uma pilha AA e foi construído com materiais comuns, baratos e amplamente recicláveis. E, muito importante: o sistema funcionou por um longo período de tempo, com a mesma confiabilidade.
As algas não precisam de alimentação porque podem produzir seu próprio alimento por meio da fotossíntese. Para gáudio dos pesquisadores, eles verificaram que o dispositivo continuou a operar no escuro, mesmo que as algas cessem a fotossíntese. A explicação é que isso ocorre porque as algas processam seus alimentos quando não há luz e continuam a gerar uma corrente elétrica.
Essa descoberta pode ser uma alternativa às baterias de lítio. Alimentar trilhões de dispositivos com baterias de lítio será praticamente impossível: os fabricantes precisariam de três vezes mais lítio do que o produzido atualmente em todo o mundo. Além disso, os dispositivos fotovoltaicos usam materiais perigosos com efeitos ambientais adversos, o que significa que não são uma opção definitiva. Essa é a vantagem competitiva de produzir energia a partir das algas.
Fonte: CCAS