Especialistas avaliam desafios para financiar transição para fontes como eólica e solar, e necessidade de estabelecer sanções relativas ao descumprimento de metas climáticas

Nas últimas semanas de novembro, a temperatura nos termômetros de diversas cidades do Brasil subiu e bateu recordes. Do total de 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, ao menos nove chegaram a apresentar aviso de onda de calor com alerta vermelho de “grande perigo”. O dado, do Centro Virtual para Avisos de Eventos Meteorológicos Severos (ALERT-AS), do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), revela só uma parte do gigantesco problema em torno do fenômeno.

Para além do maior risco de queimadas e de problemas de saúde, o aumento anormal das temperaturas provoca uma sobrecarga dos sistemas de energia elétrica e o acionamento emergencial de fontes mais poluentes, como as termelétricas. No dia 13, por exemplo, a ISA CTEEP, empresa responsável pelo sistema de transmissão na maior parte do estado de São Paulo, registrou um aumento de 36% do consumo de energia só na região da Avenida Faria Lima, centro comercial e financeiro da cidade paulistana.

Em situações como essa, volta à tona debates como o da transição energética. Não é um assunto novo, porém a sua discussão — e, mais importante ainda, sua implantação — é urgente. “A velocidade em que [a mudança do clima] está ocorrendo é um dos verdadeiros problemas em torno da transição energética”, alerta Marcelo Martínez Mosquera, presidente do Departamento de Energia da União Industrial Argentina.

O especialista palestrou no Alacero Summit 2023, em São Paulo, evento da indústria de aço realizado este mês que teve um bloco exclusivamente dedicado aos temas da sustentabilidade e da transição energética. Para Mosquera, acelerar tal mudança depende, dentre outros fatores, da resolução de um dilema que dói no bolso. “No mundo, a energia eólica tem crescido 15% ao ano há 15 anos, e a solar, 20% há mais de 10 anos, mas hoje o debate é sobre quem pagará os custos da transição energética.”

Em entrevista à Context publicada em junho deste ano, Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), deu um nome para o dono — ou, melhor, os donos — dessa conta. Para o economista turco, os países mais ricos deveriam pagar pela transição energética global, afinal “aumentar o financiamento para energia limpa em nações em desenvolvimento desbloquearia o progresso em direção às metas climáticas globais”.

Às vésperas da conferência climática das Nações Unidas que acontece este mês nos Emirados Árabes Unidos, líderes mundiais têm intensificado o comprometimento para triplicar a capacidade global instalada de energia renovável até 2030. Esta meta significa 11 terawatts de capacidade de geração de energias renováveis, segundo análise da BNEF. “A parte solar da meta provavelmente pode ser alcançada, mas a necessária expansão da energia eólica exige uma ação conjunta de líderes dos setores públicos e privados. Obter a combinação certa de tecnologias é fundamental”, ressalta a consultoria em nota.

A conta de transição é alta. Um estudo do Boston Consulting Group (BCG), divulgado na semana passada, aponta que é necessário investir US$ 37 trilhões até 2030 em fontes renováveis, como a eólica e solar. Até o momento, os setores público e privado anunciaram US$ 19 trilhões. Faltam, então, US$ 18 trilhões, considerados cruciais para as empresas atingirem suas metas net-zero e o mundo não ultrapassar o 1,5°C de aquecimento global, definido no Acordo de Paris.

Sobre a discussão de quem assina o cheque, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou recentemente que os países desenvolvidos teriam cumprido em 2022 a promessa atrasada de ajudar os países mais pobres a lidar com as mudanças climáticas. A meta foi estabelecida em 2009, quando as nações mais ricas se comprometeram a transferir US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para as nações mais pobres, as quais não conseguiriam investir em energia mais limpa, nem se adaptar a condições climáticas extremas sem um apoio maior dos países desenvolvidos, cuja queima histórica de combustíveis fósseis contribuiu com o cenário atual alarmante.

Texto: Anna Oliveira, para Um Só Planeta