Cabe às lideranças que ainda se reconhecem éticas a tarefa de disputar o rumo, não com nostalgia de modelos esvaziados, mas com coragem de imaginar outro projeto de presente e de futuro
A revolução tecnológica em curso não está apenas substituindo empregos, mas também pactos éticos. Com o avanço da inteligência artificial, da automação e a concentração de poder, empresas passaram a abandonar compromissos com Inclusão e Sustentabilidade — não por desconhecimento, mas por, aparentemente, acreditar que o novo modelo não depende mais destes pilares.
Em uma reflexão mais atenta, percebemos que os avanços como nanotecnologia, biotecnologia, internet 5G, impressora 3D, IA, robótica têm mudado as bases de entendimento do que é o próprio capitalismo em si, pois reconfiguram a lógica de produção e consumo.
No livro “Technofeudalismo: O que a IA estar fazendo com o capitalismo”, o economista grego e ex-ministro de finanças, Yanis Varoufakis, nos apresenta a ideia de que o capitalismo, tal como conhecemos, já morreu. Yanis afirma que “estamos acostumados a pensar no capitalismo como um sistema no qual empresas competem por lucros, vendendo mercadorias a consumidores.
Capitalismo ou feudalismo digital?
Mas hoje, o poder econômico migrou para plataformas digitais que não competem, não produzem no sentido clássico e não vendem produtos. Elas controlam o acesso. Elas cobram pedágios. Elas extraem. Isso não é capitalismo — é feudalismo digital”.
Eu acrescento que é como se as grandes empresas, em meio à velocidade das mudanças dos mais variados cenários, estivessem optando por abrir mão do que acreditam, erroneamente, que as tornam mais lentas.
Em especial pilares como Diversidade e ESG (Ambiental, Social e Governança) estão sob judice. Não porque essas agendas não funcionem, mas porque o novo modelo de negócios, aparentemente, permite manter o lucro e o poder, mesmo excluindo essas dimensões.
Yanis afirma que “o poder econômico não vem mais da produção, mas do controle de plataformas digitais que intermediam tudo — sem precisar justificar-se socialmente”.
Qual é a responsabilidade das “empresas-plataformas”?
Não é de hoje, por exemplo, que falamos das “empresas-plataformas”, sem vínculos sociais diretos, como Uber, Amazon, Rappi, TikTok, entre outras, que são estruturas globais com baixa responsabilização territorial. Elas funcionam sem sindicatos fortes, sem representatividade interna, não são notórias por compromissos públicos com inclusão — e ainda assim prosperam.
Pouco se questiona por exemplo, quanto, em valores, a Uber repassa aos motoristas. Ao invés disso, por vezes, a reclamação recai sobre motoristas (indivíduos) e não sobre o processo das empresas (regras, controle, responsabilização e remuneração) que poderiam e deveriam ser melhores.
No fim, ninguém quer saber quando do valor da corrida é efetivamente repassado para o motorista. Ou se está havendo uma precarização e empobrecimento deliberado dos motoristas.
Neste sentido, a Diversidade e o ESG absolutamente não perderam valor, mas, novamente, líderes globais tentam redesenhar o sistema para funcionar sem estas premissas básicas, humanas e coletivas.
Empresas se distanciam das dimensões humana, relacional e ética
A nova premissa é que nesse novo capitalismo hiperautomatizado, as empresas reconfiguram seus modelos de operação para depender cada vez menos da dimensão humana, relacional e ética. Não porque a Diversidade ou ESG sejam ineficazes, como tenta-se afirmar, mas porque mais uma vez queremos seguir fazendo negócios como sempre fizermos, desconsiderando as complexidades da atualidade.
É o apego corporativo ao “Business as Usual”, ou seja, a manutenção das práticas econômicas e empresariais tradicionais mesmo diante de crises climáticas, sociais ou éticas.
Tenho convocado o empresariado e os especialistas a pensar e a atuar, pois algo que parece pontual e isolado pode, na verdade, estar se configurando como uma nova realidade. Eu mesma vinha afirmando que o movimento de Diversidade e Sustentabilidade é pendular, com avanços e retrocessos ao longo da história, pautado no sistema em ascensão que tem desatrelado a legitimidade social da lógica de expansão econômica.
Esta não é, como poderia ser vista de forma simplória, uma conversa sobre como salvar o ESG e o D&I, mas — antes de tudo — uma conversa sobre como reformular as bases da estrutura empresarial para que se compreenda, de uma vez por todas, que nenhuma instituição ou estrutura social faz sentido se não existir por e para as pessoas.
Se a Quarta Revolução Industrial escancarou que é possível lucrar sem pactuar com direitos, cabe às lideranças que ainda se reconhecem éticas a tarefa de disputar o rumo, não com nostalgia de modelos esvaziados, mas com coragem de imaginar outro projeto de presente e de futuro.
Por: Liliane Rocha