A pandemia criou um grande ‘medo do novo’ e assim, passamos a repelir tudo aquilo que promete ser diferente, fora da caixa e inovador
Tiro, porrada e bomba
Nas últimas semanas, vimos a Justiça do Trabalho condenando o Uber a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas cadastrados na plataforma no Brasil.
Nesse mesmo momento, a cidade de Nova York praticamente proibiu os aluguéis de curto prazo como os do Airbnb, impondo regras bem severas como: o anfitrião deve morar no apartamento e estar presente durante a estadia dos visitantes, não pode haver mais de dois visitantes ao mesmo tempo e eles não podem trancar a porta do quarto. E quando Nova York faz isso, é uma mensagem para outras cidades do mundo fazerem também.
E, pra fechar o semestre, todo trabalhado em mercúrio retrógrado, a Itália proibiu a venda e a produção de carne de laboratório no país.
Seria cômico se não fosse trágico: parece que, a cada passo para frente, estamos dando uns dez passos para trás em relação às inovações.
A pandemia como desculpa perfeita para a volta dos modelos tradicionais
Já reparou que os patinetes elétricos sumiram das ruas e calçadas da maioria das grandes cidades? Paris acaba de dar um fim neles também. E as bicicletas amarelas compartilhadas que também foram extintas. Ambos excelentes e necessárias formas de deslocamento em zonas urbanas, que contribuíram com a melhora do trânsito e com a diminuição da poluição, ainda assim foram jogados no ferro-velho.
E quem ainda se lembra das criptos? Coitadas, derreteram com elas. Essas foram as principais mártires deste movimento de retrocesso do mercado e de mentalidade global.
Pois é, a Covid acionou em nossos cérebros primatas a amígdala, responsável pelo nosso instinto de sobrevivência, o que fez com que as pessoas corressem desesperadas ao seu lugar seguro, conhecido, já antes navegado, ou seja, ao passado. Afinal, escolher o passado é ter certeza daquilo que deu certo e firma a sensação de estabilidade e segurança.
Pois é, a pandemia criou um grande ‘medo do novo’ e assim, passamos a repelir tudo aquilo que promete ser diferente, fora da caixa e inovador.
Mas e aí, qual inovação você já matou hoje?
É dessa forma arbitrária que vamos eliminando as inovações, sem permitir pivotagens ou adaptações por parte desses novos modelos de negócio.
Novos modelos surgem para serem provocadores e disruptivos, otimizar processos e oferecer novas formas de fazer melhor, baixando custos e prazos ou sendo mais democráticos e acessíveis. Mas, se na primeira vez que clonam o nosso cartão ou o sistema do banco digital cai, a gente virar as costas para o novo e correr de volta para o tradicional, estamos matando as inovações.
É aí que eu te pergunto: na empresa na qual trabalha, você tem notado diferenças em relação à diminuição da verba de inovação? E como anda a coragem e apetite por riscos dos gestores? E sobre os fundos de investimentos e investidores, vocês têm procurado frequentar o ambiente de startups e andam com disposição para alocar capital?
Pois é, o medo está nos segurando e nos deixando para trás. Essa mentalidade Covid está muito latente e o velho está ganhando. Estamos escolhendo novamente aquele lugar do qual nós lutamos tanto para sair.
Como consultora, minha missão é prever riscos, orientar, analisar, pesquisar e, se me permitem, com esse meu olhar analítico, dar um conselho: não coloque suas fichas no velho. Aposte, tente, volte, corrija. Aposte de novo, aposte mais, mas não desista de criar o novo. Não deixe o medo dirigir o seu negócio ou investimentos, nem atrapalhar a sua forma de trabalhar. Afinal, mudanças são a única certeza que temos daqui para frente e é importante estar aberto a elas, sempre.
E é importante ter em mente que já não somos mais os mesmos. Aprendemos muito com o hype das startups, investimentos desmedidos, CEOs que são puro ego, mas zero negócio, e sobre o custo-benefício de desafiar as leis. Enfim, não somos os mesmos e tenho certeza que estamos prontos para inovar de novo.
* Daniela Klaiman é futurista com foco em comportamentos emergentes. Fundadora das empresas βeta e FutureFuture, faz consultoria e projetos para empresas analisando o comportamento do consumidor e futuro dos negócios.
Fonte: Daniela Klaiman/ Epoca Negócios