Desde a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em 2018 até hoje, o mercado jurídico brasileiro viveu aquele que provavelmente foi o maior boom de sua história, com um crescimento exponencial de uma área que era a queridinha dos olhos de todos, de empresas contratantes a prestadores de serviço (especialmente escritórios de advocacia e consultorias).
O receio quanto às multas e demais penalidades trazidas pela nova lei era tão alto que gerou e girou um gigantesco mercado, em torno de um “produto” principal: a adequação à LGPD. Hoje, novembro de 2022, passados mais de quatro anos da publicação da lei, temos um total de zero sanções administrativas aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), cursos desaparecendo no mesmo ritmo em que foram criados e escritórios ou consultorias extinguindo suas práticas aventureiras na matéria. Diante disso, a pergunta que fica é: o que podemos esperar para a área de privacidade e proteção de dados no Brasil em 2023?
Quem acha que este texto pregará o apocalipse vai se frustrar. Na verdade, o que parece ter passado é o tsunami — e o hype — do “projeto de adequação à LGPD”, uma vez que esse tipo de demanda será, naturalmente, cada vez menor, especialmente por parte de empresas consolidadas. Porém, um tsunami nunca passa sem deixar vestígios e, ainda que não se tenha no horizonte uma nova onda gigantesca, o mar da área de privacidade não estará calmo no ano que vem.
O primeiro fato que nos evidencia isso está na aplicação de sanções, o que, sem muitas dúvidas, começará a acontecer. No entanto, está mais do que na hora de se desapegar do discurso do medo, que, se funcionou em 2018 para motivar o interesse das empresas pelo tema, em 2023, soará como deboche. O início da aplicação das sanções, até então inexistentes, ocorrerá de forma bastante pontual e não revolucionará a área, mesmo porque a ANPD encara as penalidades como instrumentos não prioritários para sua atuação (ainda bem!). De qualquer forma, necessário reconhecer que as primeiras sanções trarão ventos agitados à área, interrompendo qualquer sensação de aparente calmaria.
Outro ponto a se destacar: será em 2023 que a ANPD deverá regulamentar os temas mais espinhosos de sua agenda, os quais afetarão substancialmente todas as organizações de médio ou grande porte no país, como direito dos titulares, comunicação de incidentes, transferência internacional de dados e encarregado. Se é bem verdade que muitos já esperavam ver esses temas definidos ao final de 2022, também é fato que do ano que vem eles não devem escapar. Haja então trabalho de estudo, comentários e sugestões de melhoria quanto às minutas de regulamentação a serem submetidas à consulta pública pela ANPD — e tudo isso em meio a um cenário de possíveis mudanças na direção da própria Autoridade, em razão do término de alguns mandatos.
Se os desafios de 2023 já parecem significativos por si só, imagine-se passar por eles com recursos reduzidos. Assim como aconteceu no território europeu depois que o Regulamento Geral de Proteção de Dados já não era mais novidade, a tendência é de que os investimentos em privacidade e proteção de dados por parte de parcela significativa de empresas privadas se estabilizem em patamares não superiores àqueles dos anos anteriores, nos quais a área surfava o tsunami da adequação. De agora em diante, cada vez mais será necessário gerir a privacidade nas organizações de maneira estratégica e extremamente eficiente. Soluções milagrosas (e caras) de mercado não terão vez, de modo que quem realmente fará diferença nos trabalhos de privacidade serão os(as) bons(boas) profissionais, capazes de fazer o máximo com nem tanto.
Para a cultura chinesa, o ano que vai nascer será representado pelo coelho, que significa calmaria. No campo da privacidade e da proteção de dados, o coelho dificilmente sairá da toca. Por aqui, 2023 será muito mais o ano da coruja, animal que simboliza a sabedoria necessária para enfrentar, de forma inteligente, desafios complexos em ambientes adversos, com garras afiadas e plumagem macia.
Por: PAULO VIDIGAL e LUIS FERNANDO PRADO