No Brasil, 80% das áreas de preservação estão nas mãos dos indígenas. O primeiro território indígena demarcado no país, na década de 1960, foi a comunidade do Xingu. A área de 2,8 milhões de hectares reúne 16 etnias culturalmente diversas no nordeste do Mato Grosso. Por lá, os maiores desafios hoje são o combate à extração de madeira e pesca ilegais e as queimadas, causadas principalmente pelo desmatamento para produção de pasto e soja.
Cada vez mais, a tecnologia vem ganhando espaço como uma aliada importante na conservação desses territórios. De olho nesse cenário, a Microsoft fez uma parceria com a organização de impacto social Recode e a Associação Terra Indígena do Xingu e criou um projeto para levar capacitação em tecnologia e habilidades digitais para lideranças de 10 etnias da comunidade.
O projeto foi realizado nos meses de setembro e outubro de 2023. A primeira fase foi a doação de computadores e outros equipamentos, como drones, para a comunidade. Em seguida, cerca de 40 indígenas receberam o treinamento. Eles aprenderam a usar celulares, notebooks e outros dispositivos, combinando oficinas práticas e estudos. A ideia é que eles se tornem multiplicadores e passem esses conhecimentos para outros indígenas.
Como nasceu o projeto
Tudo começou quando Lúcia Rodrigues, líder de Filantropia da Microsoft Brasil, participou da exposição fotográfica do Xingu no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, em 2022. Lá, ela conversou com um amigo que havia feito a projeção e arquitetura da nova sede da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) e, em paralelo, a Microsoft já discutia há um tempo como viabilizar o treinamento de povos originários em habilidades digitais. Na época, a empresa de tecnologia interagia bastante com projetos deste tipo na Austrália e Canadá, e havia uma oportunidade aberta, contou Lúcia.
Ela, então, fez uma reunião com a Atix para entender se havia interesse do povo do Xingu. O próximo passo foi conversar com os 16 povos e seus caciques em uma imersão na aldeia, durante uma assembleia dos povos. “Dormi durante 5 dias nas suas ocas e aprendi muito. É uma complexidade etnográfica enorme. Me apelidaram de ‘branquígena’, que seriam os brancos que lutam pela causa indígena”, disse Lúcia.
A resposta foi positiva, e assim nascia o projeto. “Todos tinham muito interesse em tecnologia, em não depender do homem branco para desenvolvê-la e poder usá-la em prol das suas causas, para proteger suas terras”, destacou.
Tecnologia aplicada ao dia a dia
Como resultado da capacitação, Rodrigo Baggio, CEO da Recode, destacou dois projetos desenvolvidos pela própria comunidade com a apropriação das ferramentas tecnológicas.
O primeiro foi um mapeamento do artesanato e do consumo de alimentos das famílias xinguanas a partir da entrevista de mais de 50 indígenas. Outro que chamou a atenção foi um dicionário criado por eles com as principais palavras da tecnologia em suas línguas.
“No processo de formação, eles aprenderam várias ferramentas, mas aprenderam a aplicar no dia a dia e trabalho deles”, disse Rodrigo. “Essas lideranças indígenas podem realizar parcerias, fazer reuniões, aprender a fortalecer os processos de educação internos da aldeia, aprender coisas de fora e até empreender.”
A proteção do território também se fez presente e o monitoramento em tempo real com drones, imagens de satélite e outros equipamentos são aliados na prevenção e na denúncia de irregularidades.
Multiplicação do conhecimento
Um dos principais desafios, segundo Ianukulá Kaiabi Suia, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu e que também recebeu o treinamento, é a gestão das organizações indígenas – que exige conhecimento técnico e administrativo.
“Para você poder fazer isso, precisa de acesso às ferramentas de informática e manejo desses equipamentos. Por isso, é necessário que os indígenas se apropriem da tecnologia na gestão, abrindo portas em articulações políticas, captação de recursos e gerenciamento de projetos”, disse.
Como uma experiência piloto de sucesso, a aposta da comunidade no futuro é multiplicar esses conhecimentos. “Queremos que os mais jovens tenham acesso a essas ferramentas que ajudam em monitoramento territorial, gestão de projetos e como uma forma de serem profissionais mais qualificados no mercado”, afirmou o indígena Ianukulá.