Segundo ativistas, mesmo que não contenha petróleo em si, os elementos usados no combustível não são sustentáveis em sua cadeia de produção, e não há cenário em que possam ser usados em larga escala

O primeiro voo comercial “sustentável” de longa distância foi comemorado pela indústria da aviação. Com um combustível feito de óleo de cozinha, gordura animal, açúcares vegetais e outros elementos, uma aeronave da Virgin Atlantic foi de Londres e Nova York ontem (28) e elevou esperanças de que a aviação – atividade que está entre as mais poluidoras existentes – tenha um futuro sustentável.

Segundo a Virgin, as emissões de carbono em voos com os chamados combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês) são 70% menores que as de aviões abastecidos com combustível à base de petróleo.

Shai Weiss, CEO da Virgin Atlantic, disse que o voo de teste, feito com um Boeing 787, mostra que esse SAF “pode ser usado como um substituto seguro e imediato para o combustível de aviação derivado de combustíveis fósseis”. Ela acrescentou que era “a única solução viável para descarbonizar a aviação de longas distâncias”.

Mas grupos ambientalistas estão dizendo que não é bem assim, e acusando de “greenwashing” a iniciativa. Segundo eles, mesmo que não contenha petróleo em si, os elementos usados no combustível não são sustentáveis em sua cadeia de produção, e não há cenário em que possam ser usados em larga escala.

Cait Hewitt, diretora de políticas da Federação Ambiental da Aviação (AEF), disse que os SAFs representam atualmente cerca de 0,1% do combustível de aviação global – e serão extremamente difíceis de escalar de forma sustentável.

“Tentar aumentar a produção de combustíveis alternativos, utilizar resíduos de indústrias fundamentalmente insustentáveis, como a pecuária intensiva, ou utilizar plástico não reciclável – como o governo do Reino Unido está a planejando fazer – dificilmente é uma solução sustentável”, disse Hewitt ao The Next Web.

Ela acrescentou que os SAFs também emitem tanto CO² quanto o querosene quando são queimados. Isso porque eles ainda são combustíveis de hidrocarbonetos e produzem o mesmo volume de emissões de CO² que o querosene quando queimados. De acordo com a AEF, qualquer redução de CO² será apenas uma poupança “líquida” obtida durante a fase de produção – tal como acontece com as compensações de carbono.

Para Hewitt, soluções como as usadas agora “arriscam atrasar uma discussão adequada e honesta sobre o quanto podemos voar enquanto alcançamos as metas climáticas”. E, continua, “se o público for levado a acreditar que a indústria encontrou a solução para o voo ecológico, isso poderá ser ambientalmente prejudicial.”

Outra organização que se manifestou foi a Stay Grounded, que descreveu o voo como greenwashing – “lavagem verde”, termo usado para designar ações vazias ambientalmente mas que são colocadas como sustentáveis para fins de marketing.

A Stay Grounded também afirma que voos com os chamados SAFs não podem chegar a ser “net zero” em emissões, pois dependem de grandes quantidades de biocombustíveis e do uso ineficiente de energias renováveis. O grupo também criticou os SAFs por “desperdiçar biomassa e energias renováveis em transportes para os ricos”.

Segundo a organização, um termo mais adequado para a fonte de energia é “Substitutos de Combustíveis Fósseis” ou “Agrocombustíveis”.

“[O] combustível foi produzido através de um processo que é um ‘beco sem saída’ tecnológico”, disse Finlay Asher, ex-engenheiro aeroespacial da Rolls Royce e membro da Stay Grounded, em comunicado. “Não pode ser dimensionado de forma sustentável além de uma pequena porcentagem do uso existente de combustível de aviação.”

Ainda assim, a Virgin Atlantic, assim como muitas companhias aéreas, pretende que o SAF represente 10% do combustível de aviação até 2030.

No entanto, há um ponto em que as empresas tendem a concordar com os ambientalistas: atingir a produção de SAF em grande escala continua a ser um enorme desafio. Para alcançar esse objetivo, as empresas do setor pedem mais investimentos governamentais.

Texto: Epoca Negocios