Pesquisadora explica como a IA pode aumentar a desigualdade econômica
Para preparar os profissionais para um mercado de trabalho movido pela inteligência artificial generativa, minha recomendação é que todos assistam a “M3gan”, o filme de terror de 2023 sobre uma boneca robô assassina.
Filmes como esse podem ser sinais de alerta para o futuro da educação e o futuro do trabalho. Além disso, o que eu sei é que os dados sugerem que a IA aumentará a desigualdade econômica.
Caso você não tenha assistido a “M3gan”, aqui vai um resumo: depois de ler todas as pesquisas sobre desenvolvimento infantil disponíveis na internet, a androide M3gan se mostra muito melhor do que seu criador humano na tarefa de cuidar de uma criança em luto. Mas a desgraça de M3gan é sua obstinação. Ela não consegue enxergar que a vida de outros humanos é tão valiosa quanto a de seus filhos.
A nova geração de IA lembra a personagem em muitos aspectos. Ela é capaz de sintetizar e imitar instantaneamente terabytes de conhecimento humano, alcançando fluência com fatos e habilidades de comunicação que pessoas reais levariam anos para adquirir. A velocidade da IA ameaça algumas atividades que, há duas décadas, pareciam imunes à automação, como escrita, edição, animação e programação de computadores.
Mas, assim como a M3gan, a IA generativa também tem um ponto fraco: ela não é humana. Nossas economias criadas pelo homem são organizadas em torno das nossas necessidades e desejos como indivíduos. Dessa forma, a IA é atraente apenas na medida em que nos faz lembrar de nós mesmos.
Eu diria que essa falha é, na verdade, uma característica, pois limita a quantidade de estragos que a IA pode causar no mercado de trabalho. Mesmo assim, conforme ela for se aprimorando, poderá mudar a forma como algumas tarefas criativas e analíticas são realizadas e o tempo que elas demoram. Isso, por sua vez, tornará alguns trabalhadores mais produtivos, e poderá tornar outros empregos obsoletos.
IA E DESIGUALDADE ECONÔMICA
As fases anteriores da automação atingiram em cheio o setor de manufatura. Os empregos que eram fáceis de sistematizar e rotinizar, como o trabalho em linha de montagem, foram substituídos por robôs e transferidos para países menos desenvolvidos.
Historicamente, as consequências dessa tendência recaíram pesadamente sobre os trabalhadores com menos escolaridade. Isso ampliou o abismo econômico e social entre os que têm e os que não têm. A inclusão dependia de ter ou não um diploma universitário.
Como a IA generativa facilita a escrita, o trabalho criativo e analítico, seus defensores dizem que ela poderia ajudar a reduzir essa diferença e nivelar o campo de atuação. Mas isso também pode funcionar no sentido contrário.
A VELOCIDADE DA IA AMEAÇA ALGUMAS ATIVIDADES QUE, HÁ DUAS DÉCADAS, PARECIAM IMUNES À AUTOMAÇÃO, COMO ESCRITA, EDIÇÃO, ANIMAÇÃO E PROGRAMAÇÃO DE COMPUTADORES.
O que as novas ferramentas de IA têm em comum com as ondas anteriores de automação é a tendência à simplificação. Quanto mais sofisticada for uma tarefa criativa ou analítica, mais difícil será para a IA lidar com ela. Esse fato pode ter o efeito compensatório de aumentar a desigualdade no mercado de trabalho.
Com base em dados da Occupational Information Network do Departamento do Trabalho dos EUA sobre a composição de tarefas em 873 empregos, minha projeção é que a desigualdade de renda pode aumentar em resposta à IA generativa, mas em um ritmo mais lento do que durante as ondas anteriores de automação.
As tarefas analíticas e criativas continuarão sendo mais difíceis de serem automatizadas em níveis mais altos de sofisticação, de modo que os empregos mais afetados continuarão sendo aqueles que exigem níveis mais baixos de habilidade.
IA E TREINAMENTO DE FUNCIONÁRIOS
Essas mudanças provavelmente afetarão as habilidades que buscamos e desenvolvemos nos trabalhadores do futuro. Em primeiro lugar, isso não significa que as habilidades de redação, edição e programação se tornarão obsoletas, mas sim que a automação se tornará mais integrada à forma como executamos essas funções.
Podemos pensar nisso como uma extensão daquelas sugestões de palavras e prompts de formatação que já aparecem em muitos programas de e-mail, de apresentação e de codificação.
Ensinar os profissionais a usar esses recursos de forma responsável pode não apenas aumentar a produtividade, mas também nivelar o campo de atuação entre funcionários com diferentes níveis de escrita ou proficiência tecnológica.
Em segundo lugar, acredito que essas mudanças aumentarão a importância das habilidades sociais, como a capacidade de trabalhar em grupo, negociar objetivos, ouvir diferentes perspectivas e ajudar outras pessoas.
Essas são habilidades que oferecem vantagens no mercado de trabalho, mas sua importância provavelmente aumentará à medida que as tarefas individualizadas, como escrita e análise de dados, se tornarem ligeiramente mais rápidas.
A IA É ATRAENTE APENAS NA MEDIDA EM QUE NOS FAZ LEMBRAR DE NÓS MESMOS.
Em terceiro lugar, isso aumentará ainda mais a demanda por habilidades de liderança, incluindo a capacidade de delegar tarefas, dar feedback construtivo, desenvolver os pontos fortes de outras pessoas e orientá-las em áreas de crescimento. Isso significa que empresas e instituições de ensino precisam ter a intenção de cultivar essas habilidades.
Por fim, a mudança que estamos observando aumentará a importância das habilidades visionárias, como geração de ideias, planejamento criativo, definição de direção e ponderação de custos e benefícios em termos que incluam não apenas o dinheiro, mas também as necessidades das pessoas e de seus ambientes. Isso significa que estruturar os problemas de forma que sejam solucionáveis se tornará tão importante quanto elaborar soluções para eles.
Na hora de prever o futuro, devemos lembrar do robô M3gan, não porque a IA se manifestará como um boneco assassino, mas porque ela é fundamentalmente diferente de nós. M3gan apenas copia o comportamento humano – assim como faz uma IA.
Texto: Jennifer L. Steele