Ministério da Educação reconhece desafios e aponta iniciativas para democratizar a digitalização nas instituições
O período de pandemia trouxe uma reflexão importante em relação aos estudantes do Brasil: a tecnologia agrega ou prejudica na educação?
A resposta, é claro, é impactada pela disparidade social no país, onde muitas crianças e adolescentes não têm computador, celular ou até mesmo conexão via internet em casa.
Quase quatro anos após o início da pandemia, o cenário mostra que as escolas brasileiras estão mais conectadas após o lockdown, mas ainda faltam dispositivos suficientes para o acesso à internet.
A pesquisa TIC Educação 2022, divulgada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) mostrou que 94% das escolas têm internet, no entanto, pouco mais da metade, 58%, têm equipamentos como computadores, notebook, desktop e tablet e conectividade à rede para uso dos alunos.
Os desafios evidenciados pelas desigualdades no acesso são msotrados nos resultados da pesquisa, especialmente entre os estudantes de escolas municipais, de áreas rurais ou que atendiam estudantes de grupos vulnerabilizados.
O Ministério da Educação (MEC) reconhece que a disparidade social foi evidenciada no período pandêmico em termos de educação, de forma a prejudicar alunos de classes sociais mais baixas.
“É verdade que a tecnologia oferece acesso à educação a milhões de estudantes, mas pode excluir na mesma medida. Temos evidências de como o acesso aos dispositivos e ambientes virtuais foi crucial para sustentar as aprendizagens durante a pandemia do Covid-19 e como as crianças e jovens que não tiveram acesso foram prejudicadas”, afirmou a área técnica do MEC em entrevista ao Byte.
Impacto na educação
O cenário da falta de dispositivos digitais, como computadores e celulares, e acesso à Internet nos domicílios dos alunos, já era apontado como um desafio para a realização de atividades pedagógicas em 2020 por 93% dos gestores de escolas municipais e 95% de escolas estaduais, secundo a TIC Educação.
Já entre diretores de escolas rurais, o problema foi citado por 92% dos entrevistados. Na rede particular, o problema foi apontado por 58% dos gestores.
Os irmãos Raul e José Lima, de 14 e 10 anos, respectivamente, são exemplos disto. Eles não têm computador em casa e compartilham um celular com dados limitados.
Para dar continuidade às aulas na escola municipal onde estudam, no litoral de São Paulo, tiveram que se adaptar à realidade imposta pelo período de isolamento social, entre 2020 e 2021.
“Uma vez por semana íamos até a escola buscar uma folha com a lição de casa. E, ficaram assim por meses, estudando apenas por meio das atividades organizadas pelos professores para eles fazerem em casa, sem o apoio e correção de um educador”, disse a mãe dos meninos, Luísa Lima.
“Embora o acesso à internet venha apresentando um crescimento nos últimos anos, a conectividade, especialmente para permitir o acesso dos estudantes à Internet e aos dispositivos digitais, ainda representa um dos maiores desafios à ampliação da inclusão digital por meio das escolas”, disse ao Byte Daniela Costa, Coordenadora do projeto TIC Educação.
A coordenadora ressaltou, ainda que quase a totalidade de escolas possuam ao menos um computador (tablet, portátil ou de mesa), apenas 63% possui dispositivos para uso dos estudantes em atividades de ensino.
Esse percentual cai para 49% entre as escolas municipais e de 38% entre as escolas localizadas em áreas rurais.
“Ainda que as escolas contem com acesso à Internet, muitas vezes a qualidade do sinal não permite a disseminação do acesso entre estudantes e professores”, destacou Daniela.
O que diz o governo federal?
Para a pasta, o papel das políticas públicas é diminuir barreiras e promover a igualdade no acesso à educação. Com isso, defendem que elas têm o poder de criar um ambiente mais equitativo no cenário educacional, garantindo acesso igualitário à tecnologia para todos os professores e estudantes.
“Propondo conteúdos digitais e metodologias pedagógicas relevantes e apropriados para diferentes contextos”, pontuou em entrevista.
Segundo o governo, a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas visa direcionar e garantir a conectividade para fins pedagógicos em todas as escolas públicas de educação básica do país e o apoio à aquisição e melhoria dos dispositivos e equipamentos presentes nas escolas.
“A equidade social é multidimensional e a educação é uma das frentes de erradicação das injustiças sociais. E dentro do escopo da educação, as tecnologias digitais também são apenas uma das oportunidades para formação cidadã.
Professores estão preparados?
Outro aspecto importante diz respeito à preparação dos professores nesta digitalização do ensino. Clarice Tavares, coordenadora da área de Desigualdades e Identidades do InternetLab, comenta que os cursos de licenciatura nem sempre tratam com a qualidade e a profundidade que as metodologias de ensino envolvendo o digital merecem.
“Muitas vezes os professores não conseguiram, ainda, incorporar as estratégias envolvendo tecnologia em suas metodologias de ensino. Uma tecnologia de ensino vai além do livro digital ou usar um tablet como caderno, envolve pensar estruturalmente o que são tecnologias, incluir o digital enquanto metodologia, pensar político, cultural e socialmente as tecnologias”, disse a especialista.
Uma pesquisa recente realizada pelo Cetic.BR apresentou os principais obstáculos para o uso de tecnologias digitais por professores no Brasil. As razões passam pela questão da infraestrutura e conectividade.
Por isso, “é uma política prioritária para o Ministério da Educação nos próximos anos”, informou a pasta ao Byte.
Em seguida, técnicos disseram que vêm outras questões relacionadas aos modos de uso e às práticas pedagógicas. Alguns professores citaram, por exemplo, que uma barreira é a gestão da sala de aula durante o uso de dispositivos.
“É preciso encarar a tecnologia em seu devido lugar. Não podemos assumir que a ampliação do acesso trará resultados imediatos sem um uso bem planejado e com muita intencionalidade pedagógica”, ressaltou o MEC.
Principais tecnologias na escolas
Quando falamos em tecnologia na educação, o tema é amplo e vai além da acessibilidade à internet e uso de computadores.
Especialistas ouvidas pelo Byte citaram questões como proteção de dados, segurança dos alunos no ambiente virtual físico, ferramentas para avaliação personalizada de cada estudante, entre outros.
Por meio de dados, as escolas podem prever diversas situações em relação à trajetória dos estudantes, como evasão, abandono, repetência, entre outros aspectos.
“Há algum tempo, as escolas têm investido em plataformas virtuais de aprendizagem que permitem maior interação entre os estudantes com as escolas, a criação de trilhas personalizadas e individualizadas de aprendizagem, além de oferecer aos professores e gestores escolares diversas ferramentas de monitoramento de desempenho dos estudantes”, disse Daniela Costa, coordenadora do projeto TIC Educação.
Alguns estados, como São Paulo, contam com o “boletim escolar on-line”, em que pais e alunos conseguem monitorar frequência e nota dos estudantes via internet.
A especialista explica que, mais recentemente, estas ferramentas têm ofertado recursos também para detectar fraude em avaliações, analisar aspectos emocionais no comportamento dos estudantes e ofertar aos pais o monitoramento mais intenso dos alunos, por acesso a câmeras de vídeo.
O que já temos de mais tecnológico nas escolas públicas do Brasil?
A iniciativa do Ginásio Experimental Tecnológico (GET) da secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro segue o modelo das novas escolas que começaram a ser inauguradas na cidade em 2022.
A proposta visa incentivar os estudantes a trabalharem com projetos para resolução de problemas reais, mobilizando saberes das áreas de Ciências, Matemática, Artes e tecnologias digitais como robótica e impressão 3D.
Um segundo exemplo, apontado pelo Ministério da Educação, é o da secretaria municipal de Educação do Recife, que investiu na estratégia de equipar os professores com dispositivos para uso em sala de aula e oferecer formações para apoiá-los nas competências digitais docentes necessárias.
Já a rede estadual de Mato Grosso do Sul promove o curso “Escola como Espaço de Inovação” voltado para Professores Coordenadores de Práticas Inovadoras (PCPI), lotados nas escolas da rede estadual.
O programa “Contraturno Digital”, do governo estadual do Amazonas, visa apoiar a melhoria do desempenho dos estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio com acesso a recursos educacionais digitais como videoaulas, cadernos de atividades digitais, ampliando o tempo de estudo no contraturno escolar.
No Rio Grande do Sul, o programa “Professor do Amanhã” concede bolsas para instituições comunitárias de ensino superior (ICEs) para cursos de licenciatura em áreas estratégicas, como: pensamento computacional, pensamento projetual e criativo, comunicação e domínio de tecnologias.
Fonte: Terra