terça-feira,26 novembro, 2024

Por que mulheres são as mais afetadas pelas demissões em tech

Nos últimos meses, startups e grandes empresas de tecnologia demitiram mais de 100 mil pessoas em todo o mundo. Os cortes em empresas como Amazon, Microsoft, Google, Meta, Dell, entre tantas outras, afetaram, principalmente, mulheres. “Estatisticamente, já somos um número pequeno nesse mercado, e isso acentuou a falta de mulheres na tecnologia”, diz Juliana Fiuza, CPO da empresa de TI Defi10x e cofundadora da mesttra, que acelera talentos e inovação em tech.

O Twitter, que demitiu quase 4 mil funcionários sob o comando de Elon Musk, foi acusado por ex-funcionárias de direcionar os cortes desproporcionalmente às mulheres. Segundo reportagem da Reuters em dezembro, a empresa havia demitido 57% de suas funcionárias, em comparação com 47% dos homens.

As mulheres no setor têm 65% mais chance de perder seus empregos do que seus colegas homens, segundo pesquisa da plataforma de inteligência de talentos Eightfold AI. Mas elas já são minoria: representam menos de um terço dos trabalhadores de tecnologia, de acordo com um estudo de 2022 da consultoria Deloitte.

Recolocação de mulheres em tech
Em parceria com a Layoffs Brasil, banco de dados que analisa o impacto de demissões em massa na tecnologia, Jhenyffer Coutinho, fundadora e CEO do Se Candidate Mulher, startup social que capacita e ajuda a empregar mulheres, lançou uma iniciativa para dar suporte e recolocar essas profissionais no mercado. As mulheres impactadas pelos cortes que fizerem sua inscrição no site do Layoffs Brasil terão 15 dias de acesso gratuito à plataforma SCM Academy, criada por Coutinho, com conteúdos que dão suporte para a recolocação. “As mulheres sempre são as primeiras a serem impactadas em qualquer crise”, diz a empreendedora, que já havia liberado bolsas dos cursos para mulheres afetadas pelos layoffs no ano passado.

Em fevereiro deste ano, quase 70% das pessoas afetadas pelos cortes no Brasil são mulheres, segundo o Layoffs Brasil. Hoje, a plataforma tem 3406 pessoas atingidas pelas demissões (o que inclui tanto os cadastrados no site quanto dados captados de listas públicas). É importante ressaltar que o número não compreende o total de demitidos desde o ano passado, que ainda não foi compilado.

Outras iniciativas, como da organização Mulheres de Produto, que capacita mulheres em tech, e de perfis no LinkedIn, formam planilhas com bases de dados para conectar essas mulheres e os afetados pelas demissões em geral com potenciais empregadores. “Várias empresas vêm demandando cada vez mais perfis de mulheres nas posições em que trabalhamos na EXEC”, diz o sócio da consultoria EXEC e especialista na seleção de profissionais de tecnologia Marcus Giorgi, que espera que essa demanda aumente com a expectativa de retomada da economia.

O cenário das demissões ainda pode fazer os trabalhadores do setor – especialmente mulheres – repensarem suas trajetórias. “Grandes movimentos como esse fazem as mulheres refletirem e seguirem outras jornadas, talvez empreendendo, atuando de forma autônoma ou trabalhando por projetos”, diz Fiuza.

Cofundadora da mesttra, ela trabalha como ponte entre os talentos e as empresas de tech, e observa que políticas e metas de diversidade têm criado um ambiente de fato mais diverso. Ela também cita ações afirmativas, mentorias, benefícios como jornadas flexíveis e políticas estendidas de licença-maternidade como importantes formas de empresas apoiarem e impulsionarem talentos femininos. “Temos que mostrar a importância da diversidade na tecnologia e como as habilidades e competências femininas agregam.”

Demissões ameaçam o avanço das mulheres em tech?
Na pandemia, o trabalho remoto ajudou empresas a cumprir suas cotas de diversidade. Segundo relatório de diversidade anual da Meta, o número de funcionários, assim como de líderes, negros, asiáticos, hispânicos aumentou entre 2021 e 2022, enquanto o de brancos diminuiu. E a proporção de mulheres teve um aumento tímido, de 36,7% para 37,1%. “Mulheres sempre estiveram aquém dos homens na carreira e no mundo corporativo”, diz Fiuza.

Segundo a pesquisa da Deloitte, as mulheres estavam ganhando mais terreno no setor de tecnologia – em um progresso lento, mas constante. E esse avanço agora pode ser barrado, com as mulheres saindo das empresas numa proporção maior que a dos homens. Mas para Giorgi, da EXEC, os dados dos cortes recentes não são motivo de desânimo, já que o setor continuará contratando mulheres. “Acredito que vamos continuar a ver cada vez mais mulheres ingressando em tecnologia, independentemente das demissões recentes”, diz ele. Na sua atuação na EXEC, o setor de tecnologia está no top 5 que mais contratam mulheres para cargos de diretoria e C-Level desde 2021.

A proporção de mulheres na indústria de tecnologia ainda é baixa, mas como o setor continua aquecido, apesar das demissões, há espaço para profissionais – especialmente mulheres. Dados da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) mostram que há um déficit anual de mais de 100 mil talentos em tecnologia desde 2021. E ressaltam a necessidade de incentivar mulheres no setor a fim de formar profissionais para acompanhar essa demanda.

Por que demissões são desproporcionais?
No início deste ano, a Layoffs.FYI, plataforma online que faz um trabalho semelhante ao do Layoffs Brasil, rastreando os cortes na indústria de tecnologia, estimou que 45% dos afetados pelas demissões recentes são mulheres, como publicou a revista americana Fast Company. Segundo o site, já são 122 mil pessoas demitidas por 436 empresas este ano; em 2022, foram 161 mil – a maioria nos últimos meses do ano.

Nenhum desses dados representa exatamente o cenário das demissões hoje, mas dão uma ideia de como os cortes estão atingindo desproporcionalmente mulheres.

Em uma indústria tão pouco diversa como a da tecnologia – uma pesquisa da plataforma de dados Statista de 2021 mostra que as mulheres representavam 29% de todas as funções em empresas de tecnologias e grupos étnicos minorizados, 22% – essas pessoas tendem a ocupar os cargos mais iniciais e de menor relevância para o negócio, onde se concentraram os cortes.

Um levantamento da empresa de dados de RH Revelio mostrou que os funcionários demitidos tinham maior probabilidade de trabalhar em áreas como recrutamento e atendimento ao cliente. “Muitas startups e empresas consolidadas que vinham tendo um ritmo de crescimento acabaram fazendo contratações numerosas e em vários casos, sem um planejamento de médio e longo prazo”, diz Marcus Giorgi, da EXEC.

Mas os cortes também afetaram profissionais de todos os níveis, e até mesmo diretores, como diz Karin Parodi, sócia-diretora na Career Center, que tem programas de recolocação profissional. “No passado, se você fosse demitido era porque você tinha feito alguma coisa errada ou era extremamente incompetente”, diz ela. Agora, os motivos são, inicialmente, ajuste e corte de custos, o que significa que muitos desses profissionais são qualificados e realizam um bom trabalho.

Muitas empresas também usaram a estratégia de “last in, first out” (ou “último a entrar, primeiro a sair”) para decidir quais funcionários cortar, o que pode ter prejudicado as recentes contratações com um olhar de diversidade. Segundo a Revelio, os funcionários demitidos tinham um tempo médio de empresa de apenas um ano. “É uma tomada de decisão extremamente enviesada”, diz Jhenyffer Coutinho, da Se Candidate Mulher.

Na sua avaliação, também entra na conta o preconceito que se tem contra mulheres no universo profissional. “É comum pensar que o homem prioriza o trabalho e a mulher tem outras prioridades. Então na hora da decisão, além de considerar desempenho, essa escolha sempre tende a ser pra mulher.”

Falta incentivo para entrar no mercado
Segundo o Banco Mundial, meninas e mulheres têm menor probabilidade de se matricular em cursos de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) – com exceção das ciências da vida. As mulheres ainda representam apenas 28% dos graduados em engenharia e 40% dos graduados em ciência da computação. Em áreas como inteligência artificial, apenas um em cada cinco profissionais é uma mulher. Mas isso não quer dizer que elas não tenham capacidade de seguir essas carreiras, já que se saem tão bem ou melhor que os meninos em testes padronizados de ciências e matemática. Um exemplo disso é Mira Murati, que aos 35 anos é CTO da empresa de tecnologia OpenAI e foi uma das criadoras do ChatGPT, a maior sensação em termos de Inteligência Artificial hoje.

O problema é que as mulheres ainda não veem muitos exemplos femininos nessas áreas e por isso não são incentivadas a seguir essas carreiras. De acordo com a pesquisa Women in Tech da consultoria global PwC, a falta de representatividade no setor reforça a percepção de que uma carreira em tecnologia não é para elas. Apenas 22% dos alunos ouvidos pela pesquisa conseguiram nomear uma mulher famosa que trabalha com tecnologia – enquanto 66% souberam falar o nome de um homem importante da área. “A diversidade e inclusão devem acontecer, necessariamente, por meio da educação. Só assim podemos fechar esse gap de gênero na tecnologia”, diz Fiuza.

Por: Fernanda de Almeida (com reportagem de Gabriela Guido)

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