quinta-feira,19 setembro, 2024

Por que há um abismo racial no ambiente de inovação brasileiro

Embora representem quase 30% da população, as mulheres pretas ainda são minoria nas empresas de tecnologia do Brasil e ocupam apenas 11% dos cargos no setor

Um estudo recente realizado pelo Google mostrou que o Brasil terá um déficit de 530 mil profissionais de tecnologia da informação (TI) até 2025. A escassez vem em meio à crescente demanda e à ausência de perfis com mais experiência, entre outros fatores.

O relatório do Google foi produzido em parceria com a Associação Brasileira de Startup (Abstartups) e indicou também que, todos os anos, cerca de 53 mil profissionais de áreas de tecnologia da informação se formarão entre 2021 e 2025. Importante nos questionar quanto ao abismo racial no ambiente de inovação brasileiro — afinal, ele é bastante segregado.

Ouvimos há anos discussões de que o setor da tecnologia da informação ainda é uma das áreas de grande desigualdade racial e de gênero em todo Brasil. A quantidade de pessoas brancas e homens trabalhando com o desenvolvimento digital é muito maior que a de colaboradores negros, mulheres e de outros grupos em situação de vulnerabilidade.

Quando damos um “zoom” neste setor, conseguimos perceber uma diferença ainda maior. A forma que mulheres negras, por exemplo, são afetadas nestes contextos as impedem de se reconhecerem nos produtos como consumidoras ou até mesmo serem criadoras. Essa invisibilidade, que, a princípio, parece inofensiva, é mais uma forma de segregar pessoas negras.

Embora representem quase 30% da população, as mulheres pretas ainda são minoria nas empresas de tecnologia do Brasil e ocupam apenas 11% dos cargos no setor. Os dados estão compilados em pesquisa divulgada pela Iniciativa PretaLab, que aponta questões estruturais na base do problema.

Mas quais motivos fazem deste setor um dos mais desiguais?

Diversidade: infelizmente a falta de diversidade é algo comum no setor, que impõe muitas barreiras para pessoas negras e mulheres no setor; aqui destaco que a base da educação pública compromete esse fator, já que o ensino precarizado impede que jovens periféricos concluam seus estudos com qualidade ou, em outros casos, param para trabalhar e sustentar as famílias. O ensino brasileiro está defasado no que diz respeito ao pensamento lógico, e as pessoas diversas se encontram exatamente neste cenário.

Geografia: as barreiras geográficas para pessoas que residem em territórios afastados dos grandes centros faz com que essas fiquem à parte da inserção tecnológica, já que os pontos de sinal de internet são raros ou inexistentes, o que impossibilita que as pessoas experienciem o aprendizado da tecnologia.

Inserção no mercado de trabalho: o primeiro emprego na área de TI não é uma tarefa tão simples; muitos jovens desistem e migram para outras áreas; a maioria das empresas de tecnologia não contrata aprendizes nesta área, por lidarem com dados sensíveis, optam por profissionais juniores, que exigem um certo tempo de mercado, e esta demora impede a inserção; também vale ressaltar que a maior parte do mercado de TI brasileiro não está disposto a desenvolver profissionais em todos os níveis. E, em contrapartida, muitos profissionais seniores da área estão migrando para o mercado internacional, que, geralmente, oferece condições mais atrativas.

Apesar da grande desigualdade racial no ambiente tecnológico brasileiro, existem esforços contínuos de várias iniciativas para impulsionar a diversidade dentro do mercado, como a “UX para Minas Pretas” – feita por e para mulheres negras, com o propósito de formar, empoderar, compartilhar conhecimento e criar uma rede de apoio para aquelas que desejam ingressar ou já atuam em tecnologia com foco em UX.

Já a “Vai na Web” é uma rede de alta tecnologia e impacto social que busca reduzir as desigualdades sociais, principalmente com relação a mulheres e jovens negros periféricos, contribuindo para o desenvolvimento da força de trabalho com foco no futuro.

Além destas, reforço também o projeto “PretaLab”, do Olabi, organização social que trabalha para trazer diversidade em tecnologia e inovação, e tem como objetivo estimular a inclusão de meninas e mulheres negras no universo das novas tecnologias. O PretaLab disponibiliza em seu site um banco de talentos com perfis e contatos de profissionais negras de diversas partes do Brasil.

Nós, mulheres negras transitando no mercado de tecnologia vez ou outra percebemos olhares estranhos e surpresos, e ao longo do tempo vamos tirar do imaginário inconsciente da branquitude, que é limitado, que este espaço precisa ser ocupado por pessoas diferentes.

Nos últimos anos, tem surgido coletivos e grupos com o objetivo de atrair, capacitar e servir de rede de apoio e networking para que mais mulheres negras optem por uma formação e carreira em tecnologia; assim, poderemos diminuir um pouco das desigualdades sistêmicas do nosso mercado de trabalho.

Texto: Kelly Baptista

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