sexta-feira,22 novembro, 2024

Poluição do Tietê aumenta 31% e atinge pior condição desde 2018

Extensão do rio com qualidade de água ruim ou péssima subiu de 122 km para 160 km em um ano, mostra levantamento de ONG

Após dois anos de melhora, a mancha de poluição do Rio Tietê voltou a crescer. Enquanto no ano passado o rio teve 122 km de água classificada como ruim ou péssima, neste ano a extensão do leito nessas condições foi de 160 km. Os dados são do projeto Observando os Rios, coordenado pela ONG SOS Mata Atlântica, que monitora a poluição fluvial no Tietê e produz dados sistemáticos desde 2010.

O número do período 2022/2023 (os dados são coletados de setembro de um ano a agosto do ano seguinte) é o pior em cinco anos e o segundo pior da última década. O último ano em que o rio tinha chegado numa situação tão ruim foi 2018, quando teve 163 km de extensão poluída.

O principal problema do Tietê continua sendo o despejo de esgoto não tratado, mas pesquisadores acreditam que os motivo para a piora súbita da qualidade da água tenham sido outros.

— Entre as hipóteses que a gente levantou sobre o que pode estar acontecendo, uma delas tem a ver com fatores climáticos e a irregularidade das chuvas — afirma o geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios. — Estamos agora no final do inverno, com muito calor e pouca chuva. E, quando chove, vem aquela chuva torrencial que pega tudo o que está em suspensão no ar, arrasta o que está no solo e carrega para o rio. A gente tem visto mais cada vez mais frequência esse tipo de situação.

Além disso, com a atividade econômica voltando a se acelerar depois da pandemia, um fator que impactou a condição ambiental do Tietê foi o aumento da chamada “carga difusa” de poluentes.

— A gente vê a construção civil a todo vapor na cidade de São Paulo agora, e muitas vezes as obras acabam jogando os efluentes líquidos na sarjeta, em vez de direcionar para a rede de tratamento. Esses efluentes acabam caindo no rio também — diz Veronesi.

Poluição rio abaixo

Todas essas fontes de resíduos impactam na poluição do Tietê. O índice de qualidade da água que o projeto usa segue critérios como presença de coliformes fecais, volume de lixo flutuante, nível de oxigênio, acidez, presença de peixes e outros. É uma avaliação que complementa o trabalho da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) sobre composição da água.

O Observando os Rios faz o levantamento usando uma rede de colaboradores voluntários: grupos de empresas, universidades, escolas e comunidades que receberam treinamento e equipamento para coletar as amostras e fazer as análises. Neste anos foram analisados 59 pontos.

Apesar da piora neste ano, o perfil ambiental do Tietê e de seus afluentes diretos mudou pouco em relação a outros anos analisados pelo projeto. Ele é um rio limpo perto da nascente em Salesópolis, mas começa a entrar em situação crítica quando entra nas região metropolitana de São Paulo.

O trecho com maior número de pontos com qualidade da água classificada como péssima está no entroncamento do Tietê com o rio Pinheiros, historicamente é onde fica o maior número de ligações clandestinas de esgoto. A boa notícia para a região é que, com mudanças recentes na política de saneamento, a água do Pinheiros está “um pouco menos péssima” do que costuma ser.

— Talvez nos próximos relatórios, a gente já consiga sair da condição ‘péssima’ para uma condição ‘ruim’ — diz Veronesi.

Já é perceptível a redução do fedor no Pinheiros, para quem usa a ciclovia ou as estações de trem. Melhorar as condições de moradia precária na região, porém, continua sendo uma demanda humanitária que permite avançar também no saneamento.

Após atravessar a grande São Paulo, normalmente, a qualidade da água melhora, porque o Tietê entra num segmento com mais corredeiras, declives e pequenas centrais hidrelétricas, que agitam a água e ajudam a oxigená-la. Com mais oxigênio, os microorganismos conseguem decompor a matéria orgânica da poluição.

Quando chega em Botucatu, no meio do estado, a água do Tietê já fica bem melhor. Neste ano ela apresentou qualidade ‘boa’ ali, mas em nenhum ponto do estado ela teve condição ‘ótima’.

O monitoramento do Observando os Rios, porém, vai só até a eclusa de Barra Bonita. A partir dali o que existe são os dados da Cetesb, até o Tietê desaguar no rio Paraná, que separa São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nessa área de presença intensa do agronegócio, a natureza do problema muda.

— Não tenho muitos dados para afirmar, mas até com base em relatos visuais que recebemos a gente sabe que o desafio nesse trecho é o uso intensivo de agrotóxicos — diz Veronesi. — Em vários lugares do Tietê, às vezes o rio fica meio esverdeado por causa desse acúmulo de nutrientes que acabam desenvolvendo plantas aquáticas.

As áreas de mata e cerrado onde as margens estão mais desmatadas, além disso, sofrem mais com a poluição.

Os relatório do grupo conclui que, apesar de melhoras circunstanciais em alguns pontos, ainda não há sinal forte de mudança na qualidade ambiental do Tietê, e o rio precisa de “planos integrados” de ação para resolver os problemas do clima, do saneamento (urbano e rural) e do uso da água nos mais de mil quilômetros de extensão da bacia. Os 160 km de extensão de rios com qualidade ruim ou péssima representam mais de 27% dos pontos analisados.

Texto: Rafael Garcia, de O Globo

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