Extensão do rio com qualidade de água ruim ou péssima subiu de 122 km para 160 km em um ano, mostra levantamento de ONG
Após dois anos de melhora, a mancha de poluição do Rio Tietê voltou a crescer. Enquanto no ano passado o rio teve 122 km de água classificada como ruim ou péssima, neste ano a extensão do leito nessas condições foi de 160 km. Os dados são do projeto Observando os Rios, coordenado pela ONG SOS Mata Atlântica, que monitora a poluição fluvial no Tietê e produz dados sistemáticos desde 2010.
O número do período 2022/2023 (os dados são coletados de setembro de um ano a agosto do ano seguinte) é o pior em cinco anos e o segundo pior da última década. O último ano em que o rio tinha chegado numa situação tão ruim foi 2018, quando teve 163 km de extensão poluída.
O principal problema do Tietê continua sendo o despejo de esgoto não tratado, mas pesquisadores acreditam que os motivo para a piora súbita da qualidade da água tenham sido outros.
— Entre as hipóteses que a gente levantou sobre o que pode estar acontecendo, uma delas tem a ver com fatores climáticos e a irregularidade das chuvas — afirma o geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios. — Estamos agora no final do inverno, com muito calor e pouca chuva. E, quando chove, vem aquela chuva torrencial que pega tudo o que está em suspensão no ar, arrasta o que está no solo e carrega para o rio. A gente tem visto mais cada vez mais frequência esse tipo de situação.
Além disso, com a atividade econômica voltando a se acelerar depois da pandemia, um fator que impactou a condição ambiental do Tietê foi o aumento da chamada “carga difusa” de poluentes.
— A gente vê a construção civil a todo vapor na cidade de São Paulo agora, e muitas vezes as obras acabam jogando os efluentes líquidos na sarjeta, em vez de direcionar para a rede de tratamento. Esses efluentes acabam caindo no rio também — diz Veronesi.
Poluição rio abaixo
Todas essas fontes de resíduos impactam na poluição do Tietê. O índice de qualidade da água que o projeto usa segue critérios como presença de coliformes fecais, volume de lixo flutuante, nível de oxigênio, acidez, presença de peixes e outros. É uma avaliação que complementa o trabalho da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) sobre composição da água.
O Observando os Rios faz o levantamento usando uma rede de colaboradores voluntários: grupos de empresas, universidades, escolas e comunidades que receberam treinamento e equipamento para coletar as amostras e fazer as análises. Neste anos foram analisados 59 pontos.
Apesar da piora neste ano, o perfil ambiental do Tietê e de seus afluentes diretos mudou pouco em relação a outros anos analisados pelo projeto. Ele é um rio limpo perto da nascente em Salesópolis, mas começa a entrar em situação crítica quando entra nas região metropolitana de São Paulo.
O trecho com maior número de pontos com qualidade da água classificada como péssima está no entroncamento do Tietê com o rio Pinheiros, historicamente é onde fica o maior número de ligações clandestinas de esgoto. A boa notícia para a região é que, com mudanças recentes na política de saneamento, a água do Pinheiros está “um pouco menos péssima” do que costuma ser.
— Talvez nos próximos relatórios, a gente já consiga sair da condição ‘péssima’ para uma condição ‘ruim’ — diz Veronesi.
Já é perceptível a redução do fedor no Pinheiros, para quem usa a ciclovia ou as estações de trem. Melhorar as condições de moradia precária na região, porém, continua sendo uma demanda humanitária que permite avançar também no saneamento.
Após atravessar a grande São Paulo, normalmente, a qualidade da água melhora, porque o Tietê entra num segmento com mais corredeiras, declives e pequenas centrais hidrelétricas, que agitam a água e ajudam a oxigená-la. Com mais oxigênio, os microorganismos conseguem decompor a matéria orgânica da poluição.
Quando chega em Botucatu, no meio do estado, a água do Tietê já fica bem melhor. Neste ano ela apresentou qualidade ‘boa’ ali, mas em nenhum ponto do estado ela teve condição ‘ótima’.
O monitoramento do Observando os Rios, porém, vai só até a eclusa de Barra Bonita. A partir dali o que existe são os dados da Cetesb, até o Tietê desaguar no rio Paraná, que separa São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nessa área de presença intensa do agronegócio, a natureza do problema muda.
— Não tenho muitos dados para afirmar, mas até com base em relatos visuais que recebemos a gente sabe que o desafio nesse trecho é o uso intensivo de agrotóxicos — diz Veronesi. — Em vários lugares do Tietê, às vezes o rio fica meio esverdeado por causa desse acúmulo de nutrientes que acabam desenvolvendo plantas aquáticas.
As áreas de mata e cerrado onde as margens estão mais desmatadas, além disso, sofrem mais com a poluição.
Os relatório do grupo conclui que, apesar de melhoras circunstanciais em alguns pontos, ainda não há sinal forte de mudança na qualidade ambiental do Tietê, e o rio precisa de “planos integrados” de ação para resolver os problemas do clima, do saneamento (urbano e rural) e do uso da água nos mais de mil quilômetros de extensão da bacia. Os 160 km de extensão de rios com qualidade ruim ou péssima representam mais de 27% dos pontos analisados.
Texto: Rafael Garcia, de O Globo