Com propostas simples e arrojadas, ela explica como o objetivo pode ser alcançado – e qual é o papel da tecnologia nessa jornada

O futuro da humanidade depende em grande parte de como vamos resolver seu maior problema: a pobreza. É o que defende Esther Duflo, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia em 2019 (ao lado de Abhijit Banerjee e Michael Kremer) por seus estudos sobre políticas públicas relacionadas às populações carentes. Ao lado de Banerjee (seu marido) e Kremer, a economista desenvolveu um método inovador para, a partir de projetos que resolvem problemas locais, chegar a soluções que poderiam atender milhões em todo o planeta. Os programas implementados a partir de estudos do J-PAL – centro de pesquisa fundado pela economista em 2003 – atingiram até hoje 400 milhões de pessoas, em áreas como educação, saúde e microcrédito.

Autora de best-sellers como Boa Economia para Tempos Difíceis e Lutar contra a Pobreza, Esther Duflo ampliou seus estudos nos últimos anos para abordar as mudanças trazidas pela crise climática. Em abril de 2024, durante um encontro promovido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, apresentou uma ousada proposta de taxação de grandes companhias e bilionários para ajudar as nações e os indivíduos atingidos pelas mudanças climáticas. Pelas contas da economista – que esteve em São Paulo no mês de junho para participar de evento da Febraban –, os países desenvolvidos deveriam pagar aos emergentes US$ 500 bilhões ao ano, apenas para compensar as mortes causadas pela emergência climática. Confira a seguir o que ela tem a dizer sobre o futuro da economia e o papel da tecnologia para aliviar a pobreza.

ÉPOCA NEGÓCIOS Grandes avanços tecnológicos, como a inteligência artificial, vão ajudar a aliviar a pobreza ou podem piorar o problema?
ESTHER DUFLO
 Sou muito ruim em prognósticos. Os dois cenários são possíveis, e ambos podem ser verdade ao mesmo tempo. Um país como a Índia, por exemplo, baseou sua estratégia de desenvolvimento nos últimos 30 anos ou mais em serviços básicos de software que podem ser facilmente substituídos por inteligência artificial. Portanto, há o perigo de que esses empregos da classe média simplesmente desapareçam. As empresas que costumavam terceirizar serviços para o país hoje podem realizar as mesmas tarefas com a IA generativa. A questão fundamental é: existe outro uso para a IA que, em vez de substituir empregos, crie vagas? Ainda não temos essa resposta. Uma maneira como a tecnologia poderia ajudar, e não apenas a IA, é na solução de problemas de desenvolvimento para ajudar os pobres. Um exemplo é o celular. O aparelho se espalhou por todo o mundo. Quando começou a ser usado para fazer transações financeiras, transformou os países da África. É uma tecnologia que foi desenvolvida para fins comerciais e acabou tendo um uso social. Isso também pode acontecer com a IA. Mas temos de estar vigilantes, muito atentos a quem perde o emprego: como esses profissionais serão compensados, como serão ajudados a encontrar outros empregos, como vão sobreviver?

NEGÓCIOS Grande parte do seu trabalho hoje consiste em propor políticas de combate à pobreza. É possível acabar com ela?
DUFLO
 Antes da pandemia, era concebível eliminar a pobreza extrema até 2030 – e não por meio de grandes revoluções, mas enfrentando os problemas um a um. Portanto, não há razão para não ser otimista. Algumas mudanças são difíceis e levam mais tempo para se concretizar. É o caso da proposta do Brasil, no âmbito do G20, de criar um imposto global para reduzir a desigualdade econômica [O Brasil assumiu a presidência temporária do G20 em dezembro de 2023, com mandato de um ano]. Com certeza, isso vai demorar um pouco para acontecer. Mas o movimento começou, e isso é importante. Algumas batalhas você ganha, outras você perde. Desde que você ganhe algumas vezes, já é um avanço.

NEGÓCIOS Em abril deste ano, você apresentou uma proposta semelhante, de taxar os países mais ricos para ajudar os mais pobres a enfrentar as mudanças climáticas. Pode explicar a sua proposta?
DUFLO
 É preciso tributar os bilionários e as grandes empresas em nome da justiça climática. Temos uma dívida moral. Eu e meu time fizemos uma série de cálculos e chegamos à conclusão de que os países ricos deveriam pagar US$ 500 bilhões ao ano para os países pobres, para compensar os danos gerados pela crise climática – causada principalmente pelas nações desenvolvidas. Nesse cálculo, levamos em conta apenas as mortes provocadas pelo clima. Outros prejuízos não foram levados em consideração – nesse caso, o valor seria bem maior.

LIDERANÇA: Duflo acredita que o Brasil pode se tornar um líder em questões globais: “No G20, o país encarou os desafios com ambição” — Foto: Bryce Vickmark / Divulgação

NEGÓCIOS Será que as grandes empresas e os bilionários concordariam?
DUFLO
 Bem, talvez não. Mas um imposto global sobre bilionários para ajudar os pobres a lidar com as mudanças climáticas é uma ideia popular. 84% dos europeus são a favor, e quase 70% dos americanos também. Se a proposta incluir apenas os super-ricos, e se o dinheiro for para pessoas que evidentemente são as mais pobres do mundo, a grande maioria da população será a favor. Haverá resistência, claro. Os Estados Unidos provavelmente não vão cooperar por um tempo. Mas nem todos precisam participar. Se um grupo de nações fizer isso, dá para ir bem longe.

NEGÓCIOS Você já mencionou a crise da Covid-19 como um exemplo do que os países não devem fazer. O que aquele período diz sobre o futuro da humanidade?
DUFLO
 Os países ricos poderiam ter feito muito para ajudar os de baixa e média renda a lidar com a pandemia. Transferências financeiras, por exemplo. Mas estavam muito ocupados com os seus problemas. E, claro, houve toda a saga da vacina, com os países ricos acumulando doses, em vez de compartilhá-las. Foi horrível, um exemplo do que não deve acontecer. O que isso mostra é que não dá para esperar uma crise para agir. Ou esperar pela liderança do G7. Mas uma liderança como a que o Brasil mostrou no G20 tem o poder de trazer mudanças.

NEGÓCIOS Você vê o Brasil como um país líder nas mudanças?
DUFLO
 Sim. E isso nem é opinião. Ficou muito claro para todos que a liderança brasileira do G20 é muito diferente do que havia ocorrido em outros anos, porque o país realmente se posiciona em todas as frentes. O Brasil encara o desafio com ambição. Usar o G20 como um fórum para discutir questões como erradicação da fome é um grande exemplo de liderança. Isso foi reconhecido por todos.

NEGÓCIOS Qual você espera ser o resultado do seu trabalho? Você se vê como uma inspiração?
DUFLO
 O que dissemos quando ganhamos o Prêmio Nobel, e ainda é verdade, é que a coisa mais importante que fizemos foi criar um movimento. Meu trabalho, quaisquer dos artigos que escrevi, se eles desaparecessem amanhã, não seria uma grande perda. Mas as minhas ideias, o método que usamos para avaliar o impacto de projetos, esse tipo de mentalidade inovadora sobre políticas públicas… isso importa. Criei um laboratório que se transformou em uma grande rede de pesquisadores, trabalhando com ONGs, governos e empresas. A ferramenta que desenvolvemos permite que você possa ser realmente rigoroso na avaliação de propostas e, portanto, assumir riscos. E, se for bem-sucedido, continuar. E se não for, tentar outra coisa. Para mim, essa é a minha grande realização, a coisa mais importante que fiz ou para a qual contribuí.

Por Marisa Adán Gil