Clientes muitas vezes podem ser outras pequenas e médias empresas; Brasil se tornou expoente em startups
As imagens da loja na rua ou no shopping, do restaurante ou da empresa com poucos funcionários continuam a identificar o empreendedorismo e as pequenas e médias empresas no Brasil. Mas o setor ganhou uma nova face com a emergência da economia digital. Há uma onda de empresários que investem em tecnologia e inovação com a criação de startups, em que o Brasil se projeta como um grande expoente.
A tendência já havia sido apontada em um estudo feito em 2021 pelo Sebrae com a Fundação Getulio Vargas (FGV). O trabalho “Impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios” mostrou como havia crescido o uso das redes sociais e de aplicativos e canais digitais como canais de venda de pequenos e médios empreendedoras.
Segundo o estudo, o índice de empresas que informaram usar ao menos um canal digital, que era de 59% em maio de 2020, passou para 69% em março de 2021. O aumento de dez pontos percentuais de um ano para o outro indica como, com a pandemia do coronavírus, as pequenas e médias empresas tiveram de dar respostas rápidas às novas necessidades de consumidores, implantando novos canais de venda que fossem simples e transitassem pelo universo digital, já que o físico havia deixado de ser uma opção.
O reitor do Ibmec e doutor em Administração Samuel Barros explica que a necessidade de soluções tecnológicas, aliada à disponibilidade de bons cursos de formação, permite que, no país, borbulhem oportunidades para os empreendedores no universo digital.
— O brasileiro é criativo por natureza, independentemente da camada da sociedade. Aqui, temos ótimas escolas de formação na área, para quem tem acesso, e, por vivermos em um país com muitas necessidades, há muitas soluções que podem ser pensadas através de ferramentas digitais.
Entre as inovações movidas pelo empreendimento digital, Barros cita a profusão de bancos digitais e clubes de benefícios, casos de sucesso que inspiram novos negócios em outros países.
País incubador
Além disso, o Brasil desponta como incubadora de startups dentro da América Latina — são cerca de 12 mil delas em funcionamento no país, o maior número do subcontinente, de acordo com os dados mais recentes da Associação Brasileira de Startups. E, na maioria dos casos, as iniciativas são de micro e pequeno portes.
Como forma de estimular o desenvolvimento de empreendimentos, digitais, organizações e universidades oferecem programas para impulsionar as startups e encorajar potenciais inovadores. Entre elas, há o Ibmec Hubs, projeto gratuito que atua para acelerar o crescimento de negócios da área, em que há capacitação e orientação empresarial de especialistas e mentores da instituição de ensino e de profissionais do mercado. A iniciativa vale para o setor empreendedor do Rio de Janeiro, além de alunos e ex-alunos do Ibmec. A submissão dos projetos deve ser feita até o dia 13 de novembro através do endereço.
Banco para pequenas e médias
O potencial colaborativo da internet abre novas possibilidades para empreendedores. Em vez de buscar o consumidor final de bens e serviços, o ambiente virtual cria facilidades para ajudar outras empresas, também do mesmo porte, que buscam alternativas para se sustentar. É o caso do banco digital Cora, voltado para pequenas e médias empresas.
Criada em 2019 por Igor Senra e Leonardo Mendes, a Cora é o segundo negócio dos seus empreendedores, que fundaram uma das primeiras fintechs do Brasil, o Moip, em 2007.
— Nosso objetivo em 2007 era copiar o PayPal. Mas acabamos, na prática, criando um impacto na vida de milhares de pequenos empreendedores. Depois que vendemos a empresa, naturalmente pensamos em fazer alguma coisa para o mesmo público — conta Senra, que foi emancipado pelos pais aos 16 anos para ter o primeiro negócio.
Hoje, a Cora oferece às pequenas e médias empresas serviços como conta digital, Pix e TED ilimitados e sem taxas, cartões de débito e crédito, domicílio bancário para maquininhas e emissão gratuita de boletos. Outro serviço é a possibilidade de programar a emissão de cobranças recorrentes e com opções para envio automático de comunicações de aviso de vencimento e cobrança por e-mail.
— O fato de sermos um banco para empreendedores feito por empreendedores ajuda muito, porque conhecemos a dor do nosso cliente. Por exemplo, sabemos que quem empreende adora vender e odeia cobrar. Então, em vez de fazermos apenas a emissão dos boletos, criamos também um sistema que ajuda nosso cliente a cobrar os pagamentos sem ter que se indispor ou prejudicar sua relação com os seus clientes — aponta Senra.
Segundo o executivo, o fato de ser um banco 100% digital ajuda a reduzir os custos da operação e investir em mais tecnologia para entregar um produto melhor na ponta. Hoje, a Cora possui mais de um milhão de clientes, e Senra afirma que, antes da abertura de conta, o banco tem o costume de entrevistar o empreendedor para entender quais as suas necessidades.
O nome da empresa, inclusive, carrega parte dos propósitos dos empreendedores. Senra conta que Cora vem de três ideias. A primeira é a palavra “coragem”, porque, segundo o executivo, é preciso ter essa qualidade para investir no Brasil. A segunda, a palavra “coração”, porque, de acordo com ele, as coisas feitas com o coração são melhores. E, por fim, os sócios gostariam de que fosse uma palavra feminina.
— Todas as soluções no mercado tinham nome masculino — explica Senra.
‘De perto e melhor’
Uma das clientes da Cora é a advogada Laura Haddad, de 30 anos, que decidiu abrir o próprio escritório em 2018, focado justamente em oferecer assessoria jurídica para outras empresas.
A ideia de começar a usar os serviços bancários da Cora surgiu após os advogados não conseguirem a assistência necessária junto aos bancos tradicionais.
— Já tínhamos passado por quatro bancos, mas estava impossível. Tinha muito problema, desde emissão de fatura até o cartão de crédito. No fim, conseguimos ter nossas necessidades atendidas pela Cora, que por ser voltada especificamente para empresas do porte da nossa consegue nos atender mais de perto e oferecer condições melhores — afirma Laura.
A busca de um atendimento simples no banco digital refletiu um movimento feito pela própria advogada. Laura tinha um emprego estável em uma empresa privada. Mas, ao ser convidada pelo seu sócio para abrir o escritório, ela percebeu que poderia ajudar a resolver uma falha que percebia no mercado.
— Na empresa onde trabalhava, para resolver um problema, tinha que contratar quatro ou cinco escritórios de advocacia diferentes. Queria que tivesse uma pessoa só que me entregasse tudo de que eu preciso. Foi aí que decidimos trazer uma solução completa para o empresário — explica.
Hoje, o Haddad & Makhoul Advogados possui cerca de dez funcionários. Para quem pensa em começar a empreender, o conselho da advogada é se planejar.
— É importante começar um negócio desde que tenha segurança de que não vai faltar amanhã. Ser empresário é saber que você terá despesas fixas com funcionários, estrutura, impostos, mas, o seu, você não sabe se vai tirar ou não, e às vezes será necessário tirar da sua reserva. Sonhar é muito importante, mas é preciso ter o pé no chão — diz.
Texto: Agência O Globo