Cresce no mundo — e no Brasil — o número de casos de empresas levadas à Justiça por suas afirmações questionáveis em relação ao impacto ambiental de suas atividades
John Kenneth Galbraith, em sua obra notória “A Sociedade Justa – Uma Perspectiva Humana”, já esgrimava, com perspicaz visão e sucesso, com a famosa escola de Milton Friedman, na medida em que delineava com bastante firmeza a importância de o modelo capitalista assumir um enfoque mais voltado ao desenvolvimento sustentável.
A doutrina de Galbraith proclamava a importância de as empresas irem muito além do puro interesse de lucro dos seus respectivos acionistas, de modo que a responsabilidade social, ambiental e com a governança seria elemento essencial para a obtenção de uma prática capitalista sustentável.
Já em 1972, na Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, muito se discorreu sobre sustentabilidade, com o escopo de se alcançar o crescimento industrial em equilíbrio com o meio ambiente. E no Relatório Brundtland, de 1987, a ONU define a importância do desenvolvimento sustentável, reforçando a imprescindibilidade da conservação da natureza em conjunto com a busca de crescimento econômico.
A perspectiva do desenvolvimento sustentável, diga-se, precisa estar muito bem estruturada em pilares ambientais, sociais, políticos e econômicos.
Esse movimento – de maior enfoque com práticas capitalistas sustentáveis – tem evidente destaque com a adoção, em 1999, na bolsa nova-iorquina, do indicador global de performance financeira denominado Dow Jones Sustainability Index World, cujo índice reuniu um seleto grupo de empresas que se destacaram por um crescimento econômico, baseado em valores sociais e ambientais. No Brasil, adotou-se, na B3, o Índice de Governança Corporativa – Novo Mercado (IGC-NM) também como forma de medir o nível de boas práticas nas empresas nacionais.
Inevitavelmente, portanto, as empresas modernas se viram em um necessário movimento de atuação corporativa sustentável, preocupadas com as dimensões social, ética e ambiental; além dos aspectos econômicos e operacionais inerentes ao negócio.
Esse é o contexto no qual se pode entender a importância do termo ESG (Environmental, Social and Governance), que tem sido muito usado para medir as atividades empresariais e realçar o norte de práticas de negócios cada vez mais sustentáveis, focadas em um esquadro de equilíbrio entre o elo econômico e as preocupações ambientais, sociais e de adequada governança corporativa.
Cada vez mais as práticas ESG norteiam o nível de julgamento, por parte da sociedade, do modo de atuar das empresas; sendo que a adoção de valores sustentáveis, pelas corporações, de certa forma, passou a ser equivalente a estar em compliance com as expectativas dos seus mais diferentes stakeholders. Ser “ESG” passou a ser condição essencial, portanto, para uma empresa ser bem recebida no mercado em geral.
Ocorre que “dizer-se” e “vender-se” em conformidade com os pilares ESG, mas não praticar realmente tais valores, naturalmente pode acarretar consequências severas — não só do ponto de vista de julgamento social, mas também no ângulo jurídico — para as empresas que apenas induzem seus stakeholders a erro quanto a esse aspecto de aderência à citada expectativa de compliance. Trata-se aqui do famoso ESG Washing.
Na esfera internacional, autoridades de consumo e de regulação do mercado vêm atuando fortemente contra tal prática, aplicando multas significativas a empresas que promovem reivindicações ESG não comprovadas.
Os dados divulgados em 2022 pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) mostram não só a crescente prática do ESG Washing, mas também a preocupação das autoridades brasileiras em conter tal prática, exigindo que as organizações divulguem informações verdadeiras ao mercado.
Conforme indicado em seu relatório anual de atividades de 2022, aproximadamente 41% das representações julgadas pelo Conar abordaram a temática ESG na fundamentação de suas decisões, de forma direta ou indireta.
Nos julgados referentes ao critério Ambiental (Environmental), as peças publicitárias que poderiam ser enquadradas como casos de greenwashing envolveram apelos à sustentabilidade, em razão de reivindicações ecológicas de produtos e/ou de credenciais ambientais da própria empresa. O Conar salientou que, mesmo em casos em que a empresa anunciante apresentou estudos e relatórios para comprovar porque determinada publicidade foi veiculada, as alterações sugeridas foram feitas para buscar eliminar afirmações sobre as quais não haveria suficiente consenso científico e regulatório e/ou esclarecer os limites que tornam uma afirmação de sustentabilidade inequivocamente verdadeira, bem como qual seria o real impacto do produto no meio ambiente e na sociedade.
Quanto ao critério Social, a interpretação dada às peças publicitárias julgadas pelo Conar, além de levar em consideração princípios éticos e direitos fundamentais – como o direito à imagem, a proteção da criança e do adolescente, o direito à saúde –, sopesou, também, o posicionamento do produto no mercado e as características de seu perfil para entender o público a quem se destina. Em um dos casos, por exemplo, o Conar recomendou a alteração de uma peça publicitária de uma clínica de quiropraxia, acolhendo os argumentos do consumidor que apresentou a queixa, uma vez que a peça teria teor discriminatório às pessoas com deficiência, por associar a condição de pessoa que faz uso de cadeira com rodas à falta de cuidados com a saúde.
No que toca ao critério de Governança, o Conar guiou-se pelo princípio da transparência: a promoção de um produto ou empresa não deve induzir o consumidor a erro ou a cometer um excesso de consumo, razão pela qual os anúncios devem possuir claims baseados em estudos e/ou resultados que possam ser comprovados; a presença do que se chama “age gate” (sistema de verificação de idade), para que se possa promover produtos diretamente ao público-alvo infantil; e alertas que coíbam o consumo excessivo de um produto, principalmente nos casos de publicidade de bebidas alcoólicas.
Há também um significativo aumento de casos levados à apreciação do Poder Judiciário brasileiro envolvendo ESG Washing. O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente julgou um caso envolvendo uma empresa de fornecimento de energia elétrica, que se utilizou de argumentação com apelo à sustentabilidade para justificar a forma com que se deu a expansão física de suas atividades. No entanto, a argumentação não subsistiu diante de dano direto ao meio ambiente, dando ensejo à discussão de prática de greenwashing.
Esse tipo de litigância ESG passou a ser empregada como meio de incentivar e, de certo modo, pressionar as empresas a agir com mais responsabilidade perante os compromissos Ambientais, Sociais e de Governança. Isso inclui não só combater a comunicação exagerada ou falsa, mas também abordar a falta de posicionamento público apropriado quando uma empresa opta pelo silêncio em relação a suas metas socioambientais e de sustentabilidade.
A Justiça do Trabalho também vem registrando um aumento no número de processos que envolvem discriminação por gênero, idade, orientação sexual, de pessoas com deficiência e discriminações como gordofobia, o que denota outro aspecto da crescente relevância do tema ESG, especialmente de seu aspecto Social.
Processos, boas práticas e decisões empresariais norteadas por valores íntegros, éticos, morais e sustentáveis certamente agregam valor de mercado a uma companhia. Mas esse padrão de conduta ESG deve ser verdadeiro, concreto e robusto; um real comprometimento com seu segmento de mercado, consumidores, fornecedores, colaboradores e investidores.
*Patrícia Helena Marta, é sócia na área de ESG de TozziniFreire Advogados
*Elias Marques de Medeiros Neto é sócio na área de ESG de TozziniFreire Advogados