Os corredores da Bienal do Livro de 2022 estavam lotados durante todos os dias de evento, que terminou no último domingo. Segundo a organização, 660 mil visitantes passaram por lá, um número 10% maior do que a última edição presencial, em 2018.
O aumento de visitantes acompanha a tendência de crescimento de leitores durante a pandemia da Covid-19: uma pesquisa realizada pela Nielsen BookScan demonstrou que, entre janeiro e setembro de 2021, foram vendidos 36 milhões de exemplares de livros, um aumento de 39% em comparação ao mesmo período de 2020.
Um público que muitos considerariam improvável é um dos responsáveis por esse aumento: os adolescentes e jovens.
Nos corredores de uma das maiores festas da literatura do país, havia muitos deles comprando dezenas de livros. As editoras não estão alheias ao fenômeno, e destacaram em seus estandes os produtos destinados a esse público.
Uma estande chamava a atenção com um espaço dedicado aos “Sucessos do TikTok”. Ali, livros amplamente divulgados na mídia social conhecida pelas “dancinhas” estavam expostos e causavam aglomeração para escolher as obras.
“Meu perfil literário mudou muito durante a pandemia, ficou muito mais fácil achar o que eu gosto”, disse Pâmela Teixeira, de 15 anos, sobre a visita à Bienal.
“Está mais difícil achar livros para adultos do que para jovens”, comentaram Nicole Rizzo e Luiz Felipe Carvalho, ambos de 15 anos, enquanto exploravam uma das estantes especializadas no TikTok.
Isolados em casa, longe dos amigos, a busca por uma comunidade influenciou a chegada da geração Z ao TikTok, e especificamente ao nicho dedicado à leitura, conhecido entre eles como “BookTok”.
Não foi ao acaso que o aplicativo foi o eleito: a rapidez dos vídeos, que possuem em geral entre 30 e 60 segundos, e a facilidade de encontrar uma gama extensa de conteúdos, atraíram os novos leitores.
“Se eu quiser ler, e quiser saber um resumo do livro, vou procurar no TikTok”, disse Ônix Coelho, de 20 anos, que declarou ser uma leitora ávida de mistérios e suspenses.
“Acho mais fácil assistir em vídeo e em áudio do que ler uma sinopse escrita”, disse Pâmela, que prefere as fantasias.
De olho neste cliques e nas vendas, as editoras perceberam a demanda e estão em uma busca incessante pelos livros que viralizam na plataforma.
Rafaella Machado, editora-executiva da Galera Record, selo dedicado à literatura juvenil do Grupo Editorial Record, descreve o esforço como “crossfit editorial”.
“Você tem que estar realmente muito antenado no que as pessoas estão falando no TikTok, para você saber qual vai ser a próxima grande autora, a próxima grande ‘coisa’”, disse, explicando que o trabalho de caça aos novos títulos é feito principalmente por olheiros internacionais e brasileiros, e por meio das mídias sociais.
A Galera Record tornou-se popular no BookTok ao publicar alguns dos títulos mais cobiçados por esse público, e interagir com ele por meio das redes.
A editora-executiva supõe que o sucesso da rede se dê à personalidade “despretensiosa” da geração z. A câmera tremida, a iluminação improvisada e a fala espontânea fazem parte de uma espécie de credibilidade entre o grupo, que prefere as resenhas honestas.
A literatura infanto-juvenil se divide em subgêneros, sendo um deles o “Young Adult” ou “New Adult”, que abrange leitores dos 14 aos 24 anos. Este é o carro-chefe da nova tendência.
O Grupo Editorial Record possui 13 selos, e o Galera é responsável por metade do lucro atual da editora, segundo Machado.
“Existem editoras e editoras, mas é um segmento muito elitista, que ainda prefere o que chamam de ‘alta literatura’, o que acaba impedindo pessoas comuns de se apaixonarem por grandes histórias. Elas só vão chegar na ‘alta literatura’ se elas começarem a ler livros mais fáceis antes. A gente investe pesado na literatura das massas, na literatura de entretenimento e a literatura jovem é o nosso o nosso carro-chefe.”
Thiago Neiva, de 21 anos, produtor de conteúdo literário no TikTok e autor, concorda com essa visão. Ele acredita que a primeira exposição de muitos adolescentes à literatura se dá com livros demasiadamente complicados, como aqueles exigidos em alguns vestibulares. A dificuldade em compreender as obras pode afastar o jovem das páginas, afirmou.
“Isso influencia muito o resto das nossas vidas. Às vezes, [o jovem] nunca mais vai querer tocar num livro, vai achar que não é entretenimento, que vai ser algo pesado, que não é algo que diverte”, disse.
No entanto, ele tem esperança de que todos têm o seu lugar na literatura: “Sempre digo que livro para mim é igual ao cinema, é igual filme: você gosta, só não achou o seu gênero favorito.”
Neiva, que lançou recentemente seu primeiro livro, “O Fim de Tudo”, de forma independente, relata que o TikTok pode ser uma estratégia interessante para novos autores que tentam a chance no mercado literário.
“Comecei a produzir conteúdo para a internet para conseguir ter uma carreira de autor, porque no Brasil é muito difícil ser escritor sem ter um público. É muito difícil as editoras te darem uma chance, ou você conseguir fazer algo diferente.”
Em um primeiro momento, ele afirma que as tendências da rede não influenciaram a sua escrita, mas acredita que sentirá os efeitos do BookTok em suas obras futuras.
“Acredito que o BookTok vai influenciar muito o jeito que escrevo. Porque tenho os feedbacks das pessoas que estão lendo meu primeiro livro, mas também acredito que vou ter a influência do que está em alta”.
Atualmente, as editoras estão abrindo os olhos para o que chamou de “a força do TikTok”, que esgota livros e os coloca entre os best-sellers em questão de dias.
“Isso é uma força que a gente já sabia que existia, entre nós, da comunidade do TikTok, mas que era algo que as editoras não viam. Algumas editoras ainda têm o pé atrás, mas isso vai mudar”.
O papel dos criadores de conteúdo é importante nesse mundo: são eles que fazem a seleção dos livros que irão comentar e popularizar em suas páginas.
Neiva está ciente desse protagonismo: “Com todo o imediatismo [das redes sociais], por que um jovem pararia para ler um livro de mais de 400 páginas? É porque alguém o influencia”.
Lorena Carvalho, de 16 anos, cria conteúdo do seu quarto, e conquistou 194 mil seguidores no TikTok. “A gente influencia um ao outro a ler cada vez mais livros, e com uma variedade maior”, disse, afirmando que considera a onda de popularidade da literatura positiva.
Para Lorena, é papel do influenciador procurar indicações “fora do óbvio” para os seguidores, fugindo dos virais do momento.
E para aqueles que acreditam que a geração z se importa apenas com os telefones celulares, Carvalho diz que é preciso “abrir a mente”. “Hoje tudo é tecnologia, e se quiserem incentivar os jovens a buscar mais educação, precisam entrar no mundo deles, que são as redes sociais”.
“Se acha que jovem não lê, é só entrar no BookTok e perceber que é mentira”, concluiu a criadora de conteúdo.
Por:Luana Franzão da CNN*