Uma queixa frequente de CEOs e líderes em geral diz respeito à velocidade das mudanças na era da inteligência artificial. Novas tecnologias com usos inesperados, mudanças estruturais na gestão dos negócios, transformações nas relações de trabalho, crises econômicas e geopolíticas são colocadas como obstáculos para que a empresa alcance a eficiência esperada – e para que seja capaz de inovar. A vilã, nesse caso, é a incerteza. Mas será que existe alguma técnica eficaz para enfrentá-la?
Ruth Gotian acredita que sim. A cientista social, autora dos livros “The Success Factor” e “Guide to Mentoring: A Complete Guide to Effective Mentoring” – reuniu o ex-astronauta Charlie Camarda, com 43 anos de experiência na Nasa, e o médico Zachary Turnbull, professor da Escola de Medicina Weill Cornell, para uma discussão sobre como a exploração espacial e a medicina podem ensinar os executivos a lidar com o inesperado. O resultado gerou um artigo, que futuramente poderá se transformar em seu próximo livro. “Espero que haja um desdobramento, porque acredito que as conclusões possam interessar a muitos líderes do nosso tempo”, disse Gotian, em entrevista a Época NEGÓCIOS. Confira abaixo os principais trechos da conversa, a primeira dentro da nova série Gestão da Inovação.
Você diz que empresários e executivos precisam aprender a se preparar para o inesperado, como fazem os astronautas e os médicos. De que maneira eles podem fazer isso?
Acho que a primeira providência é entender que algo inesperado vai acontecer e que isso é inevitável. Então você tem que estar preparado. Esse é o jeito certo de lidar com a questão. Nas minhas conversas com o astronauta Charles Camarda, uma das coisas que ele deixou bem clara é que existem dois tipos de ocorrências inesperadas: algumas precisam ser resolvidas imediatamente, e outras podem ser solucionadas com mais tempo. Uma das maiores habilidades é discernir qual é qual. Quando você descobre que tipo de emergência demanda respostas urgentes, passa a ensaiar essas circunstâncias repetidamente, até que aquilo entra na sua memória física, é como dirigir um carro, por exemplo. Por exemplo, no caso de uma nave espacial, a decolagem e o retorno são os dois aspectos mais críticos. Então eles praticam praticando repetidamente essas duas situações, porque cada fração de segundo conta. Quando a nave está em órbita, eles têm mais tempo para pensar em como lidar com emergências. Ainda é inesperado, mas você pode pensar no que fazer, como fazer e quais recursos irá usar. Entender essa diferença é fundamental. Porque, no final do dia, você não precisa ser um especialista em todas as coisas, mas precisa poder confiar nas pessoas ao seu redor. É isso que os líderes precisam saber.
Pode dar exemplos dos dois tipos de emergência no mundo corporativo?
Se você estiver lidando com uma crise ambiental, como um vazamento de óleo, por exemplo, a equipe de operações precisa saber como interromper imediatamente esse vazamento. A gestão de reputação que será realizada com base nesse fato é algo muito diferente, que pode ser pensado com um pouco mais de tempo. Outro exemplo é quando um funcionário não está se comportando de maneira ética, ou está assediando alguém. Certas coisas precisam ser resolvidas imediatamente, como a comunicação e eventual desligamento desse funcionário. Outras providências, como a criação de uma política para a empresa, podem tomar mais tempo.
As simulações de cenários emergenciais seriam uma maneira de preparar os funcionários para isso?
Sim, elas são fundamentais, especialmente para cenários extremos. Na medicina, ninguém sai entubando um paciente sem antes ter treinado em um manequim, ou com o uso de realidade virtual, conforme me contou o professor Zachary Turnbull. No espaço, as situações são ensaiadas em espaços similares aos que os astronautas vão encontrar. Outro dado importante é que certas informações precisam estar disponíveis o tempo todo. Numa aeronave, por exemplo, os astronautas colocam avisos grudados nas paredes, com os passos certos para determinados procedimentos. Quer dizer, eles memorizam o que fazer, mas caso isso não funcione, está escrito em todos os lugares. Na sala de operações é a mesma coisa. Todos sabem o que fazer se um paciente estiver em situação crítica. Mas também há um manual em cada sala de operações, para uma necessidade extrema. E para garantir que todos estejam falando a mesma língua, fazendo a mesma coisa e seguindo o mesmo protocolo.
Sem comunicação não é possível se preparar para o inesperado?
Sim, e é preciso que haja regras claras sobre isso. Não apenas sobre a linguagem, mas também sobre que irá usá-la. Por exemplo, na exploração espacial, apenas certas pessoas podem falar com os postos na Terra em momentos específicos. E por que isso? Porque ajuda a estabelecer quem está no controle da situação. Alguém precisa assumir o comando de maneira muito clara. E a mesma coisa acontece na área da saúde. Numa sala de cirurgia, existe apenas uma pessoa no comando. E eles usam palavras muito específicas para práticas muito específicas. E isso é universal, para garantir que todos estejam entendendo.
O que os líderes deveriam fazer imediatamente?
Primeiro, reúna todos na sala. E então fale sobre tudo o que poderia dar errado. Pergunte e estimule que todos falem. Porque bons líderes não têm todas as respostas. Eles se cercam de pessoas realmente boas, para que cada uma tenha uma peça da resposta. Depois de mapear todas as coisas que podem dar errado, faça um planejamento de cenários para cada uma dessas coisas. E então pratique, pratique repetidamente, faça simulações e cursos. Repita até que você tenha esse processo entendido e memorizado. E, quando algo acontecer, os funcionários não terão mais medo do incerto. Porque saberão exatamente o que têm que fazer. Ter um processo que todos conhecem de cor significa que o pensamento está fora da equação. As decisões estão fora da equação, porque já foram tomadas.
Você mencionou uma reunião onde todos falem o que pode dar errado. Mas, para chegar a esse ponto, é preciso que os funcionários tenham segurança psicológica, certo?
Veja bem, depois que o ônibus espacial Columbia explodiu, foram feitas algumas descobertas importantes. Uma delas é que havia um problema mecânico. Mas pior que isso foi descobrir que o problema mecânico não foi reportado porque o astronauta não se sentiu confortável, achou que poderia sofrer retaliação de seu superior. Então, isso faz parte da cultura organizacional. E é aí que os líderes podem desempenhar um papel importante: eles têm que estabelecer o tom, mostrar vulnerabilidade e ao mesmo tempo apontar que uma cultura tóxica não será aceitável. Deixar claro que uma diferença de opinião, quando apresentada com respeito e boas intenções, é esperada, honrada e apreciada. Porque é assim que nos tornamos melhores.
Por Marisa Adán Gil, Época Negócios