sábado,23 novembro, 2024

O que fazer quando a inteligência artificial atende, mas não entende o consumidor?

Pesquisa do Procon-SP mostra que 66% das pessoas não resolvem seus problemas apenas falando com o robô. Para especialistas, é preciso humanizar serviço de atendimento

Já falou com um robô hoje? Se fez contato com alguma empresa, provavelmente sim. O atendimento por inteligência artificial (IA) já virou praticamente padrão no mercado brasileiro. Conseguir se fazer entender e resolver os problemas no atendimento automatizado, no entanto, ainda é um desafio. É o que aponta levantamento feito pelo Procon-SP, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade. Das 1.043 pessoas que responderam a pesquisa, 66% disseram que não conseguiram a informação que procuravam ou não conseguiram resolver a queixa.

Desse grupo, que totaliza 688 entrevistados, em respostas que não são únicas, 343 afirmaram que a inteligência artificial não entendeu o seu pedido, 375 avaliaram que as respostas eram incompletas ou insatisfatórias e 203 que faltavam informações.

A grande maioria (60%) relata que sempre precisa recorrer ao atendimento humano para resolver suas questões. Apenas 7,48% declaram que resolvem tudo via atendentes virtuais, chatbots e afins.

— Tenho tido muitos problemas com a tal IA, que também já chamei de “burrice artificial”. As empresas usam essa tecnologia de forma indiscriminada, ineficiente e enlouquecem o consumidor que leva horas, às vezes, dias para resolver um problema que seria solucionado em minutos em contato com um atendente humano. Recentemente precisei trocar 17 mensagens de e-mail e 25 de WhatsApp para obter a simples resposta do código do filtro para uma coifa — queixa-se Flávio Fonseca, aposentado, de 74 anos.

Novo decreto do SAC

Carlos Coscarelli, assessor-chefe do Procon-SP, responsável pela Diretoria de Estudos e Pesquisas da autarquia, pontua que quando as empresas falam de automatização do atendimento buscam redução de custo e sempre apresentam como ganho a velocidade. No entanto, ele avalia que estão esquecendo de levar a resolutividade da ferramenta em conta.

— O roteiro do atendimento não está sendo pensado a partir da necessidade do cliente. Cerca de um terço dos entrevistados sequer identificam que estão falando com uma inteligência artificial, essa simples informação inicial poderia ajudar na jornada. Temos percebido mais queixas sobre dificuldades de resolver problemas no SAC e acreditamos que a automatização do atendimento pode estar entre as causas — pondera.

Na visão de Wadih Damous, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, o atendimento automatizado deve ser a exceção, não a regra.

Para tanto, a Senacon trabalha na minuta de um novo decreto para regulamentação dos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs). O texto deve ser apresentado ao presidente Lula até meados de novembro, antecipa Damous:

— Nós temos ciência que a maior parte dos brasileiros tem dificuldade em lidar com o atendimento automatizado. O atendimento humano passou a ser excepcional e deve ser justamente o contrário. Até porque, comprovadamente é o mais efetivo. Além de, sem trocadilho, ser mais humano.

Humanização

Juliana Cândido Custódio, coordenadora do curso de Estratégia e Gestão de Experiência do Cliente da Escola de Negócios (IAG) da PUC-Rio, diz que ao focar no atendimento automatizado as empresas estão indo na contramão do desejo e das necessidades de seus clientes.

— Após a pandemia há uma busca por atendimento mais humanizado. O caminho que as empresas adotaram é de escala, produtividade, mas estão esquecendo de analisar a capacidade de resolução de problema, de fidelização do consumidor. A automatização não dá conta de tudo, cada consumidor é único e a IA ainda não é capaz de analisar diferentes personalidades, expectativas, emoções — diz Juliana.

Aos 35 anos, o tradutor Diogo de Lima não vê mal algum em ser atendido por robôs. Muito pelo contrário, acha até prático. A questão, diz, é que a tecnologia está amarrada a questões muitos específicas, quando o tema foge do script, afirma, acaba-se caindo num looping , sem solução:

— Queria fazer um upgrade numa assinatura que tinha de ração para o meu gato e simplesmente acabei cancelando por não conseguir uma saída no chatbot. Para mim, parar e ligar para o petshop depois de perder tempo ali na conversa não fazia sentido. Ao tentar reativar uma conta num banco, tive o mesmo problema, ficava em looping eterno, pois as listas de opções não davam conta do problema e a inteligência artificial por trás do sistema não foi capaz de identificar que era hora de colocar um atendente para falar comigo.

Virada será predição

Na visão do economista Roberto Kanter, professor do MBA de Gestão Estratégica de Negócios, Marketing e Gestão Comercial da FGV, o uso da inteligência artificial no atendimento será revolucionário quando ela se tornar preditiva, ou seja, conseguir se antecipar aos problemas do cliente.

— Esse é o grande desafio, entregar a solução antes mesmo que o problema apareça para o consumidor. Essa vai ser a grande virada. Olhando a foto, o atendimento automatizado, de fato, não está num bom momento. Mas se olharmos o filme veremos que melhorou e a tendência é que o aprendizado ganhe velocidade e seja a cada dia melhor — acredita Kanter.

Por enquanto, na avaliação de Claudio Tartarini, coordenador do Comitê Jurídico da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), o melhor uso para a inteligência artificial é colaborar para que o atendimento humano seja mais rápido e eficiente:

— Não se trata de reduzir a importância da robotização e da inteligência artificial, mas essas tecnologias devem ser vistas como apoio e não como instrumentos de substituição do atendimento humano. Pesquisa feita nos EUA aponta que 78% identificam que o agente humano entende melhor suas necessidade, resultado que vai no mesmo sentido da pesquisa do Procon-SP.

A autarquia prepara palestras e cursos para fornecedores em que indicará pontos de melhorias para um atendimento efetivo aos clientes.

— Pelo que mostra a pesquisa a falada centralidade no cliente está mais no discurso que na prática — conclui Coscarelli, do Procon-SP.

Texto: Agência O Globo

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