Novo estudo estima que o biochar poderia capturar até 3 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Veja como funciona esse processo
Em um local próximo de uma serraria no leste do estado da Virgínia, nos Estados Unidos, a startup Waverly Biochar pega serragem e sobras de madeira e queima para transformar em biochar, ou biocarvão, um material capaz de armazenar carbono durante centenas ou milhares de anos.
O projeto, que entrou em operação recentemente, irá capturar pouco mais de 10 mil toneladas de CO2 por ano. A Microsoft comprará os créditos de remoção de carbono como parte de seu plano de se tornar uma empresa negativa em carbono.
Essa é só mais uma dentre as inúmeras plantas de produção de biochar que estão surgindo. Seu potencial é grande: um novo estudo calculou que, se a produção de biochar aumentar tanto quanto for possível a nível global, ela poderá capturar até 3 bilhões de toneladas de CO2 por ano, ou 6% das emissões globais. Entenda como esse processo funciona.
O QUE É BIOCHAR?
Quando os resíduos orgânicos (como talos de trigo, esterco ou serragem) são aquecidos a temperaturas extremamente altas sem oxigênio, eles se transformam em um material semelhante ao carvão, mas conhecido como biochar.
Esse material tem uma longa história – as comunidades indígenas da América do Sul já faziam uso dele na agricultura há pelo menos oito mil anos, porque quando adicionado ao solo, ajuda as plantas a crescer. Mas também está se tornando cada vez mais uma ferramenta para ajudar a combater as alterações climáticas.
COMO O BIOCHAR ARMAZENA CARBONO?
As plantas absorvem dióxido de carbono conforme crescem. Mas esse CO2, em geral, é liberado rapidamente – por exemplo, se os resíduos da colheita permanecerem no terreno, vão apodrecer e liberar CO2.
O mesmo acontece com galhos caídos na floresta ou resíduos orgânicos em aterros sanitários. Mas, se o material orgânico for transformado em biochar, isso impedirá que a maior parte dele se decomponha.
“Esse processo retira parte do carbono da biomassa original e a mantém sob uma forma muito estável, que reduzirá a degradação do carbono durante centenas ou milhares de anos”, explica Thomas Trabold, professor do Instituto de Tecnologia de Rochester e um dos os coautores do estudo.
ONDE PODE SER PRODUZIDO?
O equipamento que produz biochar pode ser utilizado em pequena escala ou em instalações maiores, que recolhem resíduos de múltiplas fontes. Para obter a menor pegada de carbono, faz sentido ter um local próximo à fonte dos resíduos orgânicos e próximo aos locais onde o biochar será utilizado.
Para calcular quanto biochar poderia ser produzido globalmente, o estudo analisou a quantidade de culturas e de outros resíduos orgânicos em 155 países. Só nos EUA, existe potencial para produzir biocarvão suficiente para sequestrar quase 400 milhões de toneladas de CO2 por ano.
COMO O BIOCHAR AJUDA NAS FAZENDAS?
Quando visto em um microscópio, o biochar parece uma esponja. Se for adicionado ao solo, a estrutura esponjosa o ajuda a reter água e nutrientes, o que faz com que os agricultores precisem de menos irrigação e fertilizantes. Os fertilizantes são outra grande fonte de emissões, e o novo estudo ainda não contabilizou esse benefício.
O biochar também pode ter outras vantagens. As empresas podem utilizar madeira retirada de florestas com risco de incêndios por exemplo. O próprio biochar também pode ser usado de outras maneiras, inclusive como ingrediente no concreto, para ajudar a tornar o material mais forte e, ao mesmo tempo, armazenar carbono.
QUAIS AS VANTAGENS SOBRE OUTROS PROCESSOS?
O biochar é considerado uma forma relativamente permanente de armazenamento de carbono, ao contrário do plantio de árvores, que correm o risco de serem derrubadas ou queimadas em incêndios florestais. Também é mais barato do que tecnologias como a captura direta da atmosfera, com máquinas que sugam CO2 do ar.
Equipamentos para produzir biochar não são complicados de fabricar. “O que torna o biochar interessante é que ele é um dos poucos tipos de créditos de remoção escalonáveis no curto prazo”, compara Justin Cochrane, CEO da Carbon Streaming, a empresa que ajudou a financiar o projeto na Virgínia.
POR QUE NÃO É AMPLAMENTE UTILIZADO?
No passado, o custo foi uma barreira. Mas, devido à atual capacidade de vender créditos de carbono, isso está mudando.
“A indústria existiu durante pelo menos uma década sem meios de retorno financeiro por todo o carbono removido. Não conseguíamos um centavo por isso”, explica Josiah Hunt, CEO da Pacific Biochar, empresa que produz o biocarvão a partir de fontes como madeira retirada de florestas para evitar incêndios.
“Desde 2020, houve uma mudança profunda na indústria do biochar, permitindo que as empresas não apenas sobrevivessem, mas também prosperassem.”
COMO AJUDA A COMBATER A MUDANÇA CLIMÁTICA?
O fator mais delicado da ação climática é a redução das emissões – a maior parte das quais acontecerá através do abandono dos combustíveis fósseis.
Mas, à medida que as emissões diminuem, ainda precisaremos de remover o CO2 da atmosfera, tanto para lidar com as emissões que são difíceis de eliminar imediatamente como para, eventualmente, começar a remover o excesso de dióxido de carbono que se acumula na atmosfera.
O biochar é apenas uma parte da solução. Mas o seu potencial para remover 6% das emissões globais é significativo. Isso equivale à poluição de mais de 800 centrais elétricas a carvão, ou quase três vezes mais que as emissões de CO2 do setor de aviação.
Texto: Adele Peters