Parte da jornada ESG, o bem-estar animal ganha cada vez mais espaço dentro das empresas comprometidas em se adequar aos novos consumidores, que agora exigem mais ética
A agenda ESG tornou-se uma exigência do mercado para as empresas mostrarem adequação aos novos tempos. A responsabilidade socioambiental e ética pode significar a sobrevivência da marca frente a um consumidor cada vez mais exigente sobre de onde vem e como é produzido aquilo que compra, e as galinhas importam aqui, já que o bem-estar animal tem sido uma das estratégias utilizadas pelas empresas para avançar nas pautas.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem atualmente 175 milhões de aves poedeiras no Brasil. O Guia Galinhas, de 2019, elaborado pelo Diálogos União Europeia-Brasil, estima que cerca de 95% delas se encontram em sistemas de criação intensiva.
Esse dado, juntamente com os estudos que destacam a senciência animal, impulsiona o trabalho de diferentes ONGs de proteção animal ao redor do mundo, promovendo a conscientização sobre os direitos animais para a população e para as empresas.
A vice-presidente jurídica da organização internacional Mercy For Animals (MFA) no Brasil, Paula Cardoso, afirma que os avanços no Legislativo e no Judiciário em relação à importância do bem-estar animal contribuem com a mudança de padrões éticos na sociedade. “Estamos acompanhando um movimento em que decisões judiciais e doutrinadores do direito buscam uma harmonia entre os interesses dos humanos com o dever ético das relações desses com os animais”, comenta.
Além da questão ética envolvendo a gestão do relacionamento entre animais humanos e não humanos, que endereça a governança nas empresas, fatores sociais e ambientais também são impulsionadores para o bem-estar animal dentro das corporações. Um exemplo disso é a resolução da ONU, que coloca o bem-estar animal como preocupação essencial do Pnuma, relacionando-o à proteção ambiental e à redução do risco de novas doenças zoonóticas.
O professor doutor Celso Funcia Lemme, do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reforça que as discussões sobre ESG estão ganhando cada vez mais força na sociedade por meio das transformações pelas quais o mundo e as gerações de consumidores estão passando.
Ele explica que se nos anos 1980 éramos 4,5 bilhões de pessoas no mundo, hoje somos 8 bilhões – com projeções de chegarmos a 10 bilhões, em 2050. A pressão exercida sobre o planeta para produzir alimentos nos próximos anos exigirá uma nova postura em relação ao meio ambiente e aos modos de produção, e isso impacta o modo como criamos animais.
“Já se discute o manejo destes animais, como isso tem gerado ciclos de pandemias entre aves e suínos. O bem-estar animal tenta endereçar o conceito de saúde única, que diz que a saúde animal, humana e do ambiente é uma só e isso está diretamente ligado ao ESG nos setores que usam animais”, comenta.
O professor, que leciona sustentabilidade corporativa na UFRJ, explica que a crescente preocupação com os animais entre as gerações mais jovens de consumidores adicionou uma qualidade a mais a ser observada no produto, pressionando o mercado por mudanças. “Você sempre teve a qualidade do produto, do processo e da matéria-prima, agora você tem a ética. Qual é a qualidade ética daquilo que eu estou consumindo”.
Ovos de galinhas livres de gaiolas
A MFA atua em um projeto no Brasil que busca firmar o compromisso das empresas de alimentos e hotelaria para a não comercialização ou utilização de ovos provenientes de galinhas criadas em gaiolas, reconhecendo que o confinamento intensivo destes animais é uma das piores práticas da indústria de ovos.
O resultado é acompanhado pelo Monitor de Iniciativas Corporativas pelos Animais (Mica), que pontua as empresas em níveis e cores, de acordo com os seus posicionamentos e avanços.
Renata Scarellis, diretora de políticas corporativas na Mercy For Animals (MFA) no Brasil, afirma que as empresas estão cada vez mais buscando recursos para colocar em prática os critérios ESG. “O Mica surge, justamente, para fornecer informações precisas para o público consumidor sobre a atuação das empresas em relação ao bem-estar animal em suas cadeias de suprimentos. O ranking permite que cada empresa participante faça uma autoavaliação, constituindo uma ferramenta importante para orientar decisões estratégicas e, se necessário, realizar ajustes no rumo”, comenta.
Empresas como agentes de transformação
O índice tem a participação de grandes empresas como Accor Hotels, Arcos Dorados, Barilla, BRF, Danone e GPA. As empresas relatam como o bem-estar animal passou a ser uma pauta estratégica para responder à agenda ESG.
Para Antonietta Varlese, SVP de sustentabilidade e comunicação Accor Américas, participante do ranking desde 2021, não se pode falar em desenvolvimento sustentável, sem considerar o bem-estar animal. “O impacto na preservação da biodiversidade está diretamente ligado ao combate de práticas inadequadas e, também, a regulamentações mais rígidas no uso de animais como alimentação”, afirma.
De acordo com Susy Yoshimura, diretora de sustentabilidade do Grupo Carrefour Brasil, um dos maiores players de supermercados do país, a companhia está comprometida com o bem-estar animal na sua cadeia de produção. “Temos políticas específicas e temos avançado no diálogo e engajamento com nossos fornecedores para avanços tecnológicos e processos, ao mesmo tempo que olhamos a produtividade, acessibilidade e qualidade”, explica.
A BRF, gigante do setor de alimentos, declara ter a sustentabilidade integrada ao seu modelo de negócio: “Atuamos em sintonia com as melhores práticas do mercado, por meio de projetos, metas públicas e certificações, com o objetivo de levar ao consumidor, além da qualidade, um produto que traga todo o cuidado com a cadeia de produção”, afirma Josiane Busatta, gerente de bem-estar animal da BRF. “Promovemos, também, o engajamento de nossos colaboradores e stakeholders quanto à importância do esforço conjunto para avançarmos na agenda de bem-estar animal”, acrescenta a executiva.
Fonte: Exame