Expansão da realidade virtual e “migração” de atividades do cotidiano para o novo ambiente ainda não ocorreu, mas tem progredido
O metaverso se tornou uma das tendências mais discutidas de 2021 e 2022, espalhando uma promessa de que tecnologias como a realidade virtual estariam avançadas o suficiente para permitir uma migração de diversas atividades do cotidiano para o novo ambiente, em que cada pessoa contaria com seu avatar e poderia trabalhar, se relacionar, interagir, consumir e se divertir.
Um dos maiores símbolos dessa explosão foi a ousada, e polêmica, decisão da controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp de mudar de nome para Meta, um movimento liderado por Mark Zuckerberg para demonstrar a aposta bilionária da gigante de tecnologia no novo segmento.
Pouco tempo depois, não é incomum encontrar avaliações de que o metaverso estaria “morto”. O tema saiu da pauta principal de diversas empresas e muitos ainda apontam ceticismo em relação à possibilidade da passagem da vida “real” para um ambiente virtual. A Meta, por exemplo, segue amargando prejuízos trimestrais bilionários com sua divisão de metaverso.
Ao mesmo tempo, defensores do conceito avaliam que novos avanços tecnológicos ocorreram e que o setor de tecnologia segue investindo e pesquisando o tema, mesmo que de forma mais discreta. Um estudo recente da consultoria PwC vai na mesma linha, projetando que a área deve gerar R$ 4 trilhões para companhias até 2030.
Afinal de contas, o metaverso morreu ou está apenas esperando o momento certo para ressurgir das cinzas?
O “sinônimo de fracasso”
Junior Borneli, fundador da escola de negócios StartSe, afirma à EXAME que o “hype” vivido pelo metaverso entre 2021 e 2022 coincidiu com um momento bastante favorável para a ideia: a pandemia de Covid-19. Era um cenário de “restrição de liberdade, e a ideia de viajar pelo mundo virtual parecia muito interessante”. Ao mesmo tempo, a Meta serviu como a grande impulsionadora da ideia.
Zuckerberg chegou a divulgar alguns projetos da companhia focados no trabalho remoto, que milhares de empresas precisaram implementar às pressas devido às restrições necessárias para conter o avanço do coronavírus. À época, a aposta era que a realidade virtual poderia ser a grande chave para tornar o trabalho remoto menos isolado, e mais eficiente. Com isso, surgiram novas profissões, cursos, projetos e empresas voltadas para o tema.
Mas Borneli acredita que, em pouco tempo, as pessoas “perceberam que aquilo não fazia sentido naquele momento, para o mundo geral”. “O metaverso foi visto como uma fantasia que poderia ter utilidade em alguns nichos específicos no momento”, opina. E pior: o termo acabou virando “sinônimo de fracasso”.
O especialista acredita que a dificuldade de fazer a ideia engrenar e ganhar mais adesão envolveu um misto de problemas. De um lado, a tecnologia necessária para isso já está disponível e “funciona bem”, mas ainda não é tão realista e barata quanto o esperado. Ao mesmo tempo, a ideia de migrar para o mundo virtual ficou associado a um esforço para se “isolar do mundo, não conseguir se relacionar com o mundo real”.
Mesmo assim, Borneli diz que a adoção em massa do metaverso ainda é o cenário mais provável. “Vai acontecer conforme ele se torna mais realista, com mais usabilidade, mais barato e óculos mais leves. Ele tem uma entrega prática, que nos faz começar a achar que faz sentido, de acesso à internet, combinação de realidade virtual com a real, um mix. Trouxe utilidade prática, então caminha nessa direção”.
Metaverso e IA, histórias semelhantes?
De um certo modo, a história do metaverso pode acabar sendo semelhante à da inteligência artificial. Isso porque a ideia em torno das IAs surgiu na década de 1950, mas demorou anos para ganhar aplicações práticas e, durante um período, chegou até a ser escondida pelas gigantes de tecnologia, que criaram outros termos para se referir ao que, efetivamente, eram aplicações de IA. Mas o cenário mudou com o surgimento do ChatGPT e as IAs generativas.
Para Borneli, um dos sinais que confirma essa hipótese é a forma como a Apple comunicou o lançamento do seu Vision Pro – um óculos de realidade virtual que busca compartir com o Quest da Meta. Em nenhum a gigante de tecnologia se referiu ao conceito como metaverso, mas sim como “computação espacial”.
“A gente está vendo um movimento muito parecido com IA. Lá atrás, muita gente já usava, mas há 10 anos o Watson da IBM era a referência de IA, virou sinônimo, então muitas usavam e não falavam porque a percepção de valor era muito baixa, o cliente quase nem via a diferença. Agora a entrega de valor é maior e mais nítida, por isso as empresas buscam reforçar que estão usando IA em vários processos”, explica Borneli.
O especialista avalia que o mesmo pode ocorrer com o metaverso: “Já usamos coisas imersivas que hoje podem ter pouco uso e fazer pouca diferença, mas no futuro vão ser maiores”. Entretanto, para isso ocorrer é preciso que a tecnologia se torne mais acessível, barata e que seja efetivamente adotada e aprovada pela população.
Há, inclusive, quem diga que os óculos de realidade virtual vão substituir os smartphones, o que impulsionaria o metaverso, mas Borneli diz que “é cedo para cravar isso”. Ao mesmo tempo, ele comenta que a IA também roubou boa parte dos holofotes que estavam no assunto.
“A IA generativa roubou espaço do metaverso. Vão surgindo novos hypes, o metaverso não funcionou mesmo antes, e quando ela [IA] apareceu roubou a cena porque já tinha aplicação prática, um uso real, que nos tornou melhores, mais produtivos. É diferente do metaverso que não conseguiu entregar”, comenta.
Sinais e futuro
O fundador da StartSe considera ainda que já existem alguns sinais de que a convergência para o metaverso é uma questão de tempo. O principal é a disparada nas vendas do Vision Pro da Apple, que pode ter ultrapassado já a casa de 1 milhão de usuários.
“Outra coisa é como as pessoas estão usando, vários vídeos surgiram das pessoas usando, em diversas situações. São early adopters, mas as pessoas estão encontrando usos práticos. É o poder da Apple de atrair gente, colocar como um sinal de status. Estão fazendo bem mais sucesso que modelos anteriores”, ressalta.
Para Borneli, a tendência é que a realidade virtual e o mundo real se misturem, algo que deve ocorrer nos próximos cinco anos, abrindo margem para diversas aplicações e usos. Ele considera ainda que a aplicação de inteligência artificial em processos produtivos deve acelerar esse processo.
“A IA acelera a criação de coisas que levariam muito tempo, elas vão levar menos tempo. E isso inclui o metaverso. A aceleração da tecnologia permite acelerar esses processos, com um ganho de eficiência. Estamos vendo uma grande transformação com a IA, e podemos estar vendo o início da mudança do smartphone para os óculos de realidade virtual. São transições de momentos tecnológicos no tempo. Antes demorávamos muito para dar esses saltos, e agora ocorrem muitos em um curto espaço tempo”, pontua.
Fonte: Exame.