terça-feira,26 novembro, 2024

O desafio da insegurança alimentar e a desigualdade de gênero

Cerca de 828 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo. É o que mostra o relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) 2022” publicado em junho pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Depois de permanecer 7 anos quase inalterado, o número de pessoas afetadas pela fome cresceu quase 150 milhões desde o início da pandemia – sendo 103 milhões entre 2019 e 2020 e outros 46 milhões em 2021.

Com o avanço da vacinação e a retomada pós crise global, havia a expectativa de que a segurança alimentar global passaria a melhorar. Não foi o que aconteceu, já que a fome mundial cresceu ainda mais em 2021 e, como aponta o relatório da FAO, este fenômeno é reflexo das profundas desigualdades e da ausência de políticas de cooperação dentro e entre os países durante a recuperação econômica no período pós-pandemia.

As previsões para os próximos anos não são nada otimistas: 670 milhões de pessoas ainda deverão sofrer com a fome até 2030 – o equivalente a 8% da população mundial. O valor se aproxima do observado em 2015, ano do lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecido como Agenda 2030.

No Brasil a situação também é grave. De acordo com dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil – II VIGISAN, em 2020, 19,1 milhões de brasileiros conviviam com a fome. Em 2022, esse número saltou para 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer; apenas 4 entre 10 famílias brasileiras conseguem ter hoje acesso pleno à alimentação.

Infelizmente, esses dados representam um retrocesso histórico para o nosso país. Entre 2004 e 2013, o Brasil se posicionava como referência internacional no combate à fome. As políticas públicas de erradicação da pobreza e da miséria implementadas neste período, reduziram a insegurança alimentar extrema: de 9,5%, no ano de 2004, para 4,2% em 2013.

Segundo dados da FAO, em 2014, o índice brasileiro de pessoas em situação de insegurança alimentar extrema havia chegado a 1,7%, sendo o equivalente a 3,4 milhões de pessoas. Nesse cenário, nosso país atingia as metas do milênio e se colocava como uma das nações globais que haviam superado o problema da fome. A realidade que enfrentamos hoje é bem diferente, com cerca de 15,5% da população passando fome, o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990, em que 14,8% dos brasileiros não tinham o que comer.

As mulheres são as mais impactadas pela fome

Como se os números já não fossem catastróficos por si só, a fome atinge as mulheres de forma ainda mais desigual e intensa. As diferenças são expressivas na comparação entre os lares chefiados por homens e os lares chefiados por mulheres no Brasil entre 2020 e 2022, segundo a pesquisa II VIGISAN.

Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Já nos lares que possuem homens como responsáveis, a fome passou de 7,0% para 11,9%. Segundo a pesquisa, isso ocorre, entre outros fatores, pela desigualdade salarial entre os gêneros.

E esse não é um retrato apenas do Brasil. De acordo com o estudo da FAO, a disparidade de gênero na insegurança alimentar mundial – que já havia crescido em 2020 em função da pandemia de covid-19 – aumentou ainda mais em 2021, com 31,9% das mulheres no mundo vivendo em insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com 27,6% dos homens.

A anemia é um dos nefastos resultados gerados pela fome e atinge principalmente mulheres que se encontram em insegurança alimentar. A pesquisa da FAO aponta, que a prevalência da anemia entre mulheres de 15 a 49 anos foi estimada em 29,9% em 2019. O número absoluto de mulheres com anemia aumentou de 493 milhões em 2000 para 570,8 milhões em 2019, o que tem implicações na morbidade e mortalidade feminina e pode levar a resultados adversos na gravidez e no recém-nascido.

Cada um dos números absolutos mencionados nos parágrafos deste texto representa a vida de uma pessoa. É absolutamente revoltante constatar que os avanços nos percentuais de segurança alimentar, ainda que possam parecer pequenos, representam milhões de pessoas convivendo cotidianamente com um sofrimento incalculável.

A desigualdade de gênero também se manifesta na segurança alimentar, gerando diversas consequências para o desenvolvimento econômico e psicossocial na vida destas mulheres que se encontram em extrema vulnerabilidade.

Como sociedade, precisamos priorizar a pauta da erradicação da fome como um desafio urgente e coletivo. Estamos próximos de um período eleitoral, uma verdadeira janela de oportunidade para refletir sobre a sociedade que desejamos e merecemos ser no futuro imediato. Não tenho dúvidas de que o Brasil pode novamente ser uma referência internacional no combate à fome e na erradicação da pobreza.

Por: Letícia Piccolotto

Redação
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