A entrega do projeto de lei que amplia de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), nesta sexta-feira (25/06), foi marcada por confusão de números que ajudou a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) cair 0,5% logo após o início da divulgação da proposta e continuou caindo mais de 1,2% logo em seguida e, por volta das 16h05, desabava 2,18%.

Após encontro com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou que a base de beneficiados pela isenção seria ampliada de 8 milhões para 16 milhões. Mas, durante a videoconferência com jornalistas, o secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto, corrigiu o dado citado por Guedes mais cedo, afirmando que o número estava desatualizado, porque se tratava da base do ano anterior. Neste ano, o número correto de isentos, segundo ele, é de 10,7 milhões e, em 2022, passará para 16,3 milhões, “o que representará um aumento de 5,6 milhões de isentos”.

Mas a confusão dos números não parou por aí. Apesar de Tostes garantir “impacto nulo” na carga tributária, até agora, os técnicos da pasta não apresentaram números que comprovem essa teoria, o que foi prometido pela pasta, mas ainda não foi apresentado.

A proposta da segunda etapa da reforma tributária do Executivo prevê que o desconto de 20% para a declaração no modelo simplificado será restrito a quem recebe até R$ 40 mil por ano, e permite atualização do valor dos imóveis declarados à Receita Federal, mediante ao pagamento de uma alíquota de 5%. Hoje, na declaração, são mantidos os valores da aquisição e, no caso da venda, o imposto a pagar sobre o ganho de capital varia de 15% a 22,5%. Esse tributo é mantido, mas, com a atualização, Tostes Neto explicou que o valor do imposto devido poderá ser menor, porque incidirá sobre a atualização e o preço de venda. “Se não houver diferença, o imposto é zerado”, afirmou o secretário.

Medidas adicionais

A nova proposta ainda institui a cobrança de Imposto de Renda para lucros e dividendos distribuídos aos acionistas com alíquota de 20%. De acordo com o chefe do Centro de Estudos Tributários da Receita, Claudemir Malaquias, a receita com esse novo tributo será de R$ 18,5 bilhões, em 2022; de R$ 54,9 bilhões, em 2023; e de R$ 58,16 bilhões em 2024.

O projeto também altera a tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIS) e mantém a isenção do IRPF para a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e para a Letra de Crédito Agrícola (LCA). Técnicos da pasta negaram pressões da bancada ruralista e justificaram a medida como resultado de uma “análise de cenário e da pandemia”. Já os fundos atrelados a esses papeis, serão tributados normalmente pelas novas regras de equalização dos impostos sobre esse tipo de investimento. Todos os investimentos ligados à Bolsa e fundos de investimentos serão tributados em 15%, independente do prazo de aplicação, de acordo com Tostes.

A dedução de juros sobre o capital próprio foi vedada a partir do próximo ano. “Esse mecanismo se mostrou ineficaz para capitalizar empresas e promover investimento”, justificou o secretário da Receita. Ao justificar a falta de uma nova faixa para o imposto de renda para quem ganha mais, Tostes citou a tributação sobre fundos exclusivos prevista no projeto, uma vez que essas aplicações não pagavam tributos e, geralmente, são compostos ou geridos por donos de grandes fortunas.

O projeto de lei também prevê redução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), passando dos atuais 15% para 12,5%, em 2022, e para 10%, em 2023. Com a redução dessas alíquotas, Malaquias prevê perdas para o Fisco de R$ 18,52 bilhões em 2022; de R$ 39,2 bilhões, em 2023; e de R$ 41,53 bilhões em 2024. O técnico contou ainda que, com a atualização da tabela do IRPF, segundo Malaquias, as perdas para o Fisco serão de R$ 13,5 bilhões em 2022, de R$ 14,46 bilhões, em 2023; e de R$ 15,44 bilhões, em 2024.

Os números dos impactos fiscais das mudanças previstas no projeto de lei da segunda etapa da proposta do Executivo, entretanto, geraram confusão. De acordo com Malaquias, o ganho de arrecadação gira em torno de R$ 900 milhões em 2022, passando para R$ 330 milhões, em 2023; e para R$ 590 milhões, em 2024. Entretanto, os técnicos não deram detalhes dos respectivos valores das renúncias fiscais e compensações das medidas, que são previstas em lei quando o governo abre mão de receita, que comprovem essa teoria de que não haverá aumento na carga tributária.

Vale lembrar que a primeira proposta da reforma tributária do Executivo, enviada no ano passado, prevê a criação de uma Contribuição sobre Bens e Serviços de 12%, unificando as alíquotas de PIS-Cofins, que são tributos federais, o que, de acordo com especialistas, aumenta a carga tributária. O fatiamento da reforma, inclusive, é visto com maus olhos por especialistas, porque não pemitirá ganhos de produtividade para a economia. Levantamento feito pelo economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, uma reforma tributária ampla ajudaria a ampliar o PIB brasileiro em 14% no período de oito anos.

Repercussão

Analistas avaliaram a proposta com várias ressalvas. “A proposta é menos ousada do que se imaginava. Teve toda a discussão de colocar o imposto sobre lucros e dividendos, mas houve pequena mudança em relação ao IRPF”, avaliou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Para ele, o projeto poderia ter uma gradação maior nas faixas de renda mais altas, como era prometido e acabou não ocorrendo. Ele lembrou que no caso do tributo sobre a atualização dos imóveis, o governo também poderia ter criado uma gradação de valores, cobrando uma alíquota maior para as propriedades mais caras, para garantir uma maior progressividade da carga tributária. “O projeto pecou um pouco pela ausência de uma progressividade maior a não ser sobre a questão imposto sobre lucros e dividendos”, resumiu Vale.

André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, afirmou que, em um primeiro momento, a proposta não agradou o mercado, porque a Bolsa teve “leve queda” logo após a entrega da proposta prevendo a tributação de lucros e dividendos e alteração na cobrança de impostos de Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). “A nossa leitura preliminar do documento — há muito o que analisar ainda da proposta — vê com bons olhos a simplificação de alíquotas e a correção da tabela do IR. O efeito total sobre a arrecadação ainda não foi estimado e este é um dos pontos que temos que nos aprofundar”, afirmou.

Por ROSANA HESSEL, Blog do Vicente/Correio Braziliense
Foto: Sérgio Lima/AFP

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