Há dois meses, Ricardo Sanfelice trocou o setor de telecomunicações — onde atuava há 25 anos — por um cargo criado para ele no banco BV: a diretoria executiva de Inovação e Dados. Dessa maneira, Sanfelice passou a coordenar uma área estratégica para a diversificação de receitas do banco. O plano do BV é apostar na inteligência de dados para fazer avançar novos negócios: parcerias com startups, desenvolvimento de produtos personalizados, a consolidação do Open BV e um futuro marketplace, ainda sem previsão de lançamento.
“A diretoria foi criada para dar foco e visibilidade a esses temas em um nível executivo. O BV constrói uma agenda de uso de dados há muito tempo, mas precisamos evoluir. Nossas prioridades são avançar nos temas de Open Banking e utilizar essa massa de dados para personalizar a oferta de produtos e serviços”, explica Sanfelice. Estão sob sua gestão as estruturas de inovação, ciência de dados, BV Lab (braço de inovação aberta), BV Open e CRM.
Dentro dos temas de Open Banking, uma plataforma que deve crescer é o BV Open. Trata-se de uma plataforma de Banking as a Service (BaaS) que disponibiliza os serviços financeiros do banco para outras empresas – que então ofertam esses mesmos serviços aos seus clientes finais. A plataforma tem cerca de 40 negócios parceiros, entre eles o Abastece Aí, aplicativo do Grupo Ipiranga. A fintech Banco Neon e o Portal Solar, que oferece financiamento para projetos de energia solar, também usam os serviços do BV Open.
“Queremos acelerar bastante essa operação, porque estamos em uma segunda fase, na qual a estrutura está pronta e adicionar parceiros é muito mais rápido. Devemos chegar a 200 parceiros em breve”, aposta Sanfelice.
Por enquanto, as receitas do BV — que é o quinto maior banco privado do país — ainda estão concentradas nos negócios maduros, como o financiamento de veículos, que recentemente recebeu um aporte de US$ 50 milhões do IFC para financiar veículos flex, híbridos e elétricos. “Nossas receitas ainda são geradas muito mais pelos core businesses, mas se você observar os resultados, ao longo do tempo vem ocorrendo uma diversificação. Os negócios mais sólidos vêm perdendo relevância para os novos”, analisa.
Destravar a inovação
Braço de inovação aberta do banco, o BV Lab tem dois papéis, na visão de Sanfelice. Além de fortalecer o relacionamento da empresa com o ecossistema de startups, ajuda a destravar a inovação. “Toda empresa grande, quando vai inovar, esbarra nos processos tradicionais. Isso é natural, estamos dentro de um grande banco, com dois acionistas de grande porte, com compliance forte, com processos regulatórios muito bem estruturados”, observa. O BV é controlado pelo Banco do Brasil e pelo Grupo Votorantim.
“Antes de fazer a conexão com o ecossistema, a gente precisa garantir que dentro do banco os processos de inovação funcionam bem”, explica Sanfelice. A mudança envolve, por exemplo, os processos de compra e contratação, a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e um trabalho de transformação da cultura interna. Já traz resultados, segundo o executivo.
“Se antes demorava 200 dias para selecionar uma startup e desenvolver uma prova de conceito, hoje conseguimos fazer em 30 dias. A gente brinca que é um projeto limpa-trilhos, temos que limpar o caminho para a startup passar”, conta.
No último ano, o BV Lab fez mais de 50 provas de conceito (PoC). Destas, 30 serão viabilizadas neste semestre. Seis já viraram negócios efetivos dentro do banco, e estão prestando serviços financeiros em diversas áreas. Há startups, por exemplo, que atuam dentro do BV com ciência de dados, para melhorar o score de crédito dos clientes. “Todas, de alguma forma, tocam o cliente final. Ele não tem contato direto com a startup, mas ela está lá”.
Em maio, por exemplo, o BV fechou uma parceria com a Klavi, plataforma de Software as a Service (SaaS) especializada em processamento de dados financeiros e geração de insights por meio de analytics. O objetivo é identificar informações como renda, tipos de gastos e fluxo de caixa com alta precisão, para ofertar produtos personalizados aos clientes.
Transformação sem precedentes
Para Sanfelice, o setor financeiro vive um momento de aceleração dos negócios digitais, especialmente com o fortalecimento do open banking. “Eu realmente acredito que a indústria financeira está passando por uma transformação sem precedentes. Enxergo uma oportunidade enorme”, afirma.
O executivo acredita ainda que o setor deve passar por uma redução no número de players nos próximos cinco anos.
“Hoje existe uma fragmentação muito grande, há mais de 1,2 mil fintechs no Brasil, de todos os tipos. O sistema financeiro deixou algumas janelas abertas, e cada startup foi entrando em uma dessas brechas. Só que essa fragmentação é complexa até para o consumidor, que tem cartão de um banco, financiamento em outro. Se fosse para apostar, eu diria que no futuro teremos menos players, mas serão grandes marketplaces de serviços financeiros”, diz.
Por LOUISE BRAGADO