sexta-feira,20 setembro, 2024

NFTs perdem valor na crise, mas tecnologia ainda tem muito a oferecer, dizem especialistas

Febre em 2021, inovação ajudou a popularizar venda de arte digital e foi alvo do apetite de celebridades; crise de liquidez no mercado em 2022 afetou preço dos ativos, mas conceito de token não-fungível pode ser útil para prevenir falsificações em ingressos, passagens e até escrituras de imóveis, apontam investidores

De tempos em tempos, o mercado de tecnologia é invadido por siglas e tendências que roubam a atenção dos investidores. Há pouco mais de dois anos, era a vez dos NFTs (ou tokens não fungíveis, em bom português): utilizados no mercado de arte digital, muitas vezes com figurinhas de macacos entediados ou outros memes, eles atraíram a atenção de celebridades como Neymar, Justin Bieber e Madonna, que gastaram alguns milhões de dólares para preencher suas galerias digitais. Em agosto de 2021, o mercado de NFTs chegou a movimentar US$ 2,8 bilhões em uma semana. Mas hoje, muito desse dinheiro virou pó: em estudo recente, a consultoria DappGambl, especializada em criptoativos, apontou que 95% dos NFTs perderam completamente seu valor de mercado.

Dentro do mesmo estudo, que analisou mais de 70 mil coleções de tokens não fungíveis, a consultoria aponta ainda que das “figurinhas” que têm algum valor, 18% são consideradas inúteis e 41% custam até US$ 100. E pior: de todas as coleções lançadas, 79% permanecem sem ter sido vendidas. São números que mostram claramente que a euforia de 2021 deu lugar ao marasmo, talvez de uma maneira mais intensa do que em outros mercados.

Vale lembrar que, após o começo da guerra da Ucrânia, não foram apenas os NFTs que perderam espaço, mas também o próprio mercado de criptomoedas e o de investimentos em startups (venture capital). Afinal de contas, os riscos globais trazidos pelo conflito dilapidaram a liquidez exagerada que o mercado vivia naquela época. Para muita gente, as estatísticas talvez fossem suficientes para enterrar essa sigla. Especialistas, porém, defendem que a tecnologia ainda tem muito o que oferecer para as pessoas – especialmente se for utilizada nos bastidores.

Artes e jogos

Para entender um pouco dessa visão, é importante dar alguns passos atrás e entender o que exatamente é um NFT. De um lado, ele é um token: isto é, o símbolo de um ativo dentro do universo da blockchain – a rede responsável por organizar as transações de criptoativos, dona de um protocolo que evita falsificações e mantém a rastreabilidade das operações. Do outro, é preciso entender o que significa “não-fungível”. “Um token não fungível é a representação digital de algo único. Um bitcoin é fungível: ele pode ser intercambiável por outro bitcoin. Já uma obra de arte, como a Monalisa ou um NFT, não pode ser trocada por outra coisa automaticamente”, explica Pedro Lapenta, chefe de pesquisas da gestora de criptoativos Hashdex.

Para Dan Yamamura, sócio da gestora Fuse Capital, a criação dos NFTs surgiu como uma luva para dar vazão a um mercado que esteve represado durante muito tempo: a arte digital. “Com o surgimento dos NFTs, as galerias de arte entenderam que a tecnologia era capaz de cuidar de problemas de copyright e falsificação das obras. Além disso, o momento de euforia do mercado trouxe um fluxo de liquidez enorme para a arte digital. Do mesmo jeito, quando vem a ressaca do mercado, há um alinhamento no vetor contrário”, afirma Yamamura.

Já o especialista da Hashdex vai além para explicar por que os NFTs se deram tão mal após a crise: “O problema do mercado de arte, diferentemente de outros ativos, é que ele não tem um valor intrínseco: cada um dá o preço que quer para as obras de arte – e isso torna o mercado bastante especulativo.” A mesma definição vale para outro mercado em que os NFTs foram bastante presentes: games como Axie Infinity, no qual os tokens não fungíveis eram usados na compra de personagens utilizados pelos jogadores em suas partidas. Para se ter um exemplo da desvalorização, vale dizer que a moeda do jogo, a AXS, chegou a custar R$ 873, em novembro de 2021. Hoje, se desvalorizou mais de 35 vezes e é vendida a cerca de R$ 23 nas bolsas de criptomoedas.

À espera

“A real utilidade para os NFTs ainda não apareceu, mas já há sinais de utilidade começando a tomar forma”, afirma Dan Yamamura. Segundo o sócio da Fuse Capital, que investe em empresas do setor, os NFTs podem ser utilizados para atestar a veracidade de dados e informações em diferentes mercados.

Lapenta, da Hashdex, cita como exemplo o caso da bilheteira americana Ticketmaster, que já emitiu milhões de ingressos por meio da tecnologia. “Cada ingresso se torna um NFT, o que permite à empresa evitar falsificação de ingressos e até mesmo adicionar a transferibilidade – facilitando a revenda de um tíquete, por exemplo”, diz ele. “Além disso, o ingresso continua tendo valor depois do show: se o artista quiser, ele pode usar a mesma estrutura para fazer sorteios ou enviar mensagens aos fãs.”

Outra utilização parecida tem sido feita pela companhia argentina low-cost Flybondi, que transformou suas passagens em tokens não-fungíveis – a meta da empresa é permitir que os passageiros possam trocar o nome dos bilhetes, transferi-los a terceiros ou até mesmo negociá-los caso necessário. “Isso pode criar um novo mercado mundial de passagens aéreas”, afirma o chefe de pesquisa da Hashdex.

Já Yamamura vê muito potencial na utilização de NFTs para escrituras de imóveis – a rastreabilidade da rede blockchain poderia, por exemplo, evitar um histórico problema brasileiro como a grilagem de terras. Como empecilho, porém, não basta apenas a adoção da tecnologia, mas a regulamentação que será adotada em cada país. Para o especialista, porém, o melhor dessa tecnologia será aproveitada quando ela se tornar invisível. “Hoje, quem usa a internet não faz nem ideia do que seja o protocolo TCP/IP, por exemplo. Como o NFT ainda está numa fase mais primitiva, a tecnologia nos bastidores é importante, mas quando a inovação escalar, ninguém vai saber o que há por trás – só vai usar mesmo”, afirma.

Preservação

Aqui no Brasil, também há casos de empresas buscando usar a tecnologia de NFT de novas formas – e uma delas até atraiu a atenção do ator Bruno Gagliasso. Fundada no início de 2023, a Pachamama tem o global como um de seus três sócios, ao lado do publicitário Rodrigo Rivelino e do consultor João Marcelo Gomes Pinto, que atua no mercado de sustentabilidade há duas décadas. Desde o início das operações, a empresa já atendeu marcas como Starbucks ao oferecer o que chama de unidades de crédito sustentável (UCS), um ativo negociado na B3 e que ajuda a financiar a conservação de biodiversidade e a manter florestas em pé.

“Nós consideramos a sustentabilidade como um insumo. O Starbucks, por exemplo, utiliza recursos naturais para fazer seu café, como a água limpa – e a UCS pode ser usada como base para que a empresa inclua o custo de preservar a fonte desses insumos dentro de cada produto vendido”, explica Gomes Pinto. Cada vez que uma empresa compra uma determinada quantia de UCSs, ela também leva junto um certificado, emitido via NFT, que garante que a empresa comprou aqueles recursos e também destinou sua utilização dentro de sua operação.

Mais do que apenas um diploma, porém, os NFTs da Pachamama também incluem arte, feita por nomes como Igor Silveira e Jairo Grinberg. “Para nós, o NFT é a representação de uma iniciativa sustentável única, que não pode ser contabilizada mais de uma vez. É uma ferramenta para fazermos negócios sólidos e maduros”, diz o executivo. “Por outro lado, a arte ajuda a contar a história da conservação: se o NFT tem uma ilustração de um tubarãozinho em Fernando de Noronha, é mais fácil que o dono daquele certificado explique o projeto para alguém.”

A princípio, pode parecer paradoxal utilizar NFTs para a preservação da sustentabilidade – em seu auge, a tecnologia foi criticada por ter uma alta pegada de carbono. Segundo especialistas, a emissão de um token não-fungível pode emitir até 100 kg de CO2 na atmosfera, o equivalente a um voo comercial de uma hora, dependendo da rede utilizada para a criação desse token. Gomes Pinto, porém, contemporiza. “Com a evolução da tecnologia, surgem redes de baixo custo, como a Polygon, que nós utilizamos. Além disso, entendemos que o uso de blockchain para dar escalabilidade à conservação de florestas, no tempo que a gente precisa, traz benefícios que superam o impacto que estamos causando.”

Fonte: Época Negócios

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